qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A inflação ataca os trabalhadores

Atualmente, há uma onda inflacionária em todo o mundo gerada especialmente pelo aumento da energia e dos alimentos. Existe uma explicação marxista do por que esta situação ocorre. As famílias trabalhadoras sofrem duramente na própria carne com a perda do poder de compra do salário. Os setores mais baixos caem diretamente na pobreza extrema e na miséria. Como responder a este novo ataque do capitalismo?

Por: Alejandro Iturbe

Vejamos alguns dados. Nos Estados Unidos, houve em maio uma inflação interanual (comparação de preços com o mesmo mês do ano anterior) de 8,6%, a mais alta em 40 anos. O aumento dos alimentos supera 10% enquanto que a gasolina chegou ao seu recorde histórico de 5 dólares o galão (3,785 litros), 60 % superior a um ano atrás!, em um país em que parte importante da população (inclusive os trabalhadores) usa o automóvel [1].

Ao mesmo tempo, segundo uma estimativa preliminar da Eurostat, o escritório de estatística da União Europeia, a inflação anual da zona do euro (os países do continente que usam esta moeda comum) alcançou 8,1% em maio de 2022.  Em uma análise por setores, o aumento no item “energia” chega a quase 40%. Em alguns países, supera amplamente 10% (Eslováquia, Letônia e Lituânia), e na Estônia chega a 20%[2].

Vejamos os países que não são imperialistas, mas tem um desenvolvimento médio e peso regional. O Brasil, em abril passado, registrava uma inflação interanual de 12,13%, a mais alta dos últimos 20 anos[3]. Na Argentina, essa comparação mostra um aumento de 60,7%[4], apenas superada pela Turquia, que registrou 69,67%[5]. Embora os economistas burgueses não definam estes níveis como “hiperinflação” a verdade é que ambos os países vivem um processo de “liquefação” de suas moedas nacionais e encabeçam o “ranking mundial inflacionário”.

A inflação é produto do capitalismo

É comum que diante de processos que atingem duramente os trabalhadores e as massas, como as crises econômicas (com suas sequelas de planos de ajuste, desemprego e ataques às conquistas trabalhistas) e a inflação, a mídia e os políticos burgueses, e os capitalistas em geral, culpam as causas objetivas alheias a eles, como se se tratasse de consequências de “catástrofes naturais”. Nos últimos anos, diziam que a crise econômica era causada pela pandemia da Covid-19; agora nos dizem que a culpa desta onda inflacionária é da guerra na Ucrânia.

Sem dúvida, tanto a pandemia como a guerra são fatos que impactam sobre a economia e tem consequências econômicas, mas não são as que originaram a crise nem a inflação: o que fizeram foi agravar e acelerar tendências e dinâmicas que já existiam. Vejamos a inflação, ou seja, o aumento generalizado dos preços das mercadorias e serviços que é gerada por processos profundos do funcionamento do sistema capitalista e são potencializados (como uma “onda expansiva”) por diversos mecanismos que a retroalimentam.

O que são os preços? Aqui é necessário retomar conceitos básicos elaborados por Karl Marx, em sua teoria do valor-trabalho: o valor contido ou expresso em uma mercadoria é o tempo de força de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Essa é a base sobre a qual estas mercadorias serão trocadas no mercado. Neste processo de circulação e troca, aparece outro elemento: o dinheiro, que atua como intermediário das operações. As diferentes mercadorias são trocadas em uma proporção que acaba sendo definida pelo seu preço.

O dinheiro é a expressão genérica do valor, de determinada quantidade de trabalho social abstrato. É o equivalente geral, a mercadoria onde o resto das mercadorias expressam seu valor, refletem sua igualdade e sua proporcionalidade quantitativa. Segundo palavras de Marx: “O dinheiro é a forma mais acabada de valor”. A aceitação universal deste papel do dinheiro permite sua utilização como meio de pagamento.

Se “O dinheiro é a forma mais acabada de valor” isso significa que a massa total de dinheiro é equivalente à massa total do valor, expressa em uma quantidade determinada de produto material. Por isso, se essa massa de dinheiro cresce nominalmente a um ritmo superior ao do novo valor produzido, podemos dizer que “sobra dinheiro” e isto deriva em uma depreciação de cada unidade de moeda como “meio de pagamento”.

A realidade nos mostra que essa massa de dinheiro vem aumentando no mundo constantemente desde há décadas pela emissão crescente tanto de cédulas como de títulos públicos. Um processo que se acentuou com os grandes “pacotes de ajuda” aos bancos e empresas por parte dos bancos centrais dos EUA e Europa (como em outros países), chamados eufemisticamente de “injeções de liquidez” e, mais recentemente, pelo pacote econômico lançado pelo presidente Joe Biden. Tudo isto acaba se expressando em uma inflação que se converte, crescentemente, em estrutural, na economia capitalista, inclusive em fases de estagnação ou descenso (a estagflação).

