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Estados Unidos

Trump e Milei saem da OMS

fevereiro 24, 2025

Por: Alejandro Iturbe

Em janeiro passado, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que seu país estava se retirando da OMS (Organização Mundial da Saúde). Pouco depois, como a sombra que segue o corpo, o presidente argentino Javier Milei anunciou que a Argentina faria o mesmo. O que é a OMS e por que os dois presidentes adotaram essa definição?

A OMS foi fundada em 1948 como uma organização autônoma dentro da estrutura da ONU (Organização das Nações Unidas). Está sediada em Genebra, na Suíça, e até agora é composta por 194 países. Suas políticas sanitárias e financeiras são determinadas pela Assembleia Mundial da Saúde, que se reúne anualmente com delegações dos países membros. A Assembleia elege um Diretor-Geral e um Conselho Executivo de 34 membros “tecnicamente qualificados no campo da saúde” para um mandato de três anos[1]

Seus objetivos são: “coordenar a resposta global a emergências de saúde, promover o bem-estar, prevenir doenças e expandir o acesso aos cuidados de saúde”. Para conseguir isso, a OMS tem uma “equipe de mais de 8.000 profissionais que inclui os principais especialistas em saúde pública do mundo … médicos, epidemiologistas, cientistas e administradores”. Nesse sentido, a OMS é a principal referência mundial para a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, bem como para a autorização de medicamentos e vacinas.

Ao mesmo tempo em que desempenha esse papel no cuidado com a saúde da população mundial, a OMS sofre das mesmas limitações intransponíveis de outros órgãos da ONU que tentam combater os males profundos e estruturais que o capitalismo gera no mundo. Por exemplo, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), sobre a questão da fome.

São organismos que costumam realizar estudos muito objetivos dos dados da realidade, mas tanto suas análises gerais quanto suas propostas se localizam como parte integrante do capitalismo imperialista e do respeito absoluto à propriedade, sem nunca ultrapassar seus limites. Por isso, limitam-se a “dar conselhos” a governos e empresas, ou a elaborar planos incapazes de resolver questões como pandemias ou fome.

A OMS e a pandemia de Covid-19

Isso ficou evidente diante da recente pandemia de Covid-19 e da questão das vacinas contra essa doença. A OMS nunca exigiu dos governos, especialmente dos países imperialistas, cooperação internacional sem fins lucrativos para coordenar a pesquisa e o desenvolvimento de uma vacina eficaz. Simplesmente esperava que as grandes empresas médicas (isoladamente, em cada país) conseguissem isso. Uma vez que as vacinas contra esta doença começaram a aparecer, nunca exigiu que os governos quebrassem o direito de patente com o qual essas empresas lucraram bilhões de dólares à custa do terrível impacto desta pandemia[2].

Por outro lado, embora tenha promovido a “quarentena”, o “isolamento social” para evitar a propagação do contágio, não abriu a boca para denunciar como as empresas e os governos obrigaram toda uma faixa de trabalhadores a ter que ir para seus empregos, descrevendo-os como “essenciais”, amontoados no transporte público e, muitas vezes, sem que as empresas lhes garantissem as condições mínimas de prevenção. Isso agravou e estendeu o impacto da pandemia.

Por fim, também não denunciou a política capitalista criminosa do “novo normal”, que teve o mesmo resultado, mas em uma escala muito maior[3]. É por causa de todas essas “omissões” que podemos dizer que a OMS acabou sendo “cúmplice” de governos burgueses e das empresas pela morte de milhões de pessoas e pelo grande sofrimento que padeceram os trabalhadores e setores pobres no mundo.

A OMS “privatizada”

Além dessa limitação básica (fazer parte do sistema capitalista), há outra questão central que condiciona cada vez mais a ação da OMS: suas fontes de financiamento para cobrir seu orçamento. No início da década passada, suas despesas totais eram de 2.3 bilhões de dólares[4]. Este orçamento foi essencialmente coberto por contribuições diretas e oficiais dos Estados Unidos (cerca de 40%) e, por ordem decrescente, da Alemanha, da Comissão Europeia, do Reino Unido e do Canadá. Estabeleceu-se assim uma profunda dependência da OMS em relação aos governos das potências imperialistas.

