A queda do regime, uma mudança de grilhão para o povo
Hoje (4 de fevereiro) comemora-se o 33º aniversário da queda da ditadura, que significou a mudança do regime ditatorial para um democrático liberal, que retirou as Forças Armadas como principal instituição do regime e estabeleceu o ritual de eleições periódicas e o parlamento capitalista como pilares políticos. Uma democracia onde as liberdades, garantias e a chamada justiça social são uma quimera em termos de substancialidade efetiva após mais de 30 anos desse fato. Ou pelo menos pode-se dizer que as mudanças foram principalmente de forma, e onde as concessões relativas aos pilares liberais eram meias concessões.
Por: PT – Paraguai
É inegável que a derrubada de Stroessner significou um acontecimento progressista, para além dos limites evidentes desse processo, pois trouxe melhores condições jurídicas e políticas para que os trabalhadores e oprimidos pudessem se organizar e lutar por seus interesses de classe.
No entanto, esse processo incipiente e progressista teve um alcance curto e isso se deu fundamentalmente porque o poder efetivo continuou estando nas mãos daqueles que governavam com o ditador (capitalistas, banqueiros, latifundiários, mafiosos, muitos deles expoentes do próprio regime derrubado em 1989), que mais uma vez subjugou os trabalhadores, cooptando a direção, limitando as projeções de novas conquistas e reduzindo as disputas no quadro da adaptação completa de toda a vanguarda às instituições burguesas.
Esse contraditório processo pós-ditadura levou a novas derrotas para o movimento, derrotas que não estavam mais relacionadas apenas ao esmagamento físico próprio da ditadura como característica fundamental, mas também à derrota moral e intelectual da vanguarda da classe trabalhadora. Isto se expressou na cooptação e adaptação das principais lideranças do movimento operário, camponês e popular às eleições, ao congresso e a tudo o que representa o poder político do Estado burguês.
Um golpe controlado
Nesse sentido, a mudança ocorrida se desenvolveu sob a tutela dos círculos de poder formados pela direção do Partido Colorado e das Forças Armadas. O que o golpe desarmou foi a trilogia Stroessner-Forças Armadas-ANR como estrutura de dominação rígida, para manter inalterável o poder acumulado pelo Partido Colorado e seus círculos burgueses que governaram após a queda, agora sob o manto da democracia de um suposto Estado Social de Direito.
Deve-se considerar também que, para o imperialismo norte-americano, desde o final da década de 1970, as ditaduras perderam seu significado estratégico como projetos de controle e arregimentação. Nesse sentido, a partir de Washington, com Jimmy Carter na presidência desde 1977, foi promovida a chamada política de reação democrática, que implicava em desmantelar regimes ditatoriais e substituí-los por regimes liberais sob a auréola dos direitos humanos.
Essa mudança na política norte-americana deveu-se fundamentalmente ao fato de que a manutenção de modelos de governo autoritários, como barreira à influência dos processos revolucionários que sacudiram a região, perdeu o sentido; não só pelo definhamento das irrupções populares, mas fundamentalmente pela dispersão e atomização das direções revolucionárias.
Para os norte-americanos, o fantasma do comunismo não existia mais como um perigo real, tendo em vista a domesticação da URSS através da capitulação stalinista, que projetava uma pronta restauração do capitalismo e, consequentemente, o desmantelamento da União Soviética e de todo leste europeu. Uma questão de tempo. Em outras palavras, naquele momento, o bloco soviético já não constituía uma influência prejudicial aos projetos imperialistas.
Mas, além disso, as razões que justificavam o impulso dos regimes ditatoriais viraram o contrário, ou seja, a mão forte que mantinha um controle estrito sobre a população, apesar de centenas de atos de resistência, já não cumpria aquele papel necessário para a estabilização, mas se tornaram um perigo ao longo do tempo, pois podiam precipitar novas reações devido à arbitrariedade com que desempenhavam seus papéis de capatazes do império.
