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Cobertura G20

Reunião do G20 no Brasil: Muitos problemas, poucas soluções

novembro 29, 2024

Por: Redação |

Na semana passada, a 19ª Cúpula do G-20 foi realizada no Rio de Janeiro (Brasil). Como é tradicional, terminou com a publicação de uma declaração final[1]. Qual é o significado desta reunião e da declaração publicada?

O G20 é um fórum internacional que reúne representantes das principais economias do mundo para discutir questões internacionais. Foi criado em 1999, por iniciativa do imperialismo ianque, como uma ampliação do G7 (formado pelos Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido, Japão, Canadá e Itália).  Além dos membros do G7, o grupo incluía Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia, África do Sul, Turquia e um representante da União Europeia.

Seu objetivo inicial era propor políticas comuns diante da crise financeira internacional da época. Desde 2008, expandiu sua agenda para outras questões e passou a convidar personalidades e organizações ligadas a elas. Em outras palavras, é um fórum onde os governantes das potências imperialistas e países de peso regional analisam os gravíssimos problemas que o sistema capitalista-imperialista causa no mundo (guerras, destruição da natureza, aumento da fome, etc.) e o que fazer diante deles. Suas decisões não são “vinculativas” e não têm caráter obrigatório para seus membros. Ou seja, são apenas propostas que, em alguns casos, são desenvolvidas paralelamente.

O papel de Lula

A sede das cúpulas é rotativa entre os países membros. Da finalização de uma até a seguinte, a presidência do grupo é exercida pelo líder político do país anfitrião: ele é responsável por organizar a cúpula, definir sua agenda, fazer o discurso de abertura, propor e redigir a declaração final. Nessa cúpula, o presidente brasileiro Lula da Silva foi um líder especialmente apto para desempenhar esse papel: “desde há muito tempo, ele teve uma agenda pró-imperialista e […], em seu primeiro governo, foi encarregado de liderar com tropas brasileiras, a missão das Nações Unidas (MINUSTAH) para ocupar o Haiti”.[2]

Apesar de ser “um homem do imperialismo”, Lula mantém prestígio em diversos setores da esquerda internacional. Ele também tentou transmitir uma imagem internacional de ser “neutro” e “pacificador” nos conflitos político-militares mais graves, capaz de dialogar com “ambos os lados” e ser um mediador entre eles. . Ele teve um papel central nesta cúpula.   

Ausências

Em geral, os países membros enviam seu presidente ou primeiro-ministro como representante. Nesta, houve duas ausências. A mais importante foi a de Donald Trump, recém-eleito presidente de seu país. Os EUA tiveram uma representação quase simbólica por meio do democrata Joe Biden, que deixará o cargo em janeiro próximo, quando Trump assumir o cargo.

Dadas as suas posições sobre as questões a serem discutidas, Trump não tinha interesse em participar numa cúpula para debater com as posições dos outros participantes. Por outro lado, em sua política internacional, quando foi presidente (2017-2021), sempre desprezou esses fóruns político-diplomáticos e suas propostas, e agiu de acordo com seus próprios critérios. Algo como “vocês discutem e resolvem que depois farei o que me parecer melhor”. Nesta última cúpula, aproveitou o fato de ainda não ter assumido oficialmente o seu cargo e optou diretamente por não participar. A mídia internacional analisa com ironia que foi assim que ele se tornou “o inominável”, já que os participantes se referiam a ele (ou o criticavam) por meio de alusões e eufemismos[3].

Outra ausência foi a de Vladimir Putin, da Rússia, que foi representado por seu ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov. Putin certamente não quis participar diretamente dos debates (com possíveis acusações e pressões sobre ele) sobre a guerra na Ucrânia, iniciada pela invasão russa em fevereiro de 2022, nem se comprometer com a resolução que fosse adotada sobre este ponto.

A figura internacional mais importante que participou da cúpula foi XI Jinping, presidente da China, um país imperialista e a segunda potência econômica do mundo. Nos debates, ele tinha um perfil “calmo”. Ao mesmo tempo, aproveitou sua viagem ao Brasil para realizar diversas atividades e encontros, numa região com a qual a China mantém intensas relações comerciais, vem realizando investimentos crescentes e aumentando a sua influência. Ele quer ocupar um espaço maior, em um momento em que a política dos EUA em relação à América Latina, embora continue sendo o imperialismo hegemônico no subcontinente, apresenta a incógnita do que será com Trump. 