À medida que a destruição da natureza avança, a miséria e a fome aumentam, e a saúde pública se deteriora cada vez mais, surgem novas doenças e riscos de pandemias, ou ressurgem outras que eram consideradas controladas ou extintas. Nesse contexto, a OMS requer cada vez mais orçamento.

As contribuições dos países não são mais suficientes e eles começam a receber, portanto, grandes contribuições privadas. Entre elas, dos grandes conglomerados farmacêuticos que, já em 2015, lhe deram quase 100 milhões de dólares em dinheiro e doações de medicamentos de sua produção.

Mas essas empresas “não dão ponto sem nó”. Germán Velázquez, médico espanhol, ex-diretor do Programa Global de Medicamentos da OMS, denunciou em 2016 que “o financiamento privado condiciona as decisões da OMS” que “trabalha a favor dos interesses privados porque passou por um processo de privatização”.[5]

O que Bill Gates está fazendo lá fora?

Os gastos da OMS estão crescendo de forma constante (com alto impacto na última pandemia) e, com isso, a necessidade de novos contribuintes. Se deixarmos de lado os países membros, há dois contribuintes que se destacam nitidamente: a Fundação Bill & Melinda Gates (liderada pelo magnata da informática e sua ex-esposa) e a Alliance for Vaccination (conhecida como GAVI), da qual a Fundação Gates também participa junto com empresas farmacêuticas[6]

A tabela a seguir mostra o peso que as contribuições não governamentais adquiriram no orçamento da OMS. A fundação de Bill Gates contribui quase tanto quanto a Alemanha. Se somarmos a contribuição da GAVI (na qual tem muito peso), essa contribuição supera a dos EUA.

Neste ponto, é necessário referir-se com mais profundidade a Bill Gates. Ele era um programador e engenheiro de sistemas que trabalhava para a IBM. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, ele criou um software (o sistema DOS), aplicou-o a novos hardwares (PCs) com os quais revolucionou a indústria de computadores. Fundou a empresa Microsoft, que se tornou um dos gigantes da tecnologia da informação, e se tornou um dos homens mais ricos do mundo; em 2020,  a revista Forbes  estimou uma fortuna de quase 107 bilhões de dólares[7].

Um bilionário “benfeitor”?

No século XXI, Bill Gates iniciou uma mudança no centro de suas preocupações e atividades. Em 2000, renunciou ao cargo de CEO da Microsoft, embora tenha permanecido como “arquiteto do software”. Em 2014, deixou de ser o principal acionista da empresa e colocou metade da sua fortuna nas mãos da fundação que dirige com sua ex-mulher. Finalmente, em 2020 abandonou todas as relações com a empresa e passou a dedicar todo o seu tempo à fundação[8].   

Bill Gates construiu uma imagem pública de um bilionário sensível ao sofrimento das massas no mundo, preocupado e tentando ajudar como um “benfeitor” em questões como a vacinação em massa contra várias doenças ou o baixo nível de educação pública nos Estados Unidos.

Disse que “quer deixar seu legado para a sociedade”.[9] No ano passado, foi a favor de que “os ricos paguem mais impostos”,[10] em linha com as propostas do Partido Democrata (que sempre apoiou) na última campanha eleitoral, contra as de Donald Trump. Por outro lado, sua fundação anunciou que este ano alocará “8.6 bilhões de dólares para ajudar a atender às crescentes necessidades de recursos e financiar formas inovadoras de salvar e melhorar vidas”.[11]

Essa imagem pública de um “bilionário e benfeitor sensível” contrasta fortemente com a repulsa gerada por Elon Musk, outro magnata da tecnologia. No entanto, se rasgarmos a superfície e olharmos para a realidade profunda, vemos que Bill Gates é um grande burguês que tudo o que faz é do seu interesse e em defesa do capitalismo imperialista.

