sex abr 26, 2024
sexta-feira, abril 26, 2024

O Miniestado Palestino

Artigo publicado em Correio Internacional (Nova Época) nº 5
 
A possibilidade de que a Assembleia Geral da ONU reconheça, em setembro, um Estado Palestino independente, assentado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, com capital em Jerusalém oriental, está despertando grandes expectativas na população palestina e naqueles que participam da campanha mundial contra os abusos de Israel.

Compartilhamos as reivindicações pelo fim de todos os abusos sionistas e por um Estado no qual os palestinos possam desfrutar de seus direitos. Reconhecemos no martirizado povo palestino uma vanguarda histórica da revolução árabe.

No entanto, há muitos elementos que confirmam o que a LIT-QI vem afirmando: esta saída através da ONU se constitui em uma nova armadilha para desmobilizar o povo palestino.

No início deste ano, a rede de TV Al Jazeera e outras fontes difundiram documentos em que se evidenciava que, para conseguir o reconhecimento de um Estado palestino, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), aceitou condições tais como a permanência de colônias israelenses que ocupam a metade do território da Cisjordânia, que o novo Estado não possua forças armadas próprias e que em seu território se mantenha de modo permanente uma força militar da OTAN.

Além disso, os refugiados palestinos se veriam obrigados a renunciar definitivamente a sua reivindicação histórica de retornar às terras que lhes foram roubadas pelos sionistas quando foi constituído o Estado de Israel em 1948.

Como mostra de sua boa fé, a Autoridade Palestina tem colaborado com a repressão e o bloqueio à Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. Ante a profundidade da claudicação da ANP, Obama tem pressionado o governo israelense de Netanyahu para que aceite o acordo, baseado nas fronteiras anteriores à guerra de 1967.

Ainda assim, as autoridades israelenses resistem a isso, temendo que tal atitude leve à ruptura da atual coalizão governante, que inclui representantes das organizações sionistas mais recalcitrantes entre as que ocupam colônias na Cisjordânia e que não estão dispostas a aceitar nenhuma limitação a sua expansão.

Diante disso, o governo da Autoridade Palestina, com sede em Ramallah, Cisjordânia, lançou uma ofensiva diplomática pedindo para setembro o reconhecimento na ONU de um novo “Estado Palestino Independente”. Já havia conseguido que vários países latino-americanos, entre os quais Brasil e Argentina, antecipassem seu reconhecimento.

Sobre esse tema, Haidar Eid, professor de literatura na Universidade Al-Aqsa de Gaza e assessor da Rede Política Palestina e Al-Shabaka, escreveu um artigo intitulado Um lar independente ou um bantustão disfarçado? (publicado em 04 de maio no site The Electronic Intifada). O autor resumiu muito bem os motivos para repudiar esta proposta:

“Uma vez declarado, o futuro Estado palestino ‘independente’ ocupará menos de 20 % da Palestina histórica. Ao criar um Bantustão* e chamá-lo de ‘estado viável’, Israel se livrará da carga de 3,5 milhões de palestinos. A AP governará sobre o máximo número de palestinos sobre o mínimo número de fragmentos de terra, fragmentos que podemos chamar de ‘O Estado da Palestina’. Este ‘Estado’ será reconhecido por dezenas de países: os chefes tribais dos infames bantustões da África do Sul devem ficar com muita inveja.
 
Só se pode supor que esta ‘independência’ tão comentada e celebrada simplesmente reforçará o mesmo papel que a AP teve sob os acordos de Oslo. Isto é, adotar medidas de polícia e segurança destinadas a reprimir os grupos de resistência palestinos (…)
 
Assim como os acordos de Oslo significaram o fim da resistência popular e não violenta da primeira Intifada, esta declaração de independência tem um objetivo similar, ou seja, acabar com o crescente apoio internacional pela causa palestina desde a ofensiva de Israel no inverno de 2008-2009 contra Gaza e seu ataque contra a Flotilha pela Liberdade de Gaza em maio passado. Mas não dá aos palestinos uma proteção e segurança mínima diante de futuros ataques e atrocidades de Israel. (…) Por último, o que esta ‘declaração de independência’ oferece ao povo palestino é uma ilusão, um ‘lar nacional independente’ que é um bantustão disfarçado. Ainda que seja reconhecido por tantos países amigos, não provê aos palestinos sua liberdade e libertação.”


*Os bantustões foram pseudoestados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul, de forma a manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata.

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