Por isso, sua viagem começou no Peru, onde a China tem pesados investimentos em mineração. Naquele país, foi inaugurado o megaporto de Chancay com financiamento chinês, que será administrado por uma empresa desse país e é o principal porto da costa sul-americana do Pacífico. É a primeira base física da Rota da Seda que a China procura alinhavar no subcontinente.

A inauguração coincidiu com a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), composta por 17 países[4]. Em Lima, Xi Jinping também realizou uma reunião bilateral com Joe Biden.[5]

No Brasil, terminada a cúpula do G20, ele fez uma “visita de Estado” a Brasília e se encontrou oficialmente com Lula. Nessa reunião, de acordo com o relatório oficial do Ministério das Relações Exteriores da China, Xi Jinping “manteve uma troca de opiniões a fundo com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva sobre continuar a melhorar as relações China-Brasil, promovendo sinergias entre as estratégias de desenvolvimento dos dois países, bem como questões regionais e internacionais de interesse comum”.[6] Numerosos acordos comerciais foram assinados entre os dois países. Xi Jinping mais uma vez propôs a Lula que o Brasil aderisse ao acordo comercial da Rota da Seda, algo que o Brasil ainda não fez, ao contrário de outros países latino-americanos.

Ao mesmo tempo, durante a cúpula, ele realizou uma “reunião de biblioteca” com o presidente argentino Javier Milei, à qual nos referiremos especificamente[7].

O insulto a Elon Musk

Elon Musk, um megaempresário americano de origem sul-africana, é um dos principais apoiadores de Donald Trump. Agora quer expandir seus negócios no campo da telemática para a América do Sul. Na Argentina, Milei abriu-lhe as portas: quer vender-lhe a empresa estatal ARSAT (satélites e comunicações).

Pelo contrário, no Brasil, teve fortes confrontos com o governo Lula, que obteve uma resolução judicial que criminaliza a disseminação de notícias falsas. Este ano, a plataforma  X  (antigo Twitter), foi suspensa por 40 dias no país por não cumprir essa regulamentação. Musk começou a criticar duramente o governo de Lula.

Ele não estava presente no Brasil. No entanto, a primeira-dama Rosângela “Janja” da Silva o insultou em um breve discurso na Cúpula Social (evento paralelo ao G20, promovido pelo governo brasileiro para evitar manifestações contrárias à cúpula. Nessa área, Janja expressou “Foda-se Elon Musk, não tenho medo de você”. Musk respondeu em sua conta X: “Eles vão perder a próxima eleição”.[8]

É importante notar que, apesar dos esforços do governo Lula, houve uma atividade de oposição ao G20 no Rio de Janeiro: a chamada Cúpula dos Povos (convocada por várias organizações, incluindo a CSP-Conlutas). Além de suas reuniões, realizou uma importante manifestação na região sul da cidade[9].

Milei entre duas bordas

Na ausência de Trump, muitos meios de comunicação internacionais acreditavam que Javier Milei atuaria como seu “delegado” na defesa das posições que lhes são comuns sobre os temas discutidos na cúpula e iria “bombardear” as propostas de Lula. A realidade não foi assim: Milei argumentou em alguns pontos, mas acabou assinando a declaração final e limitou-se a expor verbalmente aqueles em que não concordava[10].

Milei foi para o Rio de Janeiro com outras necessidades, a pedido dos grandes grupos econômicos que sustentam seu governo. Primeiro, para reparar as relações com a China depois de ter dito, há alguns meses, que “seu governo não faria negócios com países comunistas”. A China é o segundo “parceiro comercial” da Argentina em volume de exportações e importações. Além disso, concedeu swaps em yuan que permitem à Argentina não usar dólares em suas compras e, assim, destiná-los para o pagamento de sua dívida externa com o FMI. Por isso, ele realizou uma reunião especial com Xi Jinping para promover a  cooperação construtiva”, com convites mútuos para visitar seus países[11].

Ele também teve que reparar as relações com Lula e o Brasil. Lembremos que o partido de Lula apoiou o adversário peronista de Milei nas últimas eleições argentinas[12]. Milei respondeu que Lula era “um comunista corrupto”.[13]

O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina. Esse fluxo de comércio vai aumentar: a Petrobras assinou um acordo com a YPF para investir no campo petrolífero de Vaca Muerta, na Patagônia[14]. Ao mesmo tempo, na cúpula, Luis Caputo, ministro da Economia de Milei, assinou um acordo com Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia do Brasil, para exportar gás desse campo petrolífero para o Brasil[15].