Quando era dono da Microsoft, a empresa foi indiciada e enfrentou vários processos por “práticas de concorrência desleal” e monopolistas[12]. O mais importante, porém, é que não teve nenhum problema em usar a mão de obra semi-escrava da empresa Foxconn na China para fabricar seus produtos a um preço muito baixo e ganhar fortunas com sua venda no mundo (ele é o segundo cliente depois da Apple).

A própria fundação é administrada com critérios nitidamente burgueses: tem um capital de 50 bilhões de dólares que é investido com o único objetivo de maximizar o retorno do investimento e não levar em conta os objetivos da fundação. Como resultado, seus investimentos incluem empresas que foram criticadas por piorar a pobreza nos países em desenvolvimento, onde a fundação está tentando reduzi-la. Essas empresas incluem empresas que poluem fortemente o meio ambiente e empresas farmacêuticas que não vendem seus produtos em países em desenvolvimento.[13]       

A verdade sobre Bill Gates, “vacinador”

A questão das “empresas farmacêuticas” nos leva diretamente ao papel que a Fundação Gates desempenha na OMS, como o principal contribuinte não governamental. Esta fundação tem um peso decisivo no Fundo de Acesso Global às Vacinas (Covax), que ganhou um papel central durante a última pandemia de Covid-19.

Em 2021, “empresas farmacêuticas” que já haviam desenvolvido vacinas eficazes começaram a vendê-las “a preço de ouro” pela cobrança de direitos de patente, um critério capitalista internacionalmente aceito. Só as potências econômicas do mundo podiam comprá-las e monopolizá-las, e os países mais pobres não podiam fazê-lo ou só podiam comprá-las em quantidades insuficientes.

Índia, África do Sul, Argentina e Brasil tinham capacidade para fabricar as vacinas. A Índia era realmente o maior produtor mundial de vacinas, mas ainda tinha que pagar a taxa de patente e não tinha fundos para comprar as vacinas que eles mesmos fabricavam para proteger sua população.

Nesse contexto, os governos da Índia e da África do Sul apresentaram um pedido à Organização Mundial do Comércio para “uma isenção de direitos de propriedade intelectual [patentes]” para vacinas e medicamentos usados contra a Covid-19 até o fim da pandemia. O pedido afirmava: “Uma pandemia global não é o momento de continuar fazendo negócios como de costume. Não há lugar para patentes ou  lucro empresaria  enquanto o mundo enfrentar a ameaça do COVID-19.”[14]

Esse pedido teve um impacto na OMS, especialmente na Covax, que estava tentando organizar uma campanha global de vacinação. Alguns setores da OMS apresentaram uma  proposta “um pouco mais branda”  (uma suspensão temporária e emergencial). Na Covax, Bill Gates defendeu patentes a todo custo e a impediu de apoiar qualquer tipo de suspensão, como denunciou a professora Linsey McGoey (professora de sociologia da Universidade de Essex-Reino Unido) em seu livro sobre Bill Gates e a saúde pública global intitulado No Such Thing as a Free Gift: The Gates Foundation and the Price of Philanthropy. (“Não existem presentes grátis: a Fundação Gates e o preço da filantropia”).[15] A Covax disse apenas que “espera poder começar a alocar vacinas para países de baixa e média renda no primeiro trimestre de 2021”.

Por trás de sua máscara hipócrita, Bill Gates não se importava com o fato de milhões de pessoas ainda estarem morrendo de Covid-19 nos países mais pobres. O essencial para ele era defender a propriedade privada e os lucros das “empresas farmacêuticas” nas quais tem pesados investimentos e com as quais está associado. De forma covarde, a OMS o acompanhou em silêncio.

Na época, a LIT-QI levantou a consigna da quebra imediata de patentes e se propôs a realizar uma grande campanha de mobilizações por ela, exigindo que os governos dos países que poderiam produzir vacinas o fizessem sem ter que pagar nada pelo uso da fórmula[16].

A raiva de Trump com a OMS

No entanto, a decisão de Trump de retirar os EUA da OMS nada tem a ver com a profunda limitação das ações dessa organização na luta contra a pandemia de Covid-19 ou com o papel de Bill Gates na questão das patentes de vacinas. Pelo contrário.

