Paraguai| Três anos de mais do mesmo frente a um governo que está de saída
Sem dúvida a continuidade da aguda crise sanitária e socioeconômica, produto da pandemia, não deixou nenhum governo do mundo ileso. Entretanto, há governos como o de Abdo Benítez que, no contexto de uma crise fenomenal, longe de mudar a orientação característica de administrações corruptas e indiferentes aos grandes problemas que a população sofre, continuou no mesmo curso, aprofundando ainda mais as penúrias da classe trabalhadora e privilegiando os setores burgueses do capital nacional e internacional.
Por: PT-Paraguai
Um governo moribundo
A debilidade política, cada vez maior, do governo não pode ser entendida apenas a partir do desenvolvimento corrupto – próprio das administrações coloradas (partido Colorado, ndt.) – somado às medidas insensatas e superficiais adotadas, mas fundamentalmente pela sua dependência – e consequentemente condicionamento – ao setor burguês mais degradado e reacionário do regime, o cartismo (Horacio Cartes, ndt.).
Antes da metade do mandato de Abdo ser cumprida, o projeto Añeteté se evaporou. Embora a crise interna tenha impactado em ambas facções, de longe o setor governamental é o mais atingido, dividido e desorientado.
Isto não só foi visto no resultado das internas municipais, mas na antecipada candidatura de pesos pesados como a do vice-presidente Hugo Velázquez e do Senador Juan Afara para a presidência da república e da ANR (Associação Nacional Republicana, mais conhecida como Partido Colorado) respectivamente e como resposta ao anúncio cartista da dupla Peña/Aliana para 2023.
Este quadro expõe fundamentalmente duas questões. Por um lado, agora só reta a Abdo procurar encerrar seu mandato amortecendo, de alguma forma, os golpes, produto da crise e das internas, mantendo a aliança por conveniência com o cartismo.
Por outro lado, o cansaço dos de baixo em relação ao governo, explica o prematuro lançamento de Velázquez, se descolando do inútil Abdo; como uma reação de um setor que busca reorganizar o partido colorado por fora de Cartes.
Tanto vislumbram a crise que arrastam, que a perspectiva de alianças externas por parte de Velázquez surge de maneira inédita. Entretanto, esta jogada antecipada implica em impulsionar as forças internas, sem descartar a possibilidade de acordos com o cartismo, a fim de evitar novas guerras internas e obter uma candidatura consensual.
Embaixo se respira muita raiva
As mobilizações desenvolvidas nas últimas semanas (caminhoneiros, camponeses, indígenas, docentes e médicos) embora pudessem ser caracterizadas como habituais na disputa por um orçamento geral de acordo com a satisfação de mínimas reivindicações, assim como a assistência efetiva prometida no marco da reativação econômica, constituem reações frente à insustentabilidade da crise e da possibilidade certa de arrebatar melhorias de um governo débil e covarde.
Os princípios de acordos relativamente rápidos com os setores, não pretendem apenas empurrar os problemas para depois das eleições municipais, mas fundamentalmente para que não sejam o estopim que desencadeie novas mobilizações como em março.
Uma crise aberta
A quantidade de infectados e mortos nos picos da pandemia, nos primeiros meses do ano, deixaram o executivo cada vez mais debilitado. A chegada de doações em maiores proporções trouxe um respiro e descomprimiu as altas tensões por baixo, o que se juntou com a imunidade de rebanho obtida pela quantidade de contágios nos locais de maior concentração populacional, implicando na diminuição de contágios e mortes. Entretanto, esta situação pode ser só momentânea, se o sistema sanitário não estiver melhor equipado para enfrentar uma terceira onda que chegará nos próximos meses com as novas cepas.
Quanto ao econômico, a suspensão quase total das restrições e a reativação praticamente normal da vida social significou uma lufada de ar. Entretanto, a retomada das atividades de trabalho como uma situação de reestabilização está muito longe de ser um elemento suficiente para se poder falar de uma recuperação dos setores mais amplos da classe trabalhadora.
O aumento meteórico do combustível impactou notavelmente o custo da cesta básica familiar e em praticamente todos os custos da economia. Para o cúmulo dos males, se prevê um novo aumento nos próximos meses e a insustentabilidade de continuar pagando o subsídio aos empresários parasitas do transporte público. Os três aumentos no ano do petróleo bruto já geraram uma disparada de preços gerais, afetando não apenas o ramo dos alimentos, mas todas as cadeias produtivas, incidindo também nos preços de aluguéis e serviços gerais.
Embora os informes do BCP (Banco Central do Paraguai) , tanto do primeiro como do segundo semestre do ano, mostrem uma recuperação dos principais ramos da economia, estes não tem nenhum efeito relevante para os de baixo. Os saldos positivos da balança comercial de pagamento aumentam a acumulação do grande capital, sem que isso leve ao famoso efeito derrame e a irrigação para todos os setores da classe. Seu impacto é sempre indireto e depende do clima econômico para que ocorra. Em uma situação de crise como a que vivemos, a tendência do capital acumulado é a poupança e o investimento especulativo, não o investimento produtivo (Lei da tendência decrescente da taxa de lucro).
O que não pode ser ignorado é que estes superávit nos principais ramos de exportação dão uma sensação de maior tranquilidade aos grandes capitalistas e, portanto ajudam a aquietar as turbulências políticas que ocorriam com força por cima. Entretanto, por baixo a situação continua sendo de escassez, com a recuperação raquítica de certos ramos de setores médios, sobretudo do setor comercial.
A política do Estado capitalista é aprofundar a desregulamentação trabalhista, flexibilizar ao máximo as relações trabalhistas, avançar nas privatizações, perseguir ainda mais a política fiscal, reduzir o Estado, etc. As medidas perfiladas concretamente são relançar os planos tanto da reforma da previdência, privatização da ANDE (Administração Nacional de Eletricidade), negociar o Anexo C de Itaipú em favor dos novos barões e do capital brasileiro, continuar com maior endividamento e em consequência reajustar a reforma tributária em detrimento da classe trabalhadora e dos setores médios, entre outras medidas. Em síntese, para assegurar que a grande burguesia mantenha níveis de lucro, abrir novos mercados, manter e aprofundar as taxas de exploração e sustentar com uma assistência focada nos setores mais arruinados do proletariado.
Em resumo, podemos dizer que, apesar das recuperações parciais da economia, as previsões das entidades transnacionais (BM, FMI, etc.) falam de recuperações espasmódicas, mas o que prevalecerá será uma piora generalizada da economia que caminha para uma nova recessão a nível mundial, muito mais séria do que as vividas recentemente antes da pandemia. Nesse sentido, as condições de miséria irão se exacerbar projetando novas explosões e maiores níveis de repressão.
Por baixo, muita raiva continua se acumulando por tantos doentes, mortes e demissões. O governo tenta apagar o mais rápido possível todos os focos de incêndio antes que voltem a queimar a casa. Será preciso ver se novas irrupções do movimento poderão superar o que foi em março passado. O governo de Abdo em seu terceiro ano de mandato tem como objetivo prevenir-se disso, a todo custo, para evitar sair antecipadamente.
As tarefas de nossa classe
A tarefa das organizações do povo trabalhador do campo e da cidade é fazer um grande esforço para caminhar para uma verdadeira independência de classe, isso implica não apenas desconfiar de toda alternativa liberal que se apresente como alternativa, como também discutir um programa classista conectado com as necessidades mais sentidas de nossa classe para mobilizar o conjunto da classe trabalhadora e derrubar este governo corrupto apontando para a construção de um futuro socialista.
Tradução: Lilian Enck