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Paraguai | Balanço de 2023

janeiro 5, 2024

O ano de 2023 foi um dos anos de maior turbulência política, de resultados eleitorais impensáveis ​​e questionados, da chegada ao governo do setor mais sinistro e conservador da ANR (Associação Nacional Republicana – Partido Colorado), da continuidade dos atritos entre os setores que compõem a burguesia nacional e de uma reação do povo trabalhador sobre a última etapa do ano anterior ante um dos planos centrais do governo neoliberal de Santiago Peña.

Por: PT-Paraguai

Queremos focar três aspectos que nos parecem extremamente relevantes, e alguns subpontos complementares, sem esgotar os elementos para uma análise mais exaustiva. Em seguida, o material se detém para analisar os seguintes fatos: 1) O resultado das eleições e suas consequências; 2) O carácter do governo e o seu desenvolvimento; e, 3) A situação do movimento operário, suas ações e as perspectivas da luta de classes para 2024.

1) O resultado das eleições e suas consequências

A primeira descrição feita no início refletiu nas disputas eleitorais, anteriores ao início deste ano, especialmente nas disputas entre as duas principais facções coloradas que persistem até hoje, embora de forma muito mais mitigada.

Esses choques entre as principais forças da burguesia nacional concentraram-se na ANR, que foram acompanhadas naquele momento pelas declarações da embaixada norte-americana e pelos escândalos que com elas se desencadearam, que alimentaram ainda mais a guerra interna e dela tomaram partido os grandes grupos econômicos proprietários dos meios de comunicação social e de outros sectores da comunidade empresarial. A partir desse cenário pensava-se que a ANR teria um caminho difícil para voltar a vencer, e mais ainda o Cartismo.

À medida que as eleições se aproximavam, o otimismo de deslocar os Colorados pela segunda vez em 70 anos começou a desvanecer-se devido aos erros da oposição de direita e ao caos político da “esquerda”. Estes últimos, na estreiteza do seu horizonte político/programático e do qual emerge a sua lógica eleitoral como centro de disputa, reuniram-se em torno de liberais de diferentes tendências em torno de um programa marcadamente de direita.

Dentro deste cenário, o resultado das eleições aparentemente não surpreendeu, porém, a grande diferença com que Santiago Peña venceu foi totalmente inesperada.

1.1. Cruzada Nacional, uma grande eleição de uma fraude política

Nesse mesmo cenário, embora não se possa dizer que o resultado obtido pelo Partido Cruzada Nacional tenha sido uma surpresa considerando a ascensão que vinha esta organização liderada por Paraguayo Cubas. Porém, hoje, dos 9 legisladores eleitos, apenas 4 permanecem no partido (2 de 5 senadores e 2 de 4 deputados), os restantes vendidos ao Cartismo.

Isso confirma o que sempre dissemos, que este partido populista de centro-direita, produto do culto à personalidade de uma pessoa delirante como Payo Cubas, só pode atrair para o seu rebanho – na sua maioria – as pessoas mais atrasadas na sua consciência, impressionadas pela “ousadia e irreverência” sem conteúdo sério do seu líder, com um esvaziamento político programático que torna insubstancial esta alternativa pela qual optou grande parte do povo.

Da combinação entre um programa populista e uma mediocridade política, surgiram os seus mais diversos candidatos, muitos dos quais expressam a decadência moral e política refletida nas vergonhosas rupturas que ocorreram no seu interior.

De todos os legisladores eleitos deste partido, a diferenciação deve ser feita com base na sua atuação, tanto da Senadora Yolanda Paredes como o Senador José Oviedo, que até agora são os que têm maior reflexão institucionalista e procuram acompanhar as causas mais sentidas do povo, fazendo parte do bloco de oposição, embora sem se destacar por ter nitidez sobre a complexidade dos problemas estruturais do país.

1.2. O declínio da esquerda reformista

O outro fato a destacar é o quase desaparecimento da esquerda reformista no Congresso, o que se deve merecidamente ao seu divórcio com a luta do movimento de massas e às suas alianças desastrosas com personagens escombros de direita como Euclides Acevedo e Efraín Alegre.

A desmoralização deste setor da esquerda foi tão profunda devido a que sua adaptação ao regime liberal é tão estreita que as eleições são tudo o que podem disputar no marco do seu programa político de democratizar e humanizar o sistema capitalista.

O rebaixamento programático destes sectores de esquerda é cada vez mais vergonhoso que nem se pode dizer que neste bloco subsistam setores social-democratas, como os que existiram ao longo do século XX, os que aqui abundam estão tão decompostos que o termo socialismo nem sequer é colocado nos dias de festa, no máximo colocam os eixos democráticos liberais com culpa social.