A OMS caracterizou oficialmente a existência da pandemia em 1º de março de 2020.  Apresentou dados sobre a alarmante taxa de contágio e propagação, bem como a gravidade das consequências da doença.

Nesse contexto, expressou sua “profunda preocupação com os níveis alarmantes de inação” dos governos de todo o mundo[17]. Nesse contexto, enquanto vacinas eficazes e uma campanha de vacinação em massa foram desenvolvidas, recomendou tratamentos para pessoas infectadas e uma série de medidas para atenuar a taxa de propagação. Isso incluía quarentena e isolamento não apenas de pessoas infectadas, mas, preventivamente, daqueles que tiveram contato com elas e das áreas onde ocorreu um caso. Também recomendou a restrição de movimento e a concentração de pessoas nos casos em que fosse essencial, bem como uma distância entre elas, se necessário.

Muitos governos começaram a adotar essas medidas como obrigatórias. Mas elas afetaram fortemente a produção e o comércio capitalistas e, com isso, os lucros da burguesia, então alguns meses depois passaram para a política hipócrita do “novo normal”.

Em sua primeira presidência, Trump foi um dos líderes que negou a existência da pandemia, que descreveu como “uma gripe grave”, e por vários meses não tomou nenhuma providência. Em particular, para defender os negócios das empresas, se recusou a aplicar restrições à circulação e concentração de pessoas. Isso fez com que os Estados Unidos (um dos países com os maiores recursos médicos e farmacêuticos do mundo) assumissem, por muitos meses, o trágico ranking do número de pessoas infectadas publicado diariamente pela OMS e reproduzido pela mídia em todo o mundo.    

Irritado com a forma como as estatísticas da OMS expuseram as consequências de sua política criminosa, já nos primeiros meses da pandemia, Trump decidiu “suspender o financiamento à OMS”. E tentou revidar acusando a OMS de “má gestão e encobrimento da disseminação do coronavírus”.[18] 

Posteriormente, Trump mudou sua política em relação à pandemia: começou a aplicar algumas das medidas propostas pela OMS e passou a comprar todas as vacinas contra a Covid-19 que já eram produzidas por empresas norte-americanas, como a Pfizer[19]. Mas não conseguiu mudar a imagem “negacionista” ou as consequências de sua política criminosa que a OMS expôs com suas estatísticas.

Esse foi possivelmente um dos fatores mais importantes que levaram à sua derrota para Joe Biden em sua candidatura à reeleição no final de 2020. Agora que recuperou a presidência, Trump está “se vingando” da OMS, que certamente considera responsável por sua derrota em 2020.

Um plano de ajuste

As razões de Trump para se retirar da OMS, no entanto, são muito mais profundas. A economia do dinheiro que os EUA dava para essa organização até agora faz parte de um forte plano para ajustar o orçamento federal deste país e a redução drástica de gastos que Trump encarregou a seu amigo, o empresário Elon Musk.

Esse ajuste é essencial do ponto de vista burguês diante da diminuição da entradas que a redução dos impostos às empresas, já anunciada por Trump, representará. Musk, que elogia permanentemente o ajuste brutal feito pelo governo argentino de Javier Milei, já alertou que a base mínima desse ajuste será reduzir os gastos em 26%.[20]

Por isso, a saída da OMS é acompanhada pelo congelamento de fundos e pelo possível fechamento da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), por meio da qual os EUA entregaram fundos a vários países ao redor do mundo. De acordo com dados oficiais, em 2023 a USAID distribuiu um total de US$ 42 bilhões principalmente na área de desenvolvimento econômico e assistência humanitária”.[21] Elon Musk chamou publicamente a USAID de “maldosa” e “organização criminosa”, enquanto Trump disse: “Não quero que meus impostos sejam destinados para esse lixo”.

Porém o ajuste não se limita a esses gastos externos, mas afetará muito os gastos sociais que são feitos por meio de subsídios e empréstimos de diferentes tipos a entidades e instituições. Um dos mais atingidos será o setor da saúde pública. Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), a Agência Federal de Pesquisa Médica e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) podem ficar paralisados, como denunciou em seu editorial a revista médica especializada The Lancet[22].