Sobre esta base estrutural começam a operar os mecanismos de “onda expansiva” da inflação que, por sua vez, a retroalimentam. Em primeiro lugar, os preços das commodities são mundiais. Isto significa que, se o preço de alguma delas sobe nos mercados europeus pela guerra na Ucrânia, subirá em todo o mundo, inclusive nos mercados de regiões que não estão afetadas diretamente pelo conflito.

Em segundo lugar, se os preços das commodities aumentam, como a energia ou os cereais, todos os demais preços tendem a aumentar. Por um lado, por parte dos capitalistas que utilizam esses insumos e assim transferem esse maior custo. Por outro, pelo que se chama “o lance pelos preços relativos”, um mecanismo de disputa interburguesa nos mercados da mais valia extraída. Tudo conflui em um aumento generalizado de preços (a inflação) que acaba atacando o poder aquisitivo do consumidor, especialmente dos trabalhadores cujo “preço” (o salário) sempre perde nesse “lance”.

A queda do poder aquisitivo

É muito possível que para muitos trabalhadores seja difícil entender estes mecanismos econômicos. Mas sofrem e compreendem as consequências da inflação, porque seu salário pode comprar cada vez menos mercadorias e serviços, inclusive se conseguem aumentos nominais. Em outras palavras, seu salário cada vez vale menos. A burguesia usa a inflação para diminuir o valor do salário, aumentar o nível de exploração e a quantidade de mais valia extraída. É o que os economistas burgueses chamam de “perda ou queda do poder aquisitivo”.

Vejamos alguns dados recentes em diferentes países do mundo. Nos EUA, em 2021, o salário aumentou 4,7% enquanto que a inflação foi de 6,6%[6]; na Espanha, calcula-se que em fins de 2022 os trabalhadores terão perdido poder de compra equivalente a um mês de seu salário (mais de 8%)[7]; no México, uma manchete de um importante jornal: “O poder aquisitivo dos mexicanos em queda livre pela inflação”[8]; no Brasil, um informe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) disse que “a inflação derruba o poder de compra de 90% das profissões”[9]. Na Argentina, um estudo do IARAF (Instituto Argentino de Análise Fiscal) informa que, nos últimos 30 meses, os salários e as aposentadorias perderam, em média, um terço de seu poder de compra[10]. Outra notícia deste país indica que em maio de 2022 o consumo varejista caiu 6,7%[11].

Os dados falam por si mesmos. Entretanto, é necessário assinalar que a realidade é ainda pior, por várias razões. Em primeiro lugar, esta queda do poder de compra do salário vem desde muito antes dos períodos tomados por esses estudos e informes. Em segundo lugar, eles consideram uma inflação média enquanto que, como vimos, os maiores aumentos ocorrem na energia e alimentos, setores de forte impacto em um orçamento familiar; ou seja, a queda real é superior ao mero cálculo de “inflação média – aumento salarial”. Em terceiro lugar, como vimos, este processo inflacionário se mantém e se aprofunda, aumentando seu impacto.

O que para um setor de famílias trabalhadoras significa comprar menos produtos e serviços ou baixar sua qualidade, para as faixas mais baixas representa diretamente entrar em uma situação de pobreza extrema e miséria, ou seja, que vão passar fome. Um estudo da ONG Oxfam informa que em 2022 “mais de 263 milhões de pessoas podem cair na pobreza extrema”, chegando assim a um total de “860 milhões de pessoas vivendo na miséria”[12].

Uma realidade que não pode ser ocultada nem sequer pelos organismos econômicos internacionais do imperialismo. Um informe recente do Banco Mundial expressa: “Durante quase 25 anos, o número de pessoas que vivem na pobreza extrema…diminuiu constantemente. Entretanto, a tendência foi interrompida em 2020,quando a pobreza começou a aumentar…A inflação induzida pelo preço dos alimentos pode ter um impacto particularmente devastador nas famílias pobres: uma pessoa típica de um país de baixa renda gasta em torno de dois terços de seus recursos em alimentos…”[13].

Crescem as lutas operárias

Nesse marco, os trabalhadores e as massas protagonizaram numerosas lutas contra esta realidade de empobrecimento. Em 2019, uma onda de rebeliões e revoluções se estendeu por diversas regiões do mundo. Na América Latina, teve seu epicentro no processo revolucionário do Chile. Foram processos explosivos, com mobilizações que enfrentaram duras repressões, e com a juventude precarizada e sem futuro na vanguarda destes enfrentamentos. Em geral, a classe trabalhadora não interveio nos processos a partir de suas estruturas e organizações nem com seus métodos, mas dissolvida dentro das massas em luta.

