qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A vacinação da desigualdade

Nove meses após o arranque da vacinação contra a Covid-19, 40,3% da população mundial tinha recebido pelo menos uma dose e 27,57% as duas doses. Na União Europeia, as percentagens eram bastante superiores, respetivamente, 65% e 59%. Enquanto em África, 5,2% e 2,9%.

Por: Cristina Portella – Em Luta (Portugal)

A eficácia das vacinas para reduzir a incidência e as mortes por covid-19 está sendo comprovada na prática. Os Estados Unidos, país que lidera o ranking de casos e óbitos no mundo, tinham no início deste mês de setembro 61% do número de infecções atingido no pico de janeiro deste ano e 38% do número de mortes. Pode não parecer muito, mas é preciso levar em consideração que o país, apesar de ter sido dos primeiros a iniciar a vacinação e a alojar algumas das principais farmacêuticas produtoras das vacinas, como a Pfizer e a Moderna, enfrenta um movimento antivacina de peso. Até agora, estão completamente vacinados apenas 52,32% dos norte-americanos.

Para constatar a relativa pequenez desse percentual basta compará-lo com os números de vacinados em Portugal, igualmente no início de setembro, um país que não enfrenta nenhum movimento negacionista importante: 84,84% tinham a primeira dose, enquanto 73,87% já estavam completamente vacinados.

Dois tipos de negacionismo

O negacionismo enquanto movimento ou atitude que nega a doença e/ou os recursos cientificamente comprovados para combatê-la, como a vacinação, o distanciamento físico e as máscaras, é muito forte em vários países, como França, Alemanha ou Israel. É o que explica porque apresentam percentagens de vacinados inferiores às de Portugal ou Espanha, por exemplo. Mas não é este o negacionismo mais cruel e perigoso para a Humanidade. Bastante pior é o negacionismo do capitalismo, que nega vacinas à grande maioria da população, a viver em regiões que não têm recursos para comprá-las, como África e Ásia.

Apesar do apelo da OMS para que se quebrassem as patentes das vacinas ou mesmo para que se prescindisse de uma terceira dose para que todos pudessem ser vacinados, nenhum país rico concordou com isso. O próprio presidente Joe Biden manifestou-se favorável à quebra das patentes, mas não passou de um suspiro piedoso, sem qualquer consequência prática. As farmacêuticas continuaram, alegremente, a exibir os seus lucros formidáveis.

Basta vermos os índices de vacinação dos países africanos que fazem parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) para concluirmos que nela não há comunidade: Angola, 3,4% (1 dose) e 2,7% (2 doses); Guiné-Bissau, 1,40% (1 dose) e 0,15% (2 doses);  Moçambique, 5,1% (1 dose) e 2% (2 doses); Cabo Verde, 42% (1 dose) e 13% (2 doses); e São Tomé e Príncipe, 15% (1 dose) e  5,3% (2 doses).

A quase ausência de vacinação em África impele o crescimento do número de casos e mortes no continente: quase 8 milhões de africanos infetados e 199.500 mortos, de acordo com dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana. Esta é mais uma fatura a ser cobrada às farmacêuticas e ao imperialismo.

Nem tudo o que brilha é ouro

Apesar do sucesso obtido pela vacinação, os portugueses não têm motivos para comemorar. Como resultado da pandemia, pelo menos 110 mil trabalhadores ficaram desempregados, um aumento de 37%.

Além disso, o Ministério das Finanças divulgou o valor do rombo causado pela pandemia na dívida pública, que pode chegar aos 40 mil milhões até o final do próximo ano. Como é habitual, os governantes terão a tendência de empurrar essa fatura para os debaixo.

Por fim, a má notícia é que, ao contrário do que às vezes a prática e as vacilações do Governo dão a entender, a pandemia não acabou, e as vacinas, por mais eficientes que sejam, não protegem 100% e têm de ser acompanhadas por outras medidas, como distanciamento físico e máscaras. Variantes como a Delta e outras que possam surgir comprovam que ainda é cedo demais para comemorar, também no terreno sanitário.

 

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