A natureza da Segunda Guerra Mundial (Parte 1)
Em setembro de 1939, o exército da Alemanha invadiu a Polônia com o objetivo de anexar esse país. Este fato foi o que desencadeou a Segunda Guerra Mundial, que se estenderia até 1945.
Por: Alejandro Iturbe
Foi o maior conflito bélico que já viveu a humanidade até hoje: no total, se mobilizaram mais de 100 milhões de combatentes e se estima que ocasionou mais de 50 milhões de mortes, entre as baixas militares e os civis afetados pelos efeitos da guerra.
Intervieram dezenas de nações, alinhadas em dois blocos. Por um lado, os Aliados, cujos principais membros iniciais foram França e Inglaterra, aos quais se somou a URSS (logo depois da invasão nazi, em meados de 1941) e os EUA (depois do ataque japonês na base aeronaval de Pearl Harbor, no Havaí, no final de 1941). Por outro lado, o Eixo¸ constituído centralmente por Alemanha (sob o regime nazi encabeçado por Adolf Hitler); Itália (dominada pelo regime fascista de Benito Mussolini) e o império japonês.
O militar prussiano Carl von Clausewitz dizia que “a guerra é a continuação da política por outros meios” [1]. Este conceito foi reivindicado por Lenin em seu trabalho sobre a I Guerra Mundial, a partir de um enfoque marxista: as guerras, como a “política”, expressam a defesa dos interesses de classe e os conflitos desses interesses, entre a burguesia e o proletariado, e entre as distintas frações da burguesia, em nível nacional e internacional [2].
A partir deste critério de classe, tentaremos abordar uma análise do que Lenin chamava “a natureza particular de cada guerra” (contra o enfoque que aplica o “pacifismo vulgar” que iguala todas as guerras), para determinar uma posição marxista revolucionária frente a ela.
A Segunda Guerra Mundial já é parte da história, mas suas consequências influenciaram toda a história mundial posterior. É muito importante, então, compreender sua “natureza”, e esse será o objetivo deste primeiro artigo. Antecipando seu conteúdo, consideramos (ainda que já foi feito por outros autores e historiadores) como uma combinação complexa de várias guerras de naturezas diferentes.
A origem da guerra
A I Guerra Mundial (1914-1918) foi uma guerra inter-imperialista que modificou a correlação das potências imperialistas da época [3], reconfigurou o mapa da Europa, e também o das posses coloniais que haviam sido pactuadas na Conferência de Berlin [4].
Os impérios de duas potências derrotadas (Áustria-Hungria e Turquia) foram desmantelados e suas posses deram origem a novos países independentes ou foram repartidos entre as potências triunfantes (Inglaterra e França). Alemanha perdeu suas posses africanas e foi submetida a humilhantes condições de “reparação de guerra” no Tratado de Versalhes (1919).
A guerra também teve suas consequências negativas entre as potências que haviam feito parte do bloco vitorioso, como a Inglaterra e a França, que iniciavam uma lenta, mas progressiva decadência. A Itália, apesar de ter sido parte do campo triunfante, saía com uma crise econômica-social gravíssima. Não foi o caso do Japão que aproveitou o conflito para ampliar seus domínios no Pacífico Ocidental, especialmente na China. Enquanto os Estados Unidos, que havia ingressado nesse bloco somente em 1917, emergia como o país imperialista mais dinâmico e poderoso.
Porém, a consequência mais importante da guerra foi a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia e a construção do primeiro Estado Operário da história. Um ator novo e diferente entrava no palco, e gerava uma onda expansiva na Europa e no mundo. Um fator que até esse momento nunca tinha acontecido na política mundial (nem nas guerras). Iniciava-se o que Lenin denominou de “a época de guerras e revoluções”.