Um dos mais afetados será o  programa Medicaid. Para entender a importância desse programa, devemos lembrar que os Estados Unidos têm um dos sistemas de saúde mais caros e discriminatórios do mundo: é quase totalmente privado e leva ao extremo o critério da medicina como negócio.

Uma consulta inicial com um clínico geral começa com um mínimo de 100 dólares e de 300 com um especialista; um raio-X custa 500 dólares; a cirurgia ou o parto custam vários milhares. O mesmo acontece com hospitalizações ou tratamentos prolongados. Tudo isso sem falar no preço dos medicamentos. Por exemplo, há famílias que tiveram que vender sua casa para pagar por esses tratamentos caros.

Um setor da população cobre a totalidade ou parte desses custos por meio do seguro de saúde fornecido pelas empresas em que trabalha, e outro setor os contrata diretamente com empresas privadas. Enquanto isso, uma parte importante (os setores sociais mais baixos) está totalmente desprotegida, sem nenhuma cobertura ou apenas as das “clínicas comunitárias” nos bairros mais pobres.

Na tentativa de mitigar essa situação, em 1965 um governo democrata aprovou a lei que criou o Medicare (administrado pelo Estado Federal) e o Medicaid (administrado por cada um dos Estados com apoio financeiro do governo federal). Em 2010, o governo Obama fortaleceu ambos os programas por meio do Affordable Care Act (ACA), chamado Obamacare.

Em 2024, o Medicaid teve gastos totais de quase 840 bilhões de dólares[23]. O Medicaid cobre cuidados médicos, tratamento e hospitalizações para pessoas com 65 anos ou mais e crianças sem cobertura de saúde, pessoas com deficiência e famílias com renda muito baixa. Em suma, para aumentar os lucros dos empresários americanos, Trump e Musk aplicam o ajuste sobre a saúde e à fome dos mais pobres nos EUA e também do mundo.

Milei imita Trump

Pouco depois, Javier Milei anunciou que seu governo também retiraria a Argentina da OMS. Importantes meios de comunicação internacionais comentaram ironicamente que “Milei imitou seu ídolo”.[24]

Os motivos utilizados foram muito semelhantes aos de Trump: Milei tem uma posição muito crítica em relação a Tedros Adhanom [diretor-geral da OMS desde 2017] e suas ações para enfrentar a pandemia de Covid-19, devido às consequências das medidas aplicadas em todo o mundo […] e no impacto negativo na economia dos países…”.[25] Ele se refere às propostas de quarentena e restrição de movimento que foram aplicadas pelo governo peronista de Alberto Fernández no país.

Sobre esta questão, Milei age com grande hipocrisia. Durante todo o primeiro período da pandemia (quando ainda era uma figura que acabara de aparecer na política argentina), não defendeu uma posição negacionista. Pelo contrário, ele publicou um vídeo apoiando a aplicação obrigatória de quarentena aos infectados ou com possibilidade de serem infectados, mesmo com o uso da força pública. Pouco depois, divulgou uma foto em que recebeu a vacina Covid[26]. Agora que assumiu o papel de “imitador” de Trump, quer “reescrever” essa parte de sua história.

No entanto, o contexto desse afastamento da OMS é muito mais profundo. O governo de Milei vem aplicando um plano feroz para ajustar os gastos do Estado, reduzindo-os, fechando departamentos e empresas públicas ou privatizando-os. Um dos setores mais afetados é o de instituições que cumprem funções sociais, como a saúde pública. Assim, atacou e ameaça fechar todas as instituições que dependem do Ministério da Saúde da Nação, como o Hospital Nacional de Pediatria “Prof. Dr. Juan P. Garrahan”, o Hospital Nacional de Saúde Mental “Lic. Laura Bonaparte” e o Hospital Nacional Posadas.

