qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

Um longo combate por uma saída operária para a revolução

A revolução boliviana, que se manifestou uma e outra vez ao longo da segunda metade do século XX e início do XXI, ocupou desde sempre um lugar de destaquena elaboração política e teórico-programática de nossa corrente. Elaboração que se fez ao ritmo da revolução e em meio a intensas polêmicas com outras correntes do trotskismo.


 
Durante mais de 50 anos, o movimento de massas boliviano, com a classe operária à frente, conseguiu desestabilizar e destruir regimes, dividir a burguesia, derrotar as forças armadas, impor a reforma agrária e nacionalizar a mineração. Mas a burguesia sempre, de uma forma ou de outra, conseguiu se recuperar. A classe operária, com seu setor de vanguarda – os trabalhadores mineiros -, fez tudo o que podia, mas, em todas as vezes, o que falhou foi a direção.
 
O primeiro e mais glorioso desses capítulos revolucionários foi o de 1952. Os operários derrotaram o exército, formaram sua própria milícia e criaram seu próprio organismo de poder: a COB – Central Operária Boliviana. Se esta grande revolução operária tivesse triunfado, teria mudado a história da América Latina, do trotskismo e da IV Internacional, porque o POR (Partido Operário Revolucionário) boliviano foi codireção (ainda que em minoria) desse processo.
 
No entanto, a partir da IV, dirigida por Pablo e Mandel1, impulsionou-se uma política que significou uma verdadeira traição à revolução boliviana. Segundo Nahuel Moreno, essa foi a consequência mais trágica da política de capitulação às direções traidoras assumida pelo pablismo. Mas essa política não foi unânime, foi muito polêmica dentro da Internacional. Essa polêmica tinha um ponto central: lutar pelo poder da COB, como defendia Nahuel Moreno, ou dar o apoio crítico ao governo burguês do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), como fez o POR dirigido por Guillermo Lora, seguindo a orientação de Pablo e Mandel.
 
Em 1971, ocorre outra irrupção revolucionária e a história volta a se repetir: as direções voltam a fazer o mesmo jogo de Lechín2 que se opõe a que a COB tome o poder. Desta vez, nossa corrente polemiza com dois setores: por um lado, com Guillermo Lora e sua política de Frente Revolucionária Anti-imperialista, de aliança com o stalinismo e os “generais patriotas”; por outro lado, com a orientação aventureira, guerrilherista, impulsionada por Mandel e Livio Maitan a partir do Secretariado Unificado da IV Internacional (SU). Por culpa de suas direções, a classe operária não pôde definir a situação, que finalmente se resolveu com o golpe contrarrevolucionário de Banzer3.
 
A insurreição mineira de março de 1985, que enfrentou o governo de Frente Popular encabeçado por Siles Suazo, voltou a colocar o problema do poder. Lechín e o Partido Comunista recorreram a todo tipo de argumentos e manobras até conseguirem desmontar a insurreição. Contudo, não foram só eles que tivemos de enfrentar. A partir da LIT-QI e de nosso jovem partido boliviano (o PST), desenvolvemos um intenso debate com os trotskistas do SU que participavam da direção da COB, com o POR (Lora) da Bolívia e com o Partido Operárioda Argentina. Com diferentes argumentos, todos eles coincidiam em um ponto: a COB não podia tomar o poder.
 
{module Propaganda 30 anos – MULHER}Desta vez, a revolução foi resolvida “pacificamente” pela burguesia, adiantando o chamado às eleições nas quais as variantes de direita se impuseram. A classe operária boliviana, previamente derrotada por suas direções que se negaram a tomar o poder, sofreu a derrota dos planos neoliberais, impostos pelo mesmo Paz Estenssoro a quem a COB entregou o poder em 1952.
 
Mas a disposição revolucionária da classe operária e do movimento de massas boliviano é extraordinária e novamente voltaram a questionar o poder burguês entre 2003-2005. E novamente as direções conseguiram abortar o processo. Desta vez, tivemos que dar o principal combate com aqueles que se localizaram no terreno do “socialismo do século XXI” e do “indigenismo” de Evo Morales para desviar a revolução operária para o beco sem saída da democracia burguesa.
 
