sáb abr 27, 2024
sábado, abril 27, 2024

EUA: Lutamos contra Trump, não votamos em Biden

Estamos entrando na reta final do processo de eleições presidenciais no país, com o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden como os principais candidatos. Qual deve ser a posição dos socialistas revolucionários?

Por: Alejandro Iturbe 
Numerosas correntes da esquerda estadunidenses, especialmente a chamada “esquerda democrata” liderada por Bernie Sanders e organizações que se localizam por fora da estrutura do partido, como os DSA (social democratas americanos) e outras chamam para votar em Joe Biden, apresentando a eleição como uma luta “pela defesa da democracia” contra a ameaça ultrarreacionária e/ou fascista que Trump representaria.
Não concordamos com esta posição nem com seus fundamentos, e opinamos que isso leva os trabalhadores e as massas a caírem novamente na armadilha burguesa que o partido democrata representa. Apoiar o candidato neoliberal do Partido Democrata não freará a subida da extrema direita. Mas antes de entrar nesse debate, acreditamos ser necessário ver o contexto mais profundo na qual estas eleições são realizadas.
O “sonho americano” morreu
O “sonho americano” era a ideologia de que os EUA era a “terra das mil oportunidades”. Que qualquer que fosse a origem social de uma pessoa ou de uma família, com trabalho duro e certa capacidade era possível ter êxito e ascender socialmente. Em diversos artigos publicados neste site, dissemos que esse sonho hoje está morto e que para milhões de habitantes desse país se transformou em um pesadelo [1]. Essa “morte” se evidencia na combinação de quatro crises que atingiram os trabalhadores, todas elas com necessidade de solução urgente.
A primeira é a crise da saúde com a pandemia do coronavírus, em que os EUA (apesar de ser o país com mais recursos do mundo) tem o triste privilégio de encabeçar a lista mundial de contágios e mortes. Este impacto foi agravado pela política criminal do governo de Donald Trump, que revelou a fragilidade do sistema de saúde pública e o nítido caráter de classe ao serem os trabalhadores e os setores oprimidos os mais afetados pela pandemia. Agora, o governo e a burguesia estão em plena ofensiva com a “nova normalidade” para retomar os níveis de exploração habituais. Biden não oferece nenhuma saída para esta crise já que está contra o plano de seguro de saúde universal (Medicare para todos), e não explicou se e como serão garantidos os testes, tratamentos e vacinas para todos os infectados. Tanto o Partido Democrata como o republicano, consideram que a saúde é um negócio e não um direito social da classe trabalhadora.
A segunda é a crise econômica e social que provocou dezenas de milhões de desempregados, um aumento brutal da pobreza, miséria e fome, com muitas famílias que devem fazer fila nos refeitórios comunitários para ter acesso a um prato de comida. O plano de governo de Biden só tem promessas vagas de alguns grandes investimentos públicos para renovar a infraestrutura decadente do país e avançar em direção à economia verde. Não garante o direito a um emprego ou renda fixa, nem apresenta a proibição das demissões e despejos como levantam as organizações socialistas.
A terceira é a crise ecológica com um recorde de incêndios em massa, furacões e tornados. Em 2020 houve uma mudança qualitativa na emergência ecológica e na destruição do meio ambiente: só na Califórnia, estima-se que já tenham sido destruídas 800.000 hectares de florestas [2]. No único debate entre Trump e Biden ficou muito evidente que embora Biden reivindique a “ciência”, só leva em conta uma ínfima parte das investigações dos cientistas que asseguram que vamos para uma destruição certa. Biden defendeu abertamente o fracking e a continuação de uma política energética extrativista. Sua única “solução” à crise do meio ambiente é uma lenta transição para as energias renováveis a cargo das grandes empresas, e não como o exigem os especialistas, uma mudança total do modelo produtivo.