Seu abandono do terreno vivo da luta de classes significa que não há ligação das suas principais figuras com as lutas em curso. Nos seus quartéis de Inverno continuarão à procura de algum novo setor burguês progressista que os recolha e os proteja para a próxima aventura eleitoral.

2) O caráter do governo e seu desenvolvimento

2.1 Que tipo de governo enfrentamos?

Nossa caracterização durante as eleições foi que se o Cartismo vencesse com Peña à frente estaríamos mais uma vez diante de um governo com características semelhantes ao de Horacio Cartes, embora com diferenças pelo desgaste sofrido, mas mantendo a orientação política de subjugação e desconhecimento dos direitos e garantias para o povo trabalhador. Nesse sentido, estamos perante um governo ultraliberal e reacionário, mais fraco que o de Cartes, mas que procura emular os mesmos traços autoritários e planos ultraliberais.

Afirmámos nas nossas análises que enquanto regime político expressaria sem dúvida um retrocesso ao degradar profundamente as instituições republicanas da democracia liberal em que vivemos e, nesse sentido, à luz dos fatos, o diagnóstico está plenamente cumprido.

O exposto se reflete, por exemplo, na designação ilegal da ex-ministra Alicia Pucheta como nova representante do Poder Executivo perante o Júri do Ministério Público da Magistratura (JEM) e o Conselho da Magistratura Judicial (CM); instituições cooptadas pelo Cartismo, das quais são nomeados operadores do sistema de justiça servis a este setor e aqueles que não se alinham ou agem contra os interesses da máfia cartista são perseguidos e transferidos. A referida é uma das muitas medidas que o governo vem adotando no quadro do tom autoritário dos seus projetos.

Economicamente, seguirá a mesma linha dos diferentes governos que se sucedem no país, nesse sentido, há a continuação de um governo lacaio do imperialismo e das suas receitas, mas num cenário contraditório; porque embora haja uma recuperação das taxas de lucro dos principais setores burgueses do país, isso ocorre no quadro de um endividamento financeiro para o Estado devido ao nível da dívida externa e à manutenção de uma política fiscal que aperta a classe trabalhadora e exclui os grandes setores do capital.

O retorno de Horacio Cartes com a vitória do seu fantoche político, Santiago Peña, acompanha uma configuração maioritária em ambas as câmaras do Congresso – o que lhe permite ter ambas as instituições sob o seu domínio – e, portanto, o Estado, praticamente como um todo, ao serviço dos seus interesses.

Em que circunstâncias Santiago Peña governa?

Em princípio, o Cartismo tem as condições objetivas para governar com tranquilidade de acordo com os seus planos antipopulares com os quais continuará a descarregar a crise do sistema capitalista sobre os ombros da classe trabalhadora. No entanto, o que registámos é o grande custo político ao nível da imagem que o avanço das suas medidas acarreta num contexto de descrédito rápido e crescente.

O acima descrito deve-se à continuidade das disputas interburguesas, expressas nos ataques que ambos os setores realizam a partir dos seus meios de comunicação, criticando o governo e, ao mesmo tempo, estimulando a população contra a maioria dos seus planos e medidas. Esse espaço que a imprensa empresarial dá às reivindicações dos trabalhadores, ajustadas aos seus interesses, permite essa lacuna de visibilidade e consequentemente extensão das agitações e propaganda que se desenvolve para explicar a natureza dos planos governamentais. No quadro dos setores que compõem o status quo, a Igreja Católica também aderiu como setor crítico pelo tratamento dado à superintendência de aposentadorias e pensões e pelas práticas de nepotismo que vieram à tona. A Igreja continua sendo uma voz muito poderosa na população e estas posições – com as suas limitações bem conhecidas – implicam uma maior profundidade do espírito crítico no povo trabalhador. Por outro lado, o mais importante é a reação ocorrida na última etapa do ano por parte da classe trabalhadora organizada na Frente Sindical e Social (FSS), que, se fortalecida, poderá significar a saída da longa letargia e mais uma vez enfrentando maior combatividade a este governo neoliberal.

Consequentemente, temos um governo que ainda procura afirmar-se, mais fraco que o de Cartes, mas isso não significa que deva ser subestimado tendo em conta os laços com o setor mais forte da burguesia nacional por mais que não desapareça completamente do horizonte o fantasma do imperialismo norte-americano sobre Cartes. Mas, sobretudo, porque para além dos questionamentos e da antipopularidade que acumulou, conseguiu levar a cabo os seus planos e medidas até agora, ao ritmo que a realidade permite.