Em 2020, o impacto da pandemia provocou um impasse em relação à ação do movimento de massas mas, inclusive nesse marco, as rebeliões antirracistas explodiram e se espalharam nos EUA. No final daquele ano, houve uma importante greve geral na Índia que, pelo número de participantes, é considerada a maior da história mundial. Em 2021, os trabalhadores e as massas começaram a retomar a dinâmica de 2019: em março, ocorreu uma eclosão social no Paraguai contra o governo do Partido Colorado e, em junho, na Colômbia, iniciou-se uma onda de mobilizações contra o governo de Iván Duque, à qual o regime respondeu com uma feroz repressão. Salvo o caso da greve geral na Índia, estes processos mantiveram as características que analisamos naqueles de 2019 e nas rebeliões antirracistas dos EUA.

Entretanto, em 2021 se manifestou o início de uma mudança importante: a presença da classe trabalhadora a partir de suas estruturas, com sua organização e seus métodos. Ao longo do ano uma onda de greves se desenvolveu nos EUA (minoritária mas importante) que, dos setores da educação e serviços, predominantes nas lutas anteriores, se estendeu com força aos trabalhadores industriais, que há muitos anos estavam ausentes de cena[14]. Na África do Sul, os trabalhadores metalúrgicos (agrupados no poderoso sindicato NUMSA) realizaram uma forte greve por aumento de salários.[15]  Na Bélgica, no início de dezembro, milhares de manifestantes marcharam pelas ruas de Bruxelas, convocados por todas as centrais sindicais, contra a inflação e também contra os ataques aos dirigentes sindicais[16].

Em 2022, a resposta ao impacto negativo da inflação e a perda do valor do salário parece confirmar esta tendência de entrada na luta dos trabalhadores organizados a partir de suas estruturas. Se percorrermos a mídia e páginas do mundo, algumas delas especializadas no mundo sindical e do trabalho, vemos que, um tanto ocultas pelos meios de imprensa da burguesia, lutas operárias estão acontecendo em muitos países e regiões. Entre eles, em uma lista muito incompleta:

  • Os trabalhadores de carga, descarga e logística da Coreia do Sul realizam uma greve que afeta as fábricas de automóveis, eletrodomésticos, construção de barcos etc.[17]
  • . O sindicato metalúrgico IG Metall anunciou novas greves em nove cidades alemãs por aumentos salariais na indústria siderúrgica[18].
  • Na Turquia, se desenvolve o que é descrito como “uma onda de greves que percorre o país”contra “a inflação desenfreada”[19].
  • Os metalúrgicos do País Basco implementam um plano de luta, por diversas reivindicações, que inclui três dias de greve[20].
  • No setor do transporte aéreo, em maio, diversos sindicatos de vários países europeus anunciaram que paralisariam se a empresa Ryan Air não melhorasse as condições salariais e trabalhistas [21]. Na França, os trabalhadores do aeroporto Charles De Gaulle em Paris, realizam uma luta por um aumento salarial de 300 euros e pela recuperação de postos de trabalho perdidos durante a pandemia[22].

Outros setores sociais também estão em luta contra o impacto empobrecedor da inflação.  No Equador, a organização de indígenas e camponeses CONAIE lidera uma luta contra o governo de Guillermo Lasso e o primeiro ponto de suas reivindicações é “Redução e não mais aumento do preço dos combustíveis[23].

A grande maioria das burocracias sindicais trabalha para que estas lutas não ocorram e tentam convencer os trabalhadores para que aceitem as perdas salariais e conquistas trabalhistas ou a redução dos postos de trabalho. E, quando não podem impedi-las, tentam evitar que essas lutas se estendam, se aprofundem e se unifiquem.

Mas, inclusive, nestas difíceis condições, cresce o número de greves. Se esta tendência se mantiver, significará um elemento de grande importância para a dinâmica da luta de classes no mundo. Nesse marco, seria também um processo central para a LIT-QI, porque nos reivindicamos como uma organização da classe operária e é aí onde desenvolvemos nossa principal intervenção.

Algumas considerações

Esta série de greves ocorre por objetivos econômicos, porém tem uma profunda significação política, porque aponta contra o coração de uma política central das burguesias: descarregar sobre as costas da classe trabalhadora o custo da recuperação econômica e consolidar um nível salarial muito mais baixo, e com isso, um nível mais alto de exploração.