Outro ataque brutal é o fato de que o PAMI (uma obra social estatal que cuida da saúde de aposentados e pensionistas) parou de entregar medicamentos gratuitos para grande parte de seus quase cinco milhões de membros, muitos dos quais não podem mais comprá-los. Por isso, a retirada da Argentina da OMS “faz parte de uma política cujo objetivo final é que o Estado abandone as responsabilidades que ainda tem em matéria de saúde”, como denunciou o sociólogo argentino Gabriel Puricelli[27].

Embora, como vimos, nessa questão do ajuste e do ataque à saúde pública, é o governo de Milei que mostra o caminho, e o de Trump, por meio de Elon Musk (grande admirador de Milei), que tenta imitá-lo.

Algumas conclusões

Os governos de Milei e Trump decidiram realizar de forma brutal e rápida um ataque frontal à saúde pública e seu financiamento pelo Estado burguês. Fazem isso por dois motivos. Por um lado, aumentar os lucros dos empresários reduzindo os impostos. Por outro, ir até o fim com um processo que vem acontecendo há décadas: a transformação da saúde pública em um grande negócio privado de centros médicos e prestadores de serviços de saúde, grandes laboratórios, fabricantes de tecnologia para fins medicinais e intermediários como seguradoras de saúde.

A maioria dos governos segue essa mesma política, mas o faz mais lentamente e tenta disfarçar seus objetivos e seus resultados na deterioração da assistência médica para os trabalhadores e as massas. Por exemplo, o que acontece em vários países da Europa Central que tinham sistemas de saúde pública muito fortes, como França e Grã-Bretanha[28]. A OMS aparece como defensora da saúde pública, mas, em última análise, faz parte dessa operação de “câmera lenta” e dissimulação, pois, como vimos, sempre acaba defendendo os interesses da “burguesia sanitária” e seus lucros.

Os trabalhadores e as massas devem lutar contra esses planos de Milei e Trump que levam à destruição total da saúde pública. Na Argentina, começaram a fazê-lo. Por exemplo, na defesa dos Hospitais Bonaparte, Garrahan e Posadas[29]. É necessário coordenar essas lutas, cercá-las de solidariedade e unificá-las com as outras lutas que os trabalhadores estão travando contra outras consequências do ataque do governo Milei, como as demissões no setor privado. Uma necessidade semelhante surge nos EUA contra os ataques do governo Trump.

Mas devemos estar cientes de que a questão da saúde pública é muito mais profunda. O capitalismo está aumentando o número de doenças e a deterioração da saúde dos trabalhadores, com a destruição da natureza, o aumento da pobreza e da fome e o crescente endurecimento das condições de trabalho. Ao mesmo tempo, está reduzindo cada vez mais os cuidados de saúde pública estaduais ou quer eliminá-los completamente. A última pandemia foi um exemplo das dificuldades e sofrimentos dos trabalhadores neste contexto.

Diante da pandemia, apresentamos nesta página uma série de propostas para alcançar a saúde pública gratuita e universal para os trabalhadores[30]. Essas propostas são válidas ainda hoje. Algumas das principais medidas são a quebra dos direitos de patente dos conglomerados farmacêuticos e fabricantes de tecnologia médica, que o Estado exproprie todas essas empresas privadas e que seja aplicado um plano de saúde gratuito e universal, centralizado e garantido pelo Estado.

Nenhum governo da burguesia (seja qual for a cor) está disposto a realizar essas medidas, nem mesmo nas condições emergenciais da pandemia. Para que este plano seja implementado, é necessário que os trabalhadores e as massas realizem uma revolução e instalem seu próprio governo. As experiências ocorridas no passado nos antigos Estados operários, como a União Soviética e Cuba, e o impressionante desenvolvimento que tiveram em sua saúde pública gratuita e universal mostram que isso é possível[31].

Será muito mais se essa revolução se espalhar para o mundo, especialmente para os países mais desenvolvidos. Isso tornará possível desenvolver e implementar um plano global de saúde pública. Algo como uma OMS a serviço das necessidades dos trabalhadores e dos povos.