Esta realidade contraditória, própria da luta de classes, não permite que nenhuma situação possa permanecer estável por muito tempo. Isto faz parte da crise do sistema capitalista mundial, onde a polarização da luta depende da ruptura de equilíbrios momentâneos, implicando que novas circunstâncias tornem a luta incandescente e uma nova correlação de forças seja estabelecida.

Podemos afirmar que estamos num interregno cinzento, um momento de transição entre uma fase de tentativa de recomposição das organizações da classe trabalhadora que pode avançar desde que irrompa com força acompanhada por outros sectores-chave do povo trabalhador como o campesinato, é a única alternativa para sair da situação de refluxo do movimento.

2.2 Diante da escavadeira cartista no Congresso, a palavra de ordem que levantamos é unir todas as lutas contra o governo cartista de Peña.

Os primeiros 100 dias do governo Peña correram como uma escavadeira que arrasaria o nível legislativo sem maiores inconvenientes e que intensificaria as repressões contra o povo trabalhador sem qualquer tipo de escrúpulo.

A primeira aconteceu, mas não sem resistência, principalmente no último semestre do ano, pois foi desacelerada a ponto de causar sérios problemas para avançar com a velocidade que desejava em um dos projetos-chave como a superintendência de aposentadorias e pensões.

Os reveses que teve não significam que esteja atolado, mas devido à rápida série de questionamentos até agora neste período, gerou-se uma erosão significativa da imagem do governo e tudo parece continuar nesta mesma tendência.

Quanto às repressões, até agora não foram muitas, devido à falta de reações enérgicas e generalizadas. Destacam-se as sofridas pelos transeuntes da ponte remanso ou pelos trabalhadores que, tendo ganhado concursos de entradas em campesinato, Itaipú, foram desvinculados e reprimidos diante de Mburuvicha róga ou pelos trabalhadores brutalmente reprimidos durante as manifestações contra a superintendência com mais de 30 detidos do SITRANDE foram posteriormente libertados graças à força da mobilização.

O mesmo pode ser dito nas comunidades indígenas e camponesas, onde apesar dos contínuos despejos ilegais e arbitrários não há um salto significativo, embora se mantenha a invisibilidade destes eventos ilegais a serviço do capital agrário.

23. Vários acontecimentos desgastaram profundamente o governo

São vários os acontecimentos deste primeiro período que explicam o abrandamento das medidas fundamentais deste governo, que vão desde o bombardeio mediático em consequência de erros devido ao seu acentuado populismo de direita e às reações de determinados setores, nesse sentido elencamos alguns: 1) A falta de jeito de tentar deixar de lado o financiamento da UE para a educação; 2) As internas entre as facções coloradas pela composição do Conselho de Itaipú, às quais se soma o questionamento do tratamento entreguista em relação ao Anexo C; 3) O conflito com o governo argentino pelo pedágio da Hidrovia; 4) O escândalo sobre a suposta ligação de Cartes com o assassinato do promotor Pecci; 5) As desvinculações da binacional de quem entrou por concurso; 6) Os ocupantes VIP de Remansito; 7) A crise carcerária que ainda persiste embora, apesar do desfecho trágico, os últimos episódios tenham acabado sendo favoráveis ​​à imagem do governo; 8) O escandaloso pedido de aumento salarial dos parlamentares; 9) Os atritos internos em Honor Colorado entre Bachi e Ovelar; 10) As lutas de rua que fizeram o governo tremer com a Lei da Superintendência de Aposentadorias e Pensões; 11) Os graves atos de nepotismo que vieram à tona, entre outros.

Como consequência dos erros que enfraqueceram rapidamente o governo, a possibilidade de formar um núcleo mais ligado ao presidente Peña que propusesse uma certa independência do cartismo começou a ser discutida em vários círculos. Isto surgiu das divergências que surgiram na explicação da constrangedora abordagem ao aumento dos salários dos parlamentares, onde o presidente denunciou a extorsão a que foi submetido pelos parlamentares cartistas.

Foram tempestades que o governo resistiu não sem preocupação e aos trancos e barrancos, mas que se continuarem poderão piorar consideravelmente e enfraquecer ainda mais. Estas fissuras seriam, sem dúvida, favoráveis ​​à classe trabalhadora que, após a nova ativação da Frente Sindical e Social (FSS) e da formidável luta que ocorreu em poucos dias de organização, gera a grande expectativa de poder sair da uma letargia já prolongada.

De todos os acontecimentos relacionados aos projetos estratégicos do governo, sem dúvida o que mais causou dores de cabeça para o cumprimento de sua missão foi o da Superintendência de Aposentadorias e Pensões.