No marco de nossa solidariedade, apoio e intervenção nesse processo, apresentamos as seguintes propostas imediatas: Por um aumento geral de salários! Por um salário básico que cubra o custo de uma cesta básica familiar! Por reajustes salariais automáticos que cubram a inflação! Ao mesmo tempo, é necessário romper o isolamento dessas lutas. Por isso, temos que impulsionar sua unificação e sua coordenação na perspectiva de uma greve geral pelos pontos que assinalamos anteriormente.

Nos referimos ao nefasto papel das burocracias sindicais. Por isso, as greves colocam, desde o início e no calor de seu desenvolvimento, a necessidade do surgimento de novos dirigentes operários, na perspectiva da construção de uma nova direção, para lutar de forma organizada e coordenada.

Diante das respostas dos governos e burgueses de que “não podem fazer outra coisa”, abre-se o espaço para propostas mais avançadas, como “abertura dos livros de contabilidade” e “controle operário da produção”. Ao mesmo tempo, as lutas nos apresentam a possibilidade (e a necessidade) de explicar pacientemente como esta realidade dos ataques (queda do poder de compra do salário pela inflação, perda de postos de trabalho e de conquistas trabalhistas, etc) é resultado do sistema capitalista e que, se não acabarmos com ele, continuarão piorando cada vez mais.

Nossa classe está começando a lutar das suas estruturas, com sua organização e seus métodos. É uma tarefa central nos vincular e intervir nesse processo para impulsionar seu avanço e seu desenvolvimento.

Notas: 

[1] https://www.clarin.com/mundo/inflacion-unidos-precio-nafta-llego-5-dolares-galon-record-jamas-alcanzado_0_f7LvLWS9Qk.html

[2] https://www.eldiario.es/economia/inflacion-dispara-eurozona-8-1-marca-nuevo-record_1_9038844.html#:~:text=Nuevo%20r%C3%A9cord.,estad%C3%ADstica%20de%20la%20Uni%C3%B3n%20Europea.

[3] https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/05/11/ipca-inflacao-fica-em-106percent-em-abril.ghtml

[4] https://datosmacro.expansion.com/ipc-paises/argentina#:~:text=La%20variaci%C3%B3n%20mensual%20del%20IPC,es%20del%2023%2C1%25

[5] https://eleconomista.com.ar/internacional/inflacion-anual-record-turquia-n52944

[6] https://mises.org/es/wire/los-salarios-reales-se-desploman-mientras-la-inflacion-golpea-la-recuperacion-de-eeuu

[7] https://www.elindependiente.com/economia/2022/05/31/los-trabajadores-perderan-de-media-1-100-euros-por-la-inflacion-en-2022/#:~:text=As%C3%AD%2C%20cuando%202022%20finalice%20los,de%20media%2C%20para%20ser%20exactos.

[8]  https://elpais.com/mexico/economia/2022-03-14/el-poder-adquisitivo-de-los-mexicanos-en-caida-libre-por-la-inflacion.html

[9] Inflação derruba poder de compra de 90% das profissões, aponta CNC | CNN Brasil

[10] https://www.infobae.com/economia/2022/04/05/cuanto-poder-adquisitivo-perdieron-los-salarios-y-las-jubilaciones-en-los-ultimos-4-anos/

[11] https://www.perfil.com/noticias/economia/el-impacto-de-la-inflacion-en-el-consumo-lo-lleva-a-caer-67-en-mayo.phtml

[12] https://www.oxfam.org.br/noticias/mais-263-milhoes-de-pessoas-podem-cair-na-extrema-pobreza-em-2022-alerta-novo-relatorio-oxfam/

[13] Pobreza: Panorama general (bancomundial.org)

[14] Gran oleada de huelgas en Estados Unidos – LIT-CI (litci.org)

[15] https://litci.org/pt/65270-2/

[16] https://es.euronews.com/2021/12/06/todo-sube-menos-nuestros-salarios-belgica-protesta-contra-la-inflacion

[17] https://www.thecommunists.net/worldwide/asia/south-korea-statement-on-mass-strike-of-cargo-workers

[18] Sindicato metalúrgico alemán anuncia nuevas huelgas | Europa al día | DW | 12.06.2022

[19] Una oleada de huelgas recorre Turquía (elperiodico.com)

[20] Huelga en el metal de Bizkaia los días 23 y 30 de junio y 1 de julio (eitb.eus)

[21] https://www.elmundo.es/economia/empresas/2022/05/25/628df44dfc6c83c3218b45c2.html

[22] https://es.euronews.com/2022/06/09/huelga-de-los-trabajadores-aeroportuarios-y-cancelaciones-de-vuelos-en-francia

[23] https://litci.org/pt/equador-as-massas-voltam-as-ruas-agora-contra-o-banqueiro-lasso/

Tradução: Lilian Enck

 

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