Os problemas não resolvidos
A Primeira Guerra Mundial havia deixado sem resolução a definição de hegemonia imperialista internacional, assim como numerosos conflitos nacionais e regionais entre as nações e dentro das pressões coloniais e áreas de influência. Nesse contexto, uma resolução da III Internacional em 1922 previa: “As tentativas das grandes potências imperialistas de criar uma base permanente para seu predomínio mundial fracassaram lamentavelmente devido a seus interesses contraditórios. A “grande obra de paz” se arruinou. As grandes potências armam a seus Estados vassalos frente a uma nova guerra. O militarismo está mais fortalecido que nunca. E ainda que a burguesia teme ansiosamente uma nova revolução proletária com uma guerra mundial, as leis internas da ordem social capitalista tendem irresistivelmente a um novo conflito mundial”. [5].
As contradições não se limitavam nas disputas entre “vencedores e vencidos”, mas se expressavam com muita agudeza dentro do próprio campo dos vencedores. Inglaterra (até então primus interpares) havia sido vitoriosa, mas como dissemos, iniciava um processo de decadência e precisava defender seu espaço (o mesmo vale para outras potências europeias sobreviventes). Os Estados Unidos emergia como a potência mais forte, mas, até o momento estava concentrado na submissão da América Latina como seu “quintal”, e havia incorporado poucas posses ultramar: Havaí, como “Estado da União” em 1898, e Filipinas, como posse colonial, nesse mesmo ano [6].
A ascensão do fascismo
A burguesia imperialista estadunidense começava a colocar seus ávidos olhos no resto do mundo e a Inglaterra aparecia como o rival a superar (diminuía a ameaça alemã e um pouco distante as aspirações japonesas). Trotsky inclusive chegou a trabalhar com a hipótese de que este poderia ser o centro do conflito em uma nova guerra mundial.
Porém, a realidade seguiu outro curso. A Revolução Russa havia gerado uma onda expansiva para o ocidente europeu que alcançava a própria Alemanha, provocava a caída do regime do Kaiser (imperador) e o surgimento de uma débil república burguesa.
A ameaça da revolução operária e socialista era um perigo presente e imediato. A tentativa de liquidar a experiência do Estado operário russo e seu próprio nascimento, com a intervenção de vários exércitos imperialistas e a guerra civil havia sido derrotada. Para enfrentar a revolução em seus próprios países, as instituições da democracia burguesa pareciam insuficientes.
Nesse contexto, setores da burguesia imperialistas começavam a impulsionar o fascismo como política global de choque, capaz de derrotar a revolução [7]. Seu primeiro triunfo se deu na Itália nos finais de 1922, quando milhares de “camisas pretas” de Benito Mussolini tomaram o poder em Roma (ante a passividade do exército e a polícia). Foi a resposta da burguesia italiana ao chamado “biênio vermelho” (1919-1921), uma potente onda de greves e formação de conselhos de fábricas, com duros enfrentamentos com a repressão. A burguesia aproveitou a brecha que deixava o fato que este ascenso revolucionário não havia levado até a tomada do poder pela classe operária [8].
O triunfo mais importante deste avanço do fascismo se deu, sem dúvidas na Alemanha, a partir da ascensão de Adolf Hitler e o Partido Nacional-Socialista (nazi) ao poder a partir de 1933. O Reichstag (parlamento) foi fechado e em agosto de 1934, depois da morte do presidente Paul von Hindenburg, Hitler se declarou furher (condutor ou líder) da Alemanha.
É impossível entender a ascensão do nazismo ao poder sem considerar a derrota ou o fracasso de vários processos revolucionários prévios do proletariado alemão, como o de 1918-1919 (por imaturidade ou inexistência de um verdadeiro partido revolucionário) e o de 1923 (por indecisão da direção comunista alemã). E, fundamentalmente, a política criminosa que impulsionou o PC alemão a partir das orientações da III Internacional dirigida pelo estalinismo, o que levou Trotsky a romper com ela com a conclusão de que “estava morta como organização revolucionária do proletariado”[9].
Em nível nacional, o fascismo (incluímos o nazismo nessa definição) implica a derrota da revolução e a destruição de toda a organização da classe operária com métodos de guerra civil. Mas sendo este seu objetivo central, implica também a destruição das instituições da democracia burguesa e a instauração de um regime qualitativamente diferente. É um elemento mito importante que depois retomaremos.