A quarta é a crise provocada pela violência do Estado e seu caráter repressivo. Especialmente, a violência policial racista contra a população negra, que faz vítimas permanentes. É um reflexo extremo do racismo institucionalizado na sociedade e no Estado. Aqui é onde os partidos democrata e republicano concordam em ignorar as demandas básicas da histórica onda de mobilizações que convulsionou o país: quando as ruas pediam menos recursos públicos para a polícia e as prisões e mais para a educação e serviços sociais, assim como o fim das proteções legais às corporações policiais que lhes garantem o direito de matar. Biden afirmou que propunha subir o salário da polícia, contratar mais policiais e investir mais recursos em formação e “proteção”. Ambos os candidatos aspiram ser os candidatos da “lei e da ordem”.
Uma crise do regime político
Todo este quadro gerou uma resposta crescente do movimento de massas. Sua manifestação mais notória foram as rebeliões antirracistas que respondiam aos casos de assassinatos e/ou lesões provocadas pela polícia. Mobilizações que se estenderam por todo o país e nas quais houve fortes choques com as forças repressivas. Seu impacto foi tão grande que consideramos que provocaram uma crise no regime político e abriram uma nova situação no país [3]. Foi um salto sobre os elementos de crise já pré-existentes, no marco da deterioração constante do nível de vida e do ceticismo cada vez maior das massas para com o “sistema”.
Não são os únicos processos de luta: desde o início da pandemia foi registrado um recorde de conflitos e  greves no país, especialmente no setor da educação e dos serviços e comércio. Lutas que surgem a partir das bases e refletem o esgotamento dos trabalhadores pela situação atual. “A frustração com os baixos salários na indústria de serviços e debilidade das proteções dos empregados…em meio ao aumento das mortes por coronavírus”[…] “Nesta onda de greves, o impulso vem das bases. Os trabalhadores decidiram que tiveram o suficiente e estão preparados para pressionar pela mudança”, expressou Dean Baker, economista do Centre for Economic and Policy Research[4].
Trump não é fascista
Com este contexto, as eleições representam uma tentativa da burguesia estadunidense de fechar um processo revolucionário e fortalecer o regime. Para levar adiante essa tarefa, há duas propostas diferentes. Trump e os republicanos apresentam a proposta de fazê-lo através da “lei e da ordem”, a repressão institucional e a defesa dos policiais repressores como “heróis”. Mas é necessário sermos muito claros: seu governo é ultrarreacionário e ataca duramente os trabalhadores e as massas, mas não é fascista nem tem o projeto de sê-lo.
Isto implicaria uma mudança qualitativa do regime democrático-burguês estadunidense. Mas, atualmente, nem os setores centrais da burguesia estadunidense nem a cúpula das Forças armadas estão a favor de uma mudança desta envergadura. A prova objetiva e indiscutível de que Trump não tem condições nem apoio suficiente para mudar o regime é a ruptura pública que o Departamento de Defesa encenou em junho, um dia depois que Trump declarara a possibilidade de mobilizar o exército para reprimir os protestos. Os altos comandos militares forçaram o Secretário de Defesa, Mark Esper, a sair publicamente no dia seguinte para assegurar o contrario e não participaram em nenhum operativo de repressão.
Em todo caso, se o governo Trump fosse realmente fascista ou tivesse o projeto de transformar-se nele, só poderia ser derrotado nas ruas, com a organização e a luta dos trabalhadores e sua autodefesa. O fascismo nunca foi freado com eleições burguesas.
Estamos, então, no terreno eleitoral burguês clássico e o fantasma do fascismo (ou o argumento de combatê-lo) só serve para encobrir a armadilha eleitoral do outro partido burguês imperialista: os democratas.
As ameaças ao direito do voto
Esta posição de fundo não significa que subestimamos o aumento do tamanho de afiliados e a atividade das milícias e dos grupos fascistas brancos, como os Proud Boys, que atacam abertamente os protestos e os militantes de esquerda. É uma realidade preocupante: estes grupos não apenas tem que ser denunciados: devem ser combatidos essencialmente com a autodefesa das lutas, mobilizações e greves.