Mas assim como nos processos anteriores, tivemos que desenvolver outros debates. Continuou a polêmica com as fórmulas abstratas de poder típicas do POR-Lora e surgiu uma nova discussão com outros setores do trotskismo. Desta vez, não tivemos de enfrentar posições ultraesquerdistas como as de 1971. O novo, coerente com o “vendaval oportunista” originado nos anos 90, foi que organizações que se reivindicam revolucionárias (PO e PTS da Argentina, o MES do Brasil) começaram a responder às revoluções com a proposta de Assembleia Constituinte, isto é, outra forma deconter a revolução dentro dos marcos da democracia burguesa. Enfrentamosessas propostas apoiando-nos em Nahuel Moreno, que categoricamente define: “Toda tentativa de propor em uma etapa revolucionária a palavra de ordem de Assembleia Constituinte como a essencial é uma traição direta à política trotskista que não tem como objetivo fazer uma revolução democrática, mas fazer uma revolução que leve a classe operária e seus aliados, organizados revolucionariamente, ao poder4. E em Trotsky, que assim explica o papel que teve a palavra de ordem de Assembleia Constituinte na Rússia de 1917: “Nenhum partido, sem excluir os bolcheviques, tinha retirado ainda a palavra de ordem de Assembleia Constituinte. Mas, de um modo quase imperceptível, no curso dos acontecimentos da revolução, a palavra de ordem democrática principal, que, durante 15 anos, tinha brilhado na heroica luta das massas, empalidecia, desvanecia como esmagada entre duas pedras molares (…), se convertia em uma tradição e não em uma perspectiva. Semelhante processo não tinha nada de estranho. O desenvolvimento da revolução baseava-se na luta direta pelo poder entre as duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado. Nada podia dar à primeira nem ao segundo a Constituinte (…) A força da tradição se manifestou em que, nas vésperas da última batalha em torno da Constituinte, nenhum dos bandos tinha abdicado dela. Mas, na realidade, a burguesia deixava de lado a Constituinte para apelar a Kornilov, assim como os bolcheviques ao Congresso dos soviets5.
 
Tem sido mais de 50 anos lutando pelo poder operário na Bolívia, enfrentando as propostas populistas e as saídas sectárias e oportunistas que se deram a partir de diferentes setores do trotskismo. Essa luta não terminou, nossos companheiros bolivianos dão continuidade com passos firmes. Essa heroica classe operária voltará a colocar o problema do poder. Esperamos que, neste momento, exista uma direção revolucionária que impeça
uma nova frustração.
 
Textos que reproduzimos:
 
Sobre a revolução de 1952: Bolívia: 50 anos à beira da tomada do poder, publicado em Marxismo Vivo nº 8, 2004. Lora-Solón: polêmica chave na Bolívia, debate entre Guillermo Lora e Pablo Solón, publicada no Correio Internacional nº 25, 1986.
 
Esclarecimento: Pablo Solón, no momento desse debate, era o principal dirigente do PST (seção boliviana da LIT-QI). Atualmente não faz parte de nossa Internacional.
 
Sobre os processos de 1971: Lora renega o trotskismo.
 
Sobre a insurreição mineira de março de 1985: Bolívia: a insurreição traída, de Correio Internacional nº 15, 1985.
 
Esclarecimento: Eugenio Greco (autor do texto) fez parte da equipe de elaboração dirigida por Nahuel Moreno. Atualmente não pertence à LIT-QI.
 
Sobre os processos de 2003-2005: Bolívia: Uma revolução operária e socialista em curso (Correio Internacional, Nova Época, nº 103, novembro 2003); A Esquerda Latino-americana e a revolução boliviana: Aprofundar a ‘democracia’ ou lutar pelo poder? (Marxismo Vivo nº 8, 2004)
 
Notas:
1. Michel Pablo (grego) e Ernest Mandel (belga) foram dois jovens dirigentes que ficaram à frente da IV Internacional ao terminar a II Guerra Mundial. Em um primeiro momento, cumpriram um papel positivo ao tentar levar a IV a se ligar ao movimento de massas. Mas em pouco tempo seu impressionismo os levou a impulsionar uma política de capitulação aos partidos stalinistas e nacionalistas burgueses, o que provocou a ruptura da IV e a liquidação (por vários anos) do trotskismo europeu.
2. Juan Lechín Oquendo, principal dirigente da COB de 1952 até 1986.
3. Hugo Banzer Suárez, general, presidente da Bolívia por duas vezes.
4. Tese XXVII, Atualização do Programa de Transição.
5. Leon Trotsky, A história da revolução russa.
 
Tradução: Suely Corvacho
 
Fonte: http://litci.org/especial/index.php/polemicas-2/bolivia-1952/bolivia-artigos/1872-um-longo-combate-por-uma-saida-operaria-para-a-revolucao

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares