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Portugal

50 anos da Revolução dos Cravos: Quando a classe trabalhadora toma a dianteira

abril 25, 2024

No dia 25 de abril de 1974 às 00:20 era transmitida a música “Grândola, Vila Morena” na rádio Renascença como sinal para colocar em marcha a operação do golpe militar planejado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Nesta noite, as forças militares ocuparam pontos estratégicos em Lisboa com o objetivo de derrubar o regime de Marcelo Caetano.

Por: Joana Salay

Nas rádios eram emitidas mensagens para a contenção da população, o MFA “pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências”. Contudo, às 8:45, o comunicado já reconhecia que “a população civil não está a respeitar o apelo já efetuado várias vezes para se manter em casa”. Depois de anos de opressão, o povo saiu às ruas. Começava a revolução portuguesa, a última da Europa Ocidental.

Um país imperialista, mas profundamente atrasado

Do regime fascista instituído por Salazar em 1933, constituiu-se a ditadura mais longa da Europa, que ficou conhecida como Estado Novo. Portugal era um país muito atrasado, mas que ainda mantinha colônias. Antes da revolução, 25,7% da população portuguesa não sabia ler e escrever, cerca de 70% nunca tinha frequentado a escola e a fome e a miséria eram generalizadas.

A manutenção das colônias era uma questão de vida ou morte para o regime. E, por isso, perante à luta anticolonial, que se inicia na Guiné-Bissau em 1959 e espalha-se rapidamente para Angola e Moçambique, o Estado português joga todas as suas forças numa guerra colonial que vai durar 14 anos. Acelera-se, assim, a crise social e inicia uma crise política na metrópole.

A derrota militar na Guiné-Bissau, que declara independência em 1973, agudiza a crise nas forças armadas, que se expressa pela recusa de milhares de soldados em fazer o juramento de bandeira e por reivindicações que, embora setoriais, se enfrentavam com os planos de guerra.

As massas tomam em suas mãos os rumos do país

Para revolver o impasse na guerra colonial, o MFA avança para o golpe do 25 de abril com o objetivo de destituir Marcelo Caetano, mas não pretendia que o processo fosse além. O plano de uma parte da grande burguesia, representado pelo General Spínola, era de uma saída negociada nas colônias, instituindo o neocolonialismo, resolvendo a crise no exército e mantendo seus privilégios. Contudo, a revolução colocou em xeque todos os planos da burguesia portuguesa.

A revolução iniciou-se com demandas democráticas, como a queda da ditadura, a convocação de uma Assembleia Constituinte e o desmantelamento de estruturas repressivas. Nas empresas e escolas, trabalhadores e estudantes perseguiram seus delatores e carrascos. Manifestantes foram à prisão de Caxias, nos arredores de Lisboa, libertar os presos políticos.

Rapidamente a revolução avança contra as grandes famílias burguesas portuguesas, profundamente ligadas ao Estado Novo, que se beneficiaram da repressão do Estado para aumentarem seus lucros e reprimirem greves. No 1º de Maio de 1974 aparece a exigência de aumento de salários e desencadeia uma onda de greves.

A vanguarda da revolução – trabalhadores, assalariados agrícolas e juventude – começa a formar suas próprias organizações, como as comissões de trabalhadores, moradores, camponeses e soldados. As comissões decidiam os rumos da luta, mas também resolviam os problemas do dia a dia, como a construção de casas, a gestão das empresas, abriam escolas, creches, consultórios médicos, ocupações de terras, etc.

Enquanto as instituições do antigo regime ruíam, conformavam-se novas instituições da classe trabalhadora e do povo, que constituíam efetivamente um duplo poder, perante as instituições democrático-burguesas ainda em formação.

A tentativa de golpe contrarrevolucionário

A burguesia estava colocada perante o desafio de conter o avanço da revolução operária e socialista, ao mesmo tempo em que resolviam seus próprios conflitos. O agora Presidente da República, António Spínola, pretendia uma saída autoritária e repressiva, para poder manter relações privilegiadas com as colônias.

Spínola convoca uma manifestação em 28 de setembro de 1974, defendia uma eleição presidencial autoritária, em oposição à Assembleia Constituinte. As massas reagiram e Spínola foi derrotado. Afastado da presidência, buscou organizar forças contrarrevolucionárias. Em 11 de março de 1975, sua tentativa de golpe contrarrevolucionário fracassou perante às barricadas levantadas. Spínola fugiu, levando consigo a grande burguesia que conspirava contra a revolução.

A derrotada da tentativa de golpe contrarrevolucionário fortaleceu ainda mais a classe trabalhadora que avançou para a nacionalização de setores estratégicos, ocupações, o fortalecimento das comissões de trabalhadores e o controle operário da produção. O horizonte da revolução naquele momento era a construção do socialismo e de uma sociedade sem exploração e opressão.

Os governos provisórios e a frente popular como trava da revolução

Durante o processo revolucionário, existiram diversos governos provisórios, liderados pela burguesia, integrados pelo MFA e pelos partidos operários reformistas (PS e PCP). Em seu livro “Revolução e Contrarrevolução em Portugal”, escrito em julho de 1975, Nahuel Moreno analisa o Governo do MFA-PS-PCP como um Governo de frente popular. Era sintoma da profundidade da revolução, mas também do projeto de conciliação de classes.

Se o PS, com influência junto das camadas populares e setores da burguesia, intervinha nos Governos Provisórios representando a social-democracia europeia e os seus governos imperialistas, o PCP, com maior inserção junto da classe trabalhadora, militou para conter a revolução, respondendo aos interesses mundiais da burocracia soviética.

Nos diferentes governos provisórios, PS e PCP, ainda que representando diferentes projetos de desvio da revolução, vão aprovar diversas medidas repressivas e de controle do movimento operário, como a lei da greve, a lei da requisição civil, a batalha pela produção, entre outras. Era preciso derrotar o duplo poder para poder avançar na consolidação da democracia burguesia.

O 25 de novembro, o golpe no duplo poder das forças armadas

O 25 de novembro (1975) foi uma tentativa de sublevação de unidades militares como reação à política de saneamento e repressão nas Forças Armadas. A burguesia aproveitou este momento para reprimir e acabar com o duplo poder no exército, o PCP chama os seus militantes a não resistirem ao golpe, que iam às sedes pedir armas, e é restabelecida a hierarquia de comando no exército.

Embora tenha marcado o fim de um dos elementos mais radicais da revolução – o duplo poder nas Forças Armadas – não encerrou imediatamente os outros elementos de duplo poder no país. As ocupações no campo e o controle operário ainda mantinham uma dinâmica fundamental. Há uma primeira vitória da burguesia e, consequentemente, uma nova relação de forças que se impõe. No entanto, a revolução não está derrotada.

Para a derrota final, é afirmado um novo pacto entre PCP e PS para a consolidação da democracia burguesa em Portugal. Em 1976 é aprovada a nova Constituição e realizadas as primeiras eleições para a Assembleia da República.

As conquistas da revolução

A constituição de 1976 vai consagrar várias vitórias do movimento de massas durante o período revolucionário. São exemplo disso, o direito à saúde e o ensino universal, público e gratuito; a manutenção das nacionalizações realizadas no período revolucionário, como no caso dos bancos e outros setores estratégicos; o direito à greve; a consagração institucional das Comissões de Trabalhadores e Moradores; as liberdades políticas, muito mais amplas, se comparamos com outros países.

Alguns destes direitos democráticos mantêm-se até hoje. Legalizar um partido político é muito mais simples e menos burocrático do que no Brasil. Nas eleições, todas as candidaturas, independente do peso parlamentar, têm o mesmo tempo de televisão. Durante o ano todo, os partidos podem ter propaganda política nas ruas, com outdoors e cartazes.

A construção do estado de bem estar social, com a universalidade da saúde e a educação, garantiu que a taxa de analfabetismo seja hoje de 3,1%, que a taxa de mortalidade infantil seja uma das mais baixas do mundo e permitiu uma resposta centralizada à pandemia, muito mais eficiente do que os países imperialistas centrais. Os aluguéis tiveram seus preços congelados durante décadas.

O que deixou de conquistar

A mesma constituição que consagra as conquistas da revolução e que afirmava que “Portugal é uma República soberana (…) empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes” atravessando um processo de “transição para o socialismo”, afirmava também que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.”

Assim, apesar do palavreado revolucionário, a constituição estava ao serviço de defender relações sociais capitalistas. A sua essência era garantir as instituições da democracia burguesa, o grande projeto de derrota da revolução. Ao não avançar para a construção de um estado operário, a revolução socialista foi derrotada.

Durante os 18 meses do processo revolucionário, Portugal foi uma grande ameaça para o imperialismo, pois se a classe operária saísse do processo vitoriosa, mudaria a correlação de forças a nível europeu e colocaria a revolução na dianteira, reacenderia as chamas acesas no Maio de 68. Não à toa, o imperialismo norte-americano atuou para conter o processo revolucionário, e o embaixador dos EUA, Frank Carlucci, reunia regularmente com Mário Soares, o líder do PS. Após o fracasso da política de apoio às tentativas contrarrevolucionárias de Spínola, os Estados Unidos e a burguesia imperialista internacional decidiram apostar na via da “democracia” para derrotar a revolução.

Tudo que não avança, retrocede

O pacto reacionário entre PS e PCP, serviu para o desvio da revolução e a consolidação da democracia burguesa em Portugal, mas a estabilização ainda levaria tempo. Só depois de 15 anos é que as conquistas arrancadas no período revolucionário começarem a ser revertidas. Entre 1976 e 1986, o país teve 10 governos. As greves e conflitos, produto do processo revolucionário, continuaram, só após a entrada na Comunidade Econômica Europeia, em 1986, haveria uma queda drástica do número de greves.

A entrada na União Europeia (UE) significou a aplicação dos planos neoliberais em Portugal, onde os sucessivos governos, com a cumplicidade do PCP, que dirigia os principais sindicais, foi impondo diversas retiradas de direitos e privatizações das empresas.

A crise econômica de 2008 e a atuação da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) em Portugal, foram o salto de qualidade na retirada das conquistas e na relação de Portugal com os outros países europeus. Concluiu-se a privatização de sectores estratégicos da economia, que passaram para o capital estrangeiro, acabou o último grande banco de capital português, o desinvestimento nos serviços públicos deu um salto, acabou o congelamento dos aluguéis, retirou-se diversos direitos da classe trabalhadora e tornou regra a intervenção direta da UE sobre os rumos da economia portuguesa. O país vive hoje uma forte crise social, causada pelos baixos salários e o alto custo de vida, e também uma grave crise política, de instabilidade governativa.

Até mesmo o combate à forças reacionários começa a retroceder. Nas últimas eleições nacionais a extrema-direita, que usa o mesmo slogan de Salazar “Deus, Pátria e Família”, conseguiu 18% dos votos. Em 2023, o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou António Spínola, mostrando a relação íntima do atual regime com as forças contrarrevolucionários do passado.

Neste contexto, longe de colocar como horizonte a defesa das instituições da democracia burguesa e do projeto europeu, como fazem os partidos reformistas em Portugal (BE e PCP), é preciso retomar as lições da Revolução dos Cravos, confiar na força da classe trabalhadora e afirmar que não existe saída dentro do capitalismo.

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