[1] https://www.who.int/es/about/who-we-are

[2] Veja https://litci.org/es/la-carrera-por-la-vacuna-contra-el-covid-19/?utm_source=copylink&utm_medium=browser e

https://litci.org/es/la-carrera-por-la-vacuna-contra-el-covid-19-ii/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[3] https://litci.org/es/la-verdadera-cara-de-la-nueva-normalidad/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[4] https://es.statista.com/estadisticas/601168/gastos-totales-de-la-organizacion-mundial-de-la-salud-1995/

[5] https://www.saludyfarmacos.org/lang/es/2016/09/15/alertan-sobre-el-aumento-de-las-donaciones-de-la-industria-farmaceutica-a-la-oms/

[6] O que é a GAVI, a Aliança para a Vacinação? – A Ordem Mundial – EOM

[7] https://www.forbes.com/profile/bill-gates/?list=rtb 

[8] Qual é a verdadeira razão pela qual Bill Gates deixou a Microsoft – GENTE Online

[9] https://www.genbeta.com/actualidad/multimillonarios-como-bill-gates-tienen-claro-que-haran-su-herencia-no-dejarsela-a-sus-hijos   

[10] https://www.ansalatina.com/americalatina/noticia/mundo/2024/11/11/bill-gates-insiste-en-mas-impuestos-a-los-ricos_c2ec78e0-5a9a-4729-bf8b-0d32e54227f0.html#:~:text=Ya%20en%202019%2C%20Gates%20hab%C3%ADa,de%20lo%20que%20pagan%20actualmente%22.

[11] https://www.gatesfoundation.org/es-es/ideas/articles/2024-gates-foundation-annual-letter

[12] https://www.diariojudicial.com/news-1748-el-fallo-en-el-juicio-us-v-microsoft-y-ahora-que

[13] https://www.swissinfo.ch/spa/politica/tiene-bill-gates-demasiada-influencia-en-la-oms/46588758

[14] https://www.msf.es/noticia/india-y-sudafrica-piden-que-no-haya-patentes-medicamentos-ni-herramientas-covid-19-durante

[15] Citado no artigo de referência 13.

[16] https://litci.org/es/paremos-el-genocidio-ruptura-inmediata-de-las-patentes-de-las-vacunas/?utm_source=copylink&utm_medium=browser 

[17] https://www.paho.org/es/noticias/11-3-2020-oms-caracteriza-covid-19-como-pandemia

[18] https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-52289020

[19] https://elpais.com/internacional/elecciones-usa/2020-12-08/trump-firma-una-orden-ejecutiva-para-dar-prioridad-a-los-estadounidenses-en-la-vacunacion.html

[20] https://www.cronista.com/usa/economia-y-finanzas/el-primer-despedido-elon-musk-reconocio-su-derrota-y-admitio-no-podra-cumplir-lo-que-le-prometio-donald-trump-fui-demasiado-optimista/

[21] https://cnnespanol.cnn.com/2025/02/04/latinoamerica/usaid-paises-america-latina-orix

[22] https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(25)00237-5/fulltext?dgcid=tlcom_carousel1_eds25_lancet

[23] https://es.statista.com/estadisticas/598544/prevision-gasto-total-medicaid-en-estados-unidos/

[24] https://www.dw.com/es/argentina-dejar%C3%A1-la-oms-milei-est%C3%A1-haciendo-m%C3%ADmica-de-trump/a-71533432

[25] https://www.infobae.com/politica/2025/02/06/javier-milei-prepara-una-denuncia-contra-el-jefe-de-la-oms-por-delitos-de-lesa-humanidad-cometidos-durante-la-pandemia/

[26] Um vídeo de Milei em que ele apoiou o isolamento devido ao Covid-19 se tornou viral – LA NACION

[27] Veja a referência 24.

[28] https://litci.org/es/la-lucha-por-la-salud-en-francia/?utm_source=copylink&utm_medium=browser e

https://litci.org/es/el-ano-que-se-vivio-peligrosamente/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[29] https://www.youtube.com/watch?v=2IBOP6LNy8k&t=8s

[30] https://litci.org/es/a-un-ano-de-la-pandemia-mas-que-nunca-sanidad-100-publica-2/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[31] https://litci.org/es/por-que-cuba-logra-frenar-la-expansion-del-coronavirus/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

Tradução: Lílian Enck

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