Milei acabou até apoiando a formação da Aliança Global Contra a Fome proposta por Lula na cúpula[16]. Amigos, amigos, negócios a parte. Por isso, no balanço das ações de Milei na cúpula, a mídia argentina fala de uma “virada pragmática”.

A declaração final

Os pontos mais graves abordados pela cúpula foram as guerras na Faixa de Gaza e no Líbano (iniciadas pelas agressões e invasões realizadas pelo Estado de Israel) e a da Ucrânia (iniciada pela agressão e invasão russa). A declaração final faz apenas menções suaves” a essas guerras[17].

Sobre a situação no Oriente Médio, limita-se a expressar “profunda preocupação com a situação humanitária catastrófica na Faixa de Gaza e a escalada no Líbano” e “… na necessidade urgente de expandir o fluxo de ajuda humanitária e fortalecer a proteção dos civis…”. Nem uma palavra de condenação das invasões israelenses ou do estado sionista e dos métodos genocidas que usa. Sem eufemismos: uma cumplicidade aberta com o sionismo, em que “paz” significa que o povo palestino aceita a usurpação e o roubo de seu território histórico. Nesse contexto, inclui, de forma hipócrita e retórica, uma frase pelo “direito palestino à autodeterminação”.

Sobre a guerra na Ucrânia, que já está sob invasão e fogo russo há quase três anos, limita-se a referir-se ao “sofrimento humano” do povo ucraniano. Em nenhum momento a Rússia é mencionada no ponto. Mais uma vez, cumplicidade com Putin e seu objetivo de anexar a faixa oriental da Ucrânia à Rússia. Isso significa a rendição do povo ucraniano para que a “paz” possa ser alcançada. Uma “paz” que o G20 está realmente promovendo por causa de sua “preocupação” com “as repercussões negativas da guerra em relação à segurança alimentar e energética global, cadeias de suprimentos, estabilidade macrofinanceira, inflação e crescimento”. Isto é, por causa dos negócios do capitalismo.

Nessas guerras, sob sua retórica pacifista e humanista hipócrita, o G20 “tem um lado”: o dos agressores. Em outras questões muito graves, que afetam os povos do mundo, como a destruição da natureza, as mudanças climáticas e o crescimento da fome, também não forneceu soluções e se limitou a repetir velhas propostas que já mostraram seu fracasso.

Diante das mudanças climáticas, limitou-se a reiterar os objetivos do Acordo de Paris, assinado em 2015 pela maioria dos países do mundo, sobre a redução gradual dos gases poluentes[18]. Esses acordos foram uma espécie de encenação do capitalismo imperialista para tentar mostrar que estava “fazendo algo” contra o desastre climático que havia causado e suas consequências na destruição da natureza[19].  Não avançou em nenhum dos objetivos muito limitados que havia estabelecido para si mesmo. Foi de fracasso em fracasso, assim como outras reuniões semelhantes, como a Cúpula das Nações Unidas sobre Biodiversidade[20]. Finalmente, durante sua presidência anterior, em 2017, Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris[21]. Em 2021, Joe Biden voltou a integrá-lo. Mas, quem quer que seja o presidente, a realidade é que os EUA nunca implementaram as medidas propostas e é muito possível que Trump retire formalmente o país novamente.

O mesmo acontece com as questões da pobreza e da fome no mundo. Por sugestão de Lula, a cúpula lançou a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Um novo nome para projetos que já existem, há muitos anos, no âmbito da ONU, como a FAO e o Programa Mundial de Alimentos. Que também vêm de fracasso em fracasso: alcançam uma ligeira diminuição nos números, mas depois, com as crises econômicas internacionais, ou devido à pandemia, voltam a subir dramaticamente[22].

As propostas de Lula na cúpula incluem um imposto global de “2% da riqueza dos 3.300 bilionários do mundo para arrecadar entre 200.000 e 250.000 milhões de dólares anualmente para financiar projetos de combate à pobreza, fome e mudança climática”. A realidade mostra que os “bilionários” evitam pagar impostos ou pressionar seus governos a reduzi-los, como Trump fará agora nos EUA (um país em que reside 1 em cada 4 magnatas do mundo). O verdadeiro objetivo de Lula e do G20 é tentar impedir que o crescimento da pobreza e da fome no mundo gere uma explosão das massas como a “rebelião dos famintos” de 2008[23].

O capitalismo imperialista não pode resolver a fome e a destruição da natureza no mundo porque é o próprio sistema – e suas leis de funcionamento – que a cria e se beneficia dela. Enquanto a produção e a comercialização de alimentos e produtos industriais forem controladas por grandes multinacionais, não será possível mudar essa realidade. Por esta razão, todos os projetos apresentados no G20 estão destinados a falhar novamente.

A alternativa é nítida: a ganância por lucros desses grupos ou as necessidades dos povos do mundo com centenas de milhões de pessoas. Para pôr fim a esses flagelos, é necessário destruir esse sistema e substituí-lo por um sistema socialista de economia central planificada, que use racionalmente os recursos existentes, cuide da natureza e se organize a serviço da satisfação das necessidades essenciais dos trabalhadores e dos povos do mundo. A necessidade de uma revolução socialista é mais urgente do que nunca.


[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/es/internacional/noticia/2024-11/la-declaracion-final-del-g20-reitera-objetivos-del-acuerdo-de-paris

[2] https://litci.org/pt/2024/10/31/realizacao-do-g20-no-brasil-e-uma-vergonha/2/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[3] https://www.lanacion.com.ar/agencias/trump-el-innombrable-de-la-cumbre-del-g20-en-rio-nid19112024/

[4] https://www.agrositio.com.ar/noticia/238351-una-nueva-era-para-peru-inauguran-puerto-de-chancay.html#:~:text=Con%20la%20presencia%20del%20presidente,de%20la%20regi%C3%B3n….

[5] https://cnnespanol.cnn.com/2024/11/16/joe-biden-xi-jinping-reunen-peru-cumbre-lideres-pacifico-trax

[6] https://www.fmprc.gov.cn/esp/zxxx/202411/t20241120_11529720.html

[7] https://www.lanacion.com.ar/politica/g20-javier-milei-se-reune-con-xi-jinping-con-la-intencion-de-abrir-mercados-nid19112024/

[8] https://www.infobae.com/america/america-latina/2024/11/17/el-fuerte-cruce-entre-la-primera-dama-de-brasil-y-elon-musk-en-redes-sociales-a-dos-dias-del-g20-en-rio-de-janeiro/

[9] https://litci.org/es/el-lanzamiento-de-la-cumbre-de-los-pueblos-marca-el-inicio-de-movilizaciones-en-protesta-por-la-reunion-del-g20/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[10] https://www.politicargentina.com/notas/202411/62337-milei-firmo-la-declaracion-final-del-g20-pero-rechazo-la-agenda-2030-y-el-impuesto-a-los-super-ricos.html

[11] https://www.lanacion.com.ar/politica/g20-javier-milei-se-reune-con-xi-jinping-con-la-intencion-de-abrir-mercados-nid19112024/

[12] https://www.swissinfo.ch/spa/el-partido-de-lula-anuncia-su-apoyo-a-la-candidatura-de-sergio-massa-en-argentina/48954452

[13] https://elpais.com/argentina/2024-06-28/milei-redobla-sus-ataques-contra-lula.html

[14] https://www.iprofesional.com/economia/414326-ypf-petrobras-preparan-mega-inversion-vaca-muerta

[15] https://www.infobae.com/movant/2024/11/20/argentina-firmo-un-acuerdo-con-brasil-para-exportar-gas-de-vaca-muerta/

[16] https://www.tiempoar.com.ar/politica/alianza-global-contra-el-hambre-que-propuso-lula-adhirio-la-argentina-de-milei-pero-en-torno-al-mercado/

[17] https://www.infobae.com/america/mundo/2024/11/18/las-guerras-en-ucrania-y-medio-oriente-los-temas-clave-de-la-declaracion-final-de-los-lideres-del-g20/

[18] https://agenciabrasil.ebc.com.br/es/internacional/noticia/2024-11/la-declaracion-final-del-g20-reitera-objetivos-del-acuerdo-de-paris 

[19] https://litci.org/es/conferencia-de-paris-el-enesimo-fracaso/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[20] https://litci.org/pt/2024/10/24/cop-16-e-a-sexta-extincao/

[21] https://litci.org/es/la-retirada-de-trump-del-acuerdo-climatico-de-paris/

[22] https://litci.org/es/63474-2/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[23] https://elpais.com/diario/2008/03/08/sociedad/1204930805_850215.html

Tradução: Lilian Enck

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