Portanto, o que aconteceu em 1989 em nosso país não teve nada a ver com uma insurreição de massas, embora começassem a mostrar seu cansaço e sua vontade de ir às ruas com mobilizações exigindo a queda da ditadura. No entanto, a queda limitou-se a um golpe preventivo e de dentro do próprio aparelho e, consequentemente, controlado por parte de um círculo do próprio Partido Colorado e uma parte importante das Forças Armadas que continuaram a liderar o aparelho estatal e colocaram a agenda norte-americana para marcar as novas regras do jogo.
Por qual tipo de Estado devemos lutar?
A defesa das liberdades democráticas, dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas, a luta contra latifúndios improdutivos, terras ilícitas, etc., são tarefas atuais, problemas que não foram resolvidos com a queda do ditador. São bandeiras justas, sem dúvida.
A discussão é se, para alcançá-los, o horizonte programático deve ser a luta pelo chamado Estado social de direito? É possível avançar em direção a essas tarefas pendentes sem questionar profundamente os fundamentos do próprio sistema capitalista? Se isso não for levantado, tudo gira em torno de um discurso que busca embelezar e humanizar o sistema vigente.
Em outras palavras, temos que continuar lutando pelas liberdades democráticas, mas para lutar consistentemente por elas devemos uni-las à luta pelas demandas sociais da classe trabalhadora que apontem para uma revolução socialista. .
A luta pela vigência das liberdades democráticas é, sem dúvida, uma necessidade, porque continuam a ser violadas diariamente no quadro deste regime de suposto “Estado de Direito”. Consequentemente, a denúncia implacável dessas situações deve ser combinada ao mesmo tempo com a luta por reivindicações transitórias em direção a um processo revolucionário.
As chamadas demandas democráticas, se não estiverem vinculadas a consignas transitórias que orientam e coloquem às organizações da classe trabalhadora a tomada do poder para mudar a sociedade, limitam-se a jogar com o próprio modelo que questionam.
Todo o discurso protagonizado pelos reformistas centra-se no questionamento do não alcance dos padrões que compõem um verdadeiro Estado Social de Direito. Consequentemente, a superação da democracia liberal nem sequer é levantada para lutar pela ditadura do proletariado que implica um modelo democrático superior à democracia liberal, a democracia operária.
Com base em tudo isso, uma vez que a plenitude dos direitos e garantias liberais ainda não foi alcançada, o máximo que a esquerda levanta, em geral, é praticamente a necessidade de uma verdadeira revolução democrática burguesa, pois a atenção e o questionamento estão voltados para o porquê, apesar de a queda da ditadura, a verdadeira justiça social não foi alcançada.
A resposta é muito simples, pois em um estado liberal, por mais democrático que seja, sempre será um modelo de estado baseado nos interesses dos capitalistas e consequentemente a democracia torna-se uma caricatura. A democracia liberal com justiça social é a democracia real para os patrões do campo e da cidade, enquanto a classe trabalhadora continua observando do outro lado da janela.
“Democracia” não é um conceito ou valor universal. Em qualquer sociedade de classes, ela adquire um caráter específico em termos de seu funcionamento, razão pela qual devemos responder à pergunta: democracia para quem? Ao serviço de quais interesses de classe?
A queda da ditadura de Stroessner e os limites da democracia liberal como horizonte
No estado democrático liberal, o máximo que se pode conseguir é atenuar momentaneamente as desigualdades sociais, mas nunca se alcançará a desejada justiça social de que falam os reformistas, frase ambígua que pode adquirir qualquer conteúdo. O que vivemos hoje é a degradação do próprio regime liberal, que se traduz em maior desconhecimento dos direitos e liberdades e no aprofundamento da miséria para camadas cada vez maiores da classe trabalhadora.
Assim, para superar os limites políticos da vanguarda, é preciso ir além das meras reivindicações democráticas isoladas e lutar pela verdadeira independência política de classe, que provoque total desconfiança das instituições do modelo liberal que nos explora e oprime.
É preciso projetar a mobilização das organizações da classe trabalhadora para o colapso de todo o atual modelo de Estado, não para que ele adquira a fantasiosa “justiça social”, impossível de se alcançar em um sistema baseado na exploração e na opressão. Em outras palavras, avançar as lutas nas ruas pela conquista de um Estado Operário, Revolucionário e Socialista.