25 de Novembro de 1975 – Nada a comemorar
Carlos Moedas, Presidente da Câmara de Lisboa, anunciou que a autarquia irá comemorar o 25 de Novembro de 1975, em nome da defesa da democracia. Mas afinal qual o significado desta data?
Por: Maria Silva – Em Luta (Portugal)
25 de Abril de 1974: uma democracia conquistada
A revolução anticolonial e o impasse da guerra em África levaram um setor do exército a depor o Estado Novo. O golpe militar abriu as portas à revolução, em que os trabalhadores e a juventude tomaram as rédeas do seu destino. Foram eles que derrotaram as tentativas de contrarrevolução, que queriam condicionar e controlar o novo regime que ia surgir (como aconteceu em Espanha, por exemplo), como demonstraram as tentativas de golpe do General Spínola no 28 de setembro de 1974 e no 11 de março de 1975. A democracia portuguesa não foi oferecida, mas conquistada pela força da luta das massas nas ruas e nos locais de trabalho, impondo a Assembleia Constituinte, o desmantelamento da PIDE, os saneamentos nas empresas, etc.. Por isso, ela não foi o resultado de uma transição pactuada entre a ditadura e o novo regime, mas de uma revolução.
A revolução colocou na ordem do dia o socialismo
Mas a luta pelas necessidades mais básicas da população (Paz, Pão, Habitação, Saúde, Educação) exigiu ir além da democracia e lutar contra o capitalismo. Na linha da frente estiveram os operários, os assalariados agrícolas e a juventude, que formaram os seus próprios organismos: as comissões de trabalhadores, de moradores e de soldados que votavam e decidiam os rumos a seguir. Existia, assim, um duplo poder no país: o poder dos Governos Provisórios, dirigidos pela burguesia (integrando PS, PSD e PCP), e o poder das Comissões de Trabalhadores, Soldados e Moradores, que representavam um embrião de um Estado dos trabalhadores. A revolução teve como horizonte o socialismo e uma sociedade sem exploração e opressão, e engendrou os organismos que podiam servir de base a esse novo poder.
Uma primeira derrota da revolução
Tanto PS como PCP estavam contra este poder que nascia nas ruas. O PS defendia uma democracia burguesa, à semelhança da Europa Ocidental. O PCP estava condicionado pela política da URSS de aceitação divisão do mundo em dois e Portugal estava no Bloco Ocidental; por isso, não pretendia instaurar o socialismo em Portugal, mas sim disputar espaço no aparelho de Estado que lhe permitisse controlar o movimento operário e conseguir que o país não estivesse diretamente alinhado com o Bloco Capitalista dos EUA e Europa. Com projetos diferentes, PS, PCP e MFA tinham um grande acordo: aceitar a manutenção do capitalismo em Portugal e derrotar a auto-organização dos trabalhadores que questionava o seu poder.
Por isso, o objetivo do golpe do 25 de novembro foi derrotar a revolução e os seus organismos próprios. A burguesia aproveitou uma provocação do setor militar “esquerdista” para acabar com o duplo poder dentro das Forças Armadas, que era um dos elementos mais radicais da revolução portuguesa, pois retirava à burguesia o controlo da força para impor a sua ordem social e política. O PCP chama os seus militantes a não resistir ao golpe (ao contrário do que acontecera no 11 de março). Por trás há um grande pacto entre o PS e PCP: a aceitação do projeto de democracia burguesa em Portugal, na qual o PCP terá o papel determinante de controlar o movimento operário, até hoje tão visível nas caraterísticas do movimento sindical português.
Comemorar o 25 de Novembro de 1975 é negar a revolução
O 25 de novembro não acabou com a revolução, mas foi a sua primeira grande derrota, abrindo espaço para uma nova relação de forças.
Em nome do “socialismo democrático” (como lhe chamava o PS) na Constituição de 1976 instaurou-se, de facto, uma democracia burguesa. Faltou uma direção revolucionária que defendesse a centralização das comissões de trabalhadores, morados e soldados, para tomar o poder e construir um estado dos trabalhadores.
50 anos depois está claro o beco sem saída para o qual o poder da burguesia nos trouxe e do qual só podemos sair de novo pelas mãos das lutas revolucionárias dos trabalhadores e da juventude. Por isso, não há nada a comemorar no 25 de novembro e apenas a luta por uma nova revolução pode dar sentido às comemorações do 25 de Abril!
Texto originalmente publicado no jornal Em Luta, N.º 13 – Novembro de 2023