Primeiro componente: uma guerra inter-imperialista
A burguesia imperialista alemã aspirava, através do regime nazi, a uma ampliação qualitativa de seus espaços geográficos de domínio e, especialmente, se transformar em potência hegemônica na Europa. Esse é o significado profundo dos conceitos de Lebensraum (“espaço vital”) e de “superioridade da raça ariana” que postulava a ideologia nazi. A burguesia e o fascismo italiano se acoplavam como sócios menores neste projeto. E, no Oriente Médio, o Japão pretendia deslocar a Inglaterra como velha potência dominante do Pacifico oriental, e disputar com os Estados Unidos esse domínio. Para as burguesias imperialistas britânica e francesa, isso representava uma nítida ameaça.
Podemos dizer que o projeto nazifascista foi avançando passo a passo. A guerra civil espanhola (1936-1939) foi em grande medida um ensaio. Em primeiro lugar, para medir a política criminal do estalinismo, o que acabou sendo um fator essencial na derrota do campo republicano e o triunfo do setor encabeçado por Francisco Franco (variante espanhola do fascismo). Em segundo lugar, para medir a atitude que teria nas “potências democráticas” (Inglaterra, França e Estados Unidos), que fizeram “como que apoiavam” a República, mas, frente a revolução espanhola, deixaram correr o triunfo franquista [10].
A dinâmica e o resultado da guerra civil espanhola abriram as portas e aceleraram os tempos. Em março de 1938, Alemanha já havia invadido e anexado a Áustria como uma província do III Reich (III Império alemão). Em março de 1939, as tropas alemãs invadem, ocupam e anexam a Checoslováquia. Em ambos os casos, ante o olhar passivo da burguesia da Inglaterra e da França.
Hitler se sente fortalecido e, como vimos, em setembro desse ano invade a Polônia e controla com facilidade o ocidente do país. O oriente polaco é ocupado por tropas do Exército Vermelho, como parte do acordo assinado entre o regime nazista e o estalinismo (o “pacto Molotov-Von Ribbentrop”).
A invasão da Polônia significou um ponto que quebra na situação: a burguesia inglesa, que tinha muito interesse na Polônia, saiu de sua passividade anterior e declarou guerra contra a Alemanha, seguida por outras nações da Commonwealth, como Canadá e Austrália. No mesmo dia, o governo francês tomou igual decisão. Havia começado oficialmente a Segunda Guerra Mundial.
As frentes da guerra
Esta guerra inter-imperialista se desenvolveu em várias frentes. Por um lado, a frente europeia ocidental: nos primeiros meses de 1940, a Alemanha invadiu a Noruega e a Dinamarca. Em maio, avança sobre os Países Baixos (Holanda, Bélgica e Luxemburgo), a pesar de que estes países se haviam declarado neutros.
Nesse mesmo mês, inicia sua ofensiva sobre a França: as defesas francesas cedem rapidamente e as tropas inglesas no continente são empurradas até o Mar do Norte e obrigadas a voltar para a Grã-Bretanha. Em junho é assinado um armistício: os nazistas ocuparam todo o norte do território francês (incluindo Paris) e permitem a instalação de um governo francês colaboracionista no sul do país, encabeçado pelo marechal Pétain (conhecido como “regime de Vichy” pela cidade em que tinha sua sede). Nesse mesmo ano, o regime nazista lança uma ofensiva de ataques aéreos sobre Londres e Grã-Bretanha (que acabaria sendo derrotada pela aeronáutica e as defesas britânicas, o que provocaria um grande desgaste em seu poder aéreo).
Esta frente ficou em grande medida “congelado” em suas ações terrestres, durante vários anos. Algumas forças guerrilheiras nacionais exerceram resistência à ocupação nazista; as tropas britânicas não tinham condições de iniciar uma contraofensiva terrestre e os Estados Unidos estava muito mais preocupado pela disputa com o Japão no Pacífico Oriental. Houve vários ataques aéreos conjuntos britânico-estadunidense de “amolecimento” da população civil de cidades alemãs e de destruição de plantas industriais e de transporte. Este congelamento de ações terrestres somente começaria a mudar sua dinâmica a partir da invasão da Normandia (norte da França) em junho de 1944: o famoso “dia D” [11].
