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quinta-feira, setembro 19, 2024

As políticas sociais compensatórias e os governos de esquerda da América Latina

Apresentado como instrumentos de combate à miséria, as políticas sociais compensatórias são responsáveis por boa parte da popularidade dos governos supostamente de “esquerda” da América Latina. Com eles, os programas sociais compensatórios ganharam importância e se ampliaram, servindo para reforçar a suposta imagem de “combate à miséria” destes presidentes. No Brasil, o Bolsa Família, tornou-se a principal vitrine do governo Lula. Na Bolívia, o governo Evo Morales implementou o bônus escolar Juanito Pinto e o bônus Renta Dignidade para idosos. Na Venezuela, Hugo Chávez mantém as chamadas Misiones Sociales. Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, criou o Hambre Cero.
 
No entanto, os programas compensatórios não são uma exclusividade dos governos supostamente de “esquerda”. Os de direita também aplicam essas medidas, como Alan Garcia, presidente do Peru, ou o governo do Paquistão. Até mesmo a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, tem um programa destes, o Opportunity NYC.
 
Essas medidas compensatórias também se transformaram num formidável instrumento eleitoral para os governos. No Brasil, é através da dependência criada entre um setor da sociedade ao pagamento do Bolsa Família, que o governo consegue obter uma importante base eleitoral. Assim, programas sociais compensatórios tornaram-se um instrumento de controle político da miséria.
 
Velha recomendação
 
Os programas sociais compensatórios atendem a uma recomendação antiga de uma das principais instituições do capital financeiro internacional, o Banco Mundial. Sob o avanço das políticas neoliberais nos anos 1990 (privatização, desregulamentação financeira e trabalhista, diminuição das verbas destinadas para as áreas sociais, como a saúde e educação, pagamento de juros das dívidas interna e externa), a instituição passou a defender a criação de mecanismos que “compensassem” o desemprego e a miséria produzida pela devastadora globalização capitalista.  Desta forma, o Estado diminuiria seus gastos em aposentadorias, educação e saúde pública, para subsidiar um programa que oferecesse uma garantia preventiva diante de uma provável revolta de famintos e desempregados.
 
Um dos documentos do Banco Mundial recomenda que “os países tornem mais eqüitativos seus programas de gastos públicos, dirigindo-os às pessoas que realmente precisam deles, em vez de gastar os recursos subsidiando programas para os mais abastados, como no consumo de energia, aposentadorias, pensões e universidades públicas”. Ou seja, para o Banco Mundial programas sociais compensatórios representam gastos bem menores do que enviar dinheiro para programas como investimento em escolas, hospitais e outros serviços públicos que ajudariam de forma mais eficiente a vencer a pobreza. O objetivo é economizar para pagar os juros da dívida externa.
 
Hoje, o Banco Mundial assim como o Fundo Monetário Internacional (FMI) não cansam de elogiar as medidas sociais compensatórias, como o Bolsa Família do governo Lula. Recentemente, um diretor do FMI disse que o Bolsa Família é um exemplo de um programa social “bastante eficiente” que beneficia famílias a um “custo baixo”.  
 
Fica fácil entender o entusiasmo do fundo quando comparamos a verba distribuída pelo governo ao Bolsa Família, com os resultados de sua política econômica. Em seu primeiro mandato, o governo petista fez aumentar em quase 400% os lucros dos empresários. Só no ano passado, durante o auge da crise econômica, as empresas chegaram dobrar seu lucro liquido para R$ 34 bilhões (Valor Econômico 10/03). Para salvar os empresários da crise, o governo deu a eles R$ 370 bilhões.
 
Reformismo sem reformas
 
A adoção de políticas sociais compensatórias sequer pode ser comparada a um programa de reformas do capitalismo, defendido outrora pela esquerda reformista. Como bem indica o Banco Mundial, esse tipo de política se insere em um conjunto de ataques aos direitos dos trabalhadores. Se no passado, as lutas da classe trabalhadora conseguiram arrancar tais conquistas, como direitos trabalhistas, Previdência Social, serviços públicos e gratuitos, hoje o capital investe toda sua força contra cada uma delas. Essa situação mostra claramente que cada uma das conquistas ou reformas obtidas pelo movimento operário (por mais heróica que tenha sido) não poderá ser mantida por muito tempo enquanto o capitalismo estiver de pé.
 
Em um contexto de crise econômica, o capitalismo vai atacar ainda mais as reformas conquistadas no passado pelos trabalhadores. Para isso, vai se utilizar da esquerda reformista, que desertou do campo da defesa das reformas para defender políticas neoliberais assistencialistas.
 
Ao invés de defenderem medidas efetivas que promoveriam a criação de emprego (como reforma agrária, diminuição da jornada de trabalho, nacionalizações etc.), os governos da esquerda reformista passaram a gerir os planos econômicos neoliberais para “compensar” a miséria produzida pela manutenção do neoliberalismo.
 
Emprego no lugar de assistencialismo
 
Programas sociais compensatórios não diminuíram a miséria dos países latino-americanos, e são absolutamente ineficazes para combater as raízes da miséria. Os governos ditos de “esquerda” que hoje aplicam medidas compensatórias deixam de enfrentar os verdadeiros problemas estruturais da miséria. Não fazem a reforma agrária e nem rompem com uma política econômica que beneficia os empresários e condena milhões ao desemprego.
 
Ao não mudar a política econômica, os governos mantêm os baixos salários dos trabalhadores e o desemprego. No entanto, isso começa por aquilo que os governos de “esquerda” não fizeram: com uma mudança profunda da política econômica através da ruptura com o imperialismo, como o fim do pagamento das dívidas externas, nacionalização dos recursos naturais e expropriação das grandes multinacionais. Essa ruptura permitiria utilizar o dinheiro dado aos capitalistas para enfrentar os problemas sociais urgentes.
 
Em nenhum país do continente onde exista algum tipo de programa compensatório houve uma diminuição considerável do desemprego. Mas é possível utilizar os avanços da tecnologia para diminuir a jornada de trabalho e erradicar o desemprego. Apenas a redução da carga de trabalho semanal absorveria milhões de trabalhadores que hoje estão desempregados.
 
Ao invés de “compensar” a miséria produzida pela manutenção do neoliberalismo, é preciso romper com o imperialismo para acabar com a fome e a miséria.

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