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terça-feira, março 19, 2024

Repressão a uma marcha LGBT em Cuba: ditadura e homofobia no regime castrista

Há dez dias, uma marcha não autorizada exigindo direitos LGBTI em Cuba foi reprimida com agressões físicas e prisões. A manifestação, convocada por ativistas do movimento LGBTI no país e apoiada por diferentes setores, surgiu devido ao cancelamento de um evento oficial anual: a Conga pela diversidade. Desde 2007, o Cenesex (Centro Nacional de Educação Sexual) – coordenado por Mariela Castro filha de Raul Castro – promove o evento.

Por: Helena Náhuatl

Nesse ano, ela foi cancelada em declaração oficial, primeiro por “certas circunstâncias que não ajudam sua ocorrência bem sucedida”, em seguida, a declaração falou de “tensões no contexto internacional e regional”, para depois ser alterada e atribuída a um suposta intenção “contra-revolucionária” de usar a Conga para fins desestabilizadores.

Em contraste, o movimento LGBTI decidiu garantir de forma independente sua manifestação – em meio a uma rejeição pela nova constituição em reconhecimento do casamento igualitário –  bandeira dos ativistas LGBTI da ilha. Foi a primeira marcha LGBTI não autorizada, impulsionada pelo acesso à Internet que existe amplamente no país há alguns meses.

A marcha, da qual participaram cerca de 300 pessoas, incluindo artistas e intelectuais, foi quase inteiramente pacífica. Quando estava perto de terminar, deixando o Paseo del Prado para o Malecón, foram interceptados pela polícia.

A presença de ativistas e o próprio fato de sua disseminação na internet fizeram com que a repressão fosse amplamente divulgada na mídia. Sob muitas críticas ao governo, Mariela Castro[1] disse em sua conta no Facebook: “As vozes livres estão enfrentando o servilismo do ativismo mercenário e imprensa “independente”. (…) Aos inimigos da liberdade e a massa de pessoas ignorantes e esnobes que os acompanham, o trabalho da CENESEX lhes tira o sono”.

Vozes dissonantes

Haydée Milanés, cantora e filha do renomado Pablo Milanés, rejeitou o que o governo fez e desafiou aqueles que questionaram os motivos reais da Marcha “Se esta marcha foi paga por alguém, ou tinha algum propósito que não foi defender um espaço comunitário LGTB de inclusão, amor, respeito; apresentem as provas e mostrem-nas agora !! ”

Silvio Rodriguez, defensor histórico do regime, disse: “também quero uma Cuba com mais direitos políticos”. Numerosos artistas e intelectuais também criticaram a repressão, incluindo nomes politicamente próximos ao regime.

A Marcha LGBTI desvendou um assunto muitas vezes esquecido ou posto de lado quando falamos em Cuba: a ditadura que começou depois da revolução e continua até hoje a manter uma burocracia de privilégios e repressão. No meio de uma população que enfrenta o racionamento de produtos básicos, alta taxa de desemprego e turismo sexual, não há espaço para vozes dissonantes.

Na verdade, embora se diga o contrário, o governo cubano nos últimos anos teve como estratégia a abertura e a restauração do capitalismo[2], avançando na perda das conquistas fundamentais da revolução que na época fez essa pequena ilha superar em desenvolvimento os grandes países da América Latina, como Argentina, Brasil e México: pleno emprego, saúde e educação universal, monopólio do comércio exterior e planejamento da economia. Nesse sentido, Cuba é o mais próximo que vimos de um ESTADO OPERÁRIO em nosso continente, com incríveis conquistas revolucionárias para qualquer país capitalista da época. Mas é também a prova de que a existência do socialismo num único país sob um regime ditatorial é impossível[3].

O regime de Castro e os direitos LGBTI

Não é por acaso que uma repercussão desse tamanho seja dada a partir da negação dos direitos LGBTI, gerando até críticas dos próprios apoiadores do governo. A dívida que o regime cubano tem com pessoas LGBTI é um episódio à parte na revolução cubana, mas também hoje, com a ausência de políticas de reparação eficazes contra a homofobia e a repressão à livre organização dessa comunidade.

Ao contrário do que aconteceu na Revolução Russa, onde “Todas as leis contra a homossexualidade foram revogadas pelo novo governo revolucionário e o sexo consensual foi definido como um assunto privado”. Em 1919, eles começaram a realizar cirurgias de mudança de sexo em hospitais”[4], em Cuba desde o início lésbicas, gays, bissexuais e transexuais foram reprimidos.

Fidel Castro disse: “Nós nunca acreditamos que um homossexual pudesse incorporar as condições e requisitos de conduta que nos permitem considerá-lo um verdadeiro revolucionário Um desvio dessa natureza se choca com o conceito que temos do que deveria ser um comunista.”. Naquela época, os homossexuais foram enviados a campos de trabalho forçado, as UMAP (Unidades Militares de ajuda à produção), que tinha como vergonhosa máxima “Obra vai fazer você homens” e presos cerca de 30 mil pessoas nos anos sessenta[5].