Até março de 2024 o governo pretende avançar com o projeto ou a reforma da função pública, um plano que visa empobrecer ainda mais as condições de trabalho dos funcionários públicos. Será um desafio para os trabalhadores prepararem-se para sair e lutar contra a ameaça representada por este novo ataque que está a ser finalizado.

3) A situação do movimento operário, a sua atuação e as perspectivas da luta de classes para 2024.

A luta contra o projeto da superintendência produziu um resultado contraditório, além da evidente derrota no Congresso. Contudo, este não pode ser o único elemento de análise e isolá-lo de tudo o que foi alcançado.

Olhar apenas para o resultado da sanção e promulgação da Lei como a única coisa relevante é cair na superficialidade e na reflexão derrotista; Como diria Trotsky, “Quem se ajoelha diante do fato consumado é incapaz de enfrentar o futuro” e trata-se de fazer uma análise global e ver que há muitos mais elementos positivos para entender que estamos diante de uma incipiente esverdeamento das organizações da classe trabalhadora, cujo avanço dependerá da maturidade política da sua direção, que deve ultrapassar o mero sindicalismo básico e sem perspectiva de luta política.

Essa grande esperança que temos é a reativação da Frente Sindical e Social (FSS) desde que seja fortalecida e assim reverter o que aconteceu com a organização e a luta. Em relação a este último, a direção do SITRANDE tem uma enorme responsabilidade por ser o bastião da classe operária no nosso país com a capacidade de galvanizar o resto das organizações para promover os processos de luta.

A reação em poucos dias de muitas organizações para sacudir o governo com seu rolo compressor no Congresso não é um fato menor, e isso se expressou não apenas nas mudanças que introduziram no projeto diante da pressão, mas até mesmo nos números que não fecharam até o último minuto. A influência do FSS chegou a tal ponto que significou, em diferentes níveis e intensidades, o agrupamento de diferentes organizações no interior do país para realizar piquetes, bloqueios de estradas, escraches e mobilizações; tudo isto reflete a natureza qualitativa deste espaço de unidade de ação.

Acabar com a burocracia sindical corrupta e traiçoeira

A traição histórica da maioria das confederações de trabalhadores (CUT, CUT-A, CPT, CGT, CNT, CESITP) colocou estas lideranças vendidas num caminho sem volta. Estas centrais nada mais são do que a extensão dos interesses dos patrões e dos governos capitalistas dentro do movimento operário para traí-lo repetidamente. Eles são o câncer da nossa classe e devemos eliminá-los de uma vez por todas.

Muitos dos sindicatos que constituem a base destes centros estão profundamente desiludidos e, de fato, rompem abertamente com estes aparatos. Este último levanta muitas questões sobre qual deverá ser o melhor caminho para avançar para a convergência no mesmo espaço dos sindicatos mais combativos e coerentes que se encontram nesta encruzilhada e dar passos firmes no sentido de uma maior independência política.

Nesse sentido, consideramos que a Confederação da Classe Trabalhadora (CCT), por sua história, pelas suas posições classistas e combativas, constitui uma alternativa para avançar em direção ao sindicalismo revolucionário.

Continuar lutando por uma solução operária e socialista

Apesar de este governo ser a expressão do setor da burguesia nacional mais ligado à máfia, tem uma esmagadora maioria no Congresso e avançou com uma parte importante dos seus planos estratégicos; também é verdade que as lutas promovidas pela Frente Sindical e Social desgastaram a sua projeção de desenvolvimento para o próximo ano, e repetimos, sujeito à nitidez política da direção, pode derrotar o governo com uma enorme greve geral que deve ser trabalhada. Do Partido dos Trabalhadores continuaremos acompanhando de maneira cotidiana as lutas, na primeira linha, e colocando nosso programa operário, revolucionário, socialista e, portanto, internacionalista para uma saída de fundo a toda a barbárie que gera o sistema capitalista em nosso país e em nível mundial.

1. Esquerda reformista. Refere-se aos setores de esquerda cujo eixo programático e de ação política é a aplicação de sucessivas reformas no sistema capitalista para avançar pacificamente em direção a uma sociedade socialista. O marxismo leninista-trotskista considera esta concepção como funcional ao próprio sistema capitalista, que não pode ser transformado exceto pela ação direta das massas trabalhadoras mobilizadas sob a liderança de um partido revolucionário, contra os proprietários dos meios de produção social e do sistema financeiro para expropriá-los e manter esses meios sob o controle dos trabalhadores e assim instalar um governo operário, revolucionário e socialista.

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