Também não subestimamos a ameaça destes grupos de irem aos locais de votação para “vigiar para que não haja fraude”. Ou seja, para intimidar os eleitores. Chamamos para participar das mobilizações que se realizarem para defender o direito ao voto, em unidade de ação com os democratas e a esquerda reformista.
Além disso, dado o grande número de eleitores por correio que haverá nestas eleições, a contagem final dos votos e a definição da composição do colégio eleitoral vão demorar alguns dias. Nesse período de “terra de ninguém” é muito possível que haja mobilizações de apoio a Trump e também dos que querem tirá-lo.  Além disso, chamamos a participar em unidade de ação das mobilizações que possam ocorrer se Trump e seus apoiadores tentarem ignorar uma vitória eleitoral de Joe Biden.
Nossas bandeiras
Chamamos a participar destas mobilizações em unidade de ação mas não nos dissolvemos nelas. Participaremos com nossas bandeiras, nossa proposta e nossa organização.
Em primeiro lugar, denunciando o caráter antidemocrático do atual sistema eleitoral estadunidense e seu caráter restritivo para os trabalhadores e as massas, um sistema que o partido democrata também defende. Nos referimos, por exemplo, à exclusão de mais de 40 milhões de imigrantes que não tem a cidadania e aos milhões que tiveram condenações (com uma alta porcentagem de negros e latinos); ao caráter antidemocrático da eleição indireta através do colégio eleitoral; ao fato de que os trabalhadores devem perder horas de trabalho e salário para inscreverem-se e votar; ou aos grandes obstáculos para inscrever candidatos independentes dos dois grandes partidos burgueses.
Chamamos a construir uma verdadeira democracia para os trabalhadores e o povo estadunidense e a organizar-se nos locais de trabalho e nas comunidades de bairro para lutar contra os múltiplos ataques que hoje sofrem. Devemos nos apoiar em que “Os trabalhadores decidiram que tiveram o suficiente e estão preparados para pressionar pela mudança”. Nesse caminho, chamamos a avançar na perspectiva da luta por uma mudança de fundo desta sociedade capitalista, uma revolução para construir os Estados Unidos Socialistas.
Algumas considerações finais
Por tudo isso, chamamos a não votar em nenhum dos dois candidatos burgueses. Lutamos contra Trump mas não votamos em Joe Biden nem no “canto da sereia” do partido democrata que, como mostra toda a experiência histórica, não eliminou o racismo e a violência policial nem resolveu os gravíssimos problemas que afetam os trabalhadores e as massas. Aqueles que se reivindicam socialistas não podem ceder à pressão de chamar a votar no “mal menor” que representaria o burguês imperialista “democrático” Joe Biden, para derrotar o burguês imperialista “fascista” Trump.
Naqueles Estados nos quais se apresentam candidaturas independentes da classe trabalhadora, como a de Dan Piper do Socialist Resurgence, em Connecticut; ou a de Belden Baptiste (Noonie Man), em Louisiana, apoiamos essas candidaturas.
Finalmente, chamamos a votar a favor de  algumas proposições que se apresentam paralelamente às eleições presidencial e legislativa. Por exemplo, na Califórnia apoiamos o aumento de impostos às grandes propriedades comerciais, para financiar a educação; a restauração do afirmative action (leis destinadas a corrigir efeitos de formas específicas de discriminação); e o apoio aos direitos trabalhistas dos trabalhadores de empresas da “nova economia”, como Uber e Lyft.
Notas:
[1] https://litci.org/pt/o-sonho-americano-morreu/
[2] https://www.istoedinheiro.com.br/incendios-no-oeste-dos-eua-devastam-mais-de-800-000-hectares-2/
[3] Ver: https://litci.org/pt/um-processo-revolucionario-sacode-os-eua/
[4] https://www.smh.com.au/world/north-america/wave-of-1000-strikes-ripples-across-the-us-as-crisis-bites-20200929-p5606t.html?fbclid=IwAR18IEkXZYTySoMSe09REwoKMrokXws-tEgqdPyF7ap4yA8sHkHLDb5GUEM
Tradução: Lilian Enck

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