É importante contextualizar que, àquela época, com o domínio stalinista na Rússia, as leis mais progressistas do mundo já haviam mudado. O código penal de 1934 ele voltou para criminalizar a homossexualidade e, posteriormente, ser uma pessoa LGBT na URSS não só se tornou um crime, mas foi considerado um “desvio pequeno-burguês”, fato repetido pelo castrismo, com total alinhamento ideológico ao regime soviético. Foi também sob o conceito amplo e difuso de “conduta imprópria” que centenas de pessoas LGBTI na ilha foram levadas para os campos de serviço forçado.

Só muito mais tarde Fidel Castro[6] reconheceria o fato ao declarar em um jornal mexicano: “Se alguém é responsável pela perseguição de homossexuais na década de sessenta, sou eu”. Nesse contexto, surge o CENESEX, um órgão estatal que procura mudar a imagem do regime e seu traço fortemente homofóbico. Mas com a exclusão do casamento LGBTI da nova constituição e o cancelamento simbólico desta marcha, a fachada inclusiva e diversificada liderada pelo governo da ilha cai por terra.

Continuamos a reivindicar a revolução cubana e sua demonstração ao mundo e particularmente à América Latina, que nos países semicoloniais é possível realizar mudanças tremendas de natureza socialista. Mas reconhecer as contradições dessa revolução serve como exemplo para explicitar também o que não queremos: um regime controlado por uma ditadura e ideologias opressivas que nada têm a ver com uma visão comunista da sociedade.

A verdade é que o regime de Castro, há 60 anos na ilha, impediu o acompanhamento dos avanços revolucionários obtidos nos primeiros anos, seja em termos econômicos e sociais, seja nos direitos civis e na emancipação humana, sem os quais não há sociedade que possa ser chamada de socialista. Portanto, nem mesmo uma questão jurídica foi uma conquista na nova constituição (casamento como “ato entre duas pessoas”).

Para mudar a situação das pessoas LGBTI em Cuba, bem como de todos aqueles que querem se expressar livremente na ilha, é necessária uma profunda mudança. Hoje, com a restauração capitalista, essa mudança tem que ser econômica, por um lado, porque Cuba está voltando a ser uma colônia do imperialismo. Por outro lado, como em todas as opressões, somente o desenvolvimento de uma nova sociedade pode semear as bases que eliminariam completamente a homofobia, a transfobia e o machismo na ilha (assim como outras opressões).

Sabemos que para os Estados Unidos, com seus investimentos comerciais e a visita simbólica de Obama à ilha[7], todos os esforços e embargos econômicos são tentativas de recolonização. Mas ao contrário do que os Castro propõem, isto é, a abertura da ilha à exploração econômica internacional e o monitoramento da ditadura como regime governamental, acreditamos em uma defesa completamente diferente de Cuba[8].

Como dissemos em outro artigo, “os trabalhadores e os povos latino-americanos devem rejeitar a presença do imperialismo em Cuba, a restauração capitalista liderada pelos irmãos Castro e a posição da esquerda latino-americana que celebra esses acordos contrarrevolucionários”[9].

Defender Cuba hoje, os direitos LGBTI na ilha e as conquistas da revolução que ainda não foram perdidas, é uma tarefa conjunta. O heroico povo cubano tem a capacidade de enfrentar recolonização e reverter, a exemplo do muito que já fez em defesa da revolução de 1969. Por isso é altamente necessário que as pessoas que os trabalhadores de Cuba, exerçam seu direito de discutir e decidir democraticamente os destinos do país, inclusive quem os governa.

Que as vozes dissonantes continuem a aparecer no país, à luz do que muitos artistas e intelectuais fizeram, que a classe trabalhadora pode organizar-se de forma independente e impedir que empresas estrangeiras, europeias e ianques cresçam no país. Que o futuro cubano, caribenhos e de todos os latinos que um dia foram submetidos à opressão e exploração sejam de liberdade, respeito e direitos irrestritos às nossas diferenças humanas, sob igualdades sociais.

Que a revolução que alimentou os sonhos de milhões de pessoas no mundo seja mais uma vez um horizonte em Cuba!

[1] https://www.facebook.com/notes/cenesex/ajuste-al-programa-de-las-jornadas-cubanas-contra-la-homofobia-y-la-transfobia-e/2318336911563706/

[2] https://litci.org/pt/teoria/a-cuba-de-fidel-da-revolucao-a-restauracao/

[3] https://litci.org/es/menu/lit-ci-y-partidos/partidos/pst-colombia/el-imperialismo-en-la-cuba-capitalista/

[4] https://litci.org/pt/opressao/lgbt/49-anos-de-stonewall-ta-na-hora-de-construir-uma-nova-rebeliao/

[5] https://www.infobae.com/america/cultura-america/2016/12/04/el-impactante-documental-sobre-los-campos-de-concentracion-de-homosexuales-en-cuba/

[6] https://www.jornada.com.mx/2010/08/31/mundo/026e1mun

[7] https://litci.org/pt/mundo/america-latina/cuba/sobre-a-visita-de-obama-a-cuba/

[8] https://litci.org/es/menu/especial/stalinismo-y-restauracion/que-se-discute-tras-la-sucesion-de-fidel-2006/

[9] Idem nota 3.

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