Na frente europeia oriental, em 1941 os governos da Hungria e da Bulgária se unem ao Eixo. Juntos, invadem e desmembram a Iugoslávia. Criam o “estado independente da Croácia” (incorporando a Bósnia e a Herzegovina), sob o domínio da organização fascista ustasha, e dividem o resto do território.
A Itália, que havia anexado a Albânia em 1939, depois de se unir oficialmente ao Eixo em junho de 1940, decide atacar a Grécia. Ante o fracasso da ação, deve requerer auxilio das tropas alemãs e o país é dividido em três áreas de domínio (incluindo a Bulgária na região de Trácia).
Consolidando seu domínio até as fronteiras da URSS, e com a “tranquilidade” que analisamos na “frente ocidental”, Hitler decide romper o pacto nazi-estalinista e, junto com seus aliados, invade o território soviético, em junho de 1941. A partir desse momento, a “frente europeia oriental” é sinônimo desta guerra de natureza diferente da que analisamos até agora; um tema que abordaremos na segunda parte deste artigo.
Outra frente importante da guerra inter-imperialista foi o Pacífico oriental, entre as tropas, barcos e aviões do Japão e dos Estados Unidos (com participação secundária da Grã-Bretanha). Depois do seu avanço no domínio de importantes regiões da costa chinesa, entre 1941 e 1942 as tropas japonesas atacaram e conquistaram as Filipinas, a Indochina francesa (atuais Vietnam, Laos e Camboja), a Malásia e a Tailândia, e as colônias britânicas de Singapura e Hong Kong. A partir desses êxitos tentavam se estender até a Birmânia (onde foram detidos pelos britânicos) e a Austrália.
A partir de sua entrada na guerra, despois do ataque a Pearl Harbor (1941) e de algumas derrotas (como na defesa das Filipinas), as forças estadunidenses conseguiram uma vitória decisiva na batalha de Midway (junho de 1942) que mudaria o curso das coisas; os japoneses estavam freando seu avanço para Austrália em Guadakcanal (Ilhas Salamão) e começavam a retroceder.
Porém, apesar de não ter condições de reverter esta dinâmica, não se rendem até agosto-setembro de 1945, depois das bombas atômicas enviadas pela aeronáutica estadunidense destruírem as cidades de Hiroshima e Nagasaki [12]. É interessante destacar que, no contexto desta guerra inter-imperialista entre os Estados Unidos e o Japão, o imperialismo britânico decide dar um “passo atrás” e deixar nas mãos de seu maior aliado o esforço bélico e o controle posterior da região.
Finalmente, houve uma frente nesta disputa inter-imperialista: o norte da África. Esta região não tinha importância imediata para a Alemanha nem para o Japão, a Itália já tinha a posse colonial da Líbia mas havia sido derrotada em sua tentativa de anexar a Etiópia, na guerra de 1935-1936. Aspirava obter mais territórios nessa região.
Com esse objetivo, em setembro de 1940 lança uma forte ofensiva contra o Egito (então protetorado britânico) contra a opinião de Hitler, que não queria dispersar forças. A pesar da inferioridade numérica, as tropas aliadas iniciam um exitoso contra-ataque que obriga ao regime nazi a acudir novamente em ajuda de Mussolini, com tropas e blindados ao mando de Erwin Rommel (a África Korps). A habilidade tática de Rommel (chamado a “raposa do deserto”) permitiu estender essa frente da guerra frente às forças aliadas comandadas pelo britânico Bernard Montgomery. Mas a superioridade de tropas e matérias acabaram prevalecendo, e depois de uma série de ofensivas os aliados obtiveram a vitória definitiva na El Alamein (outubro de 1942). As tropas alemãs (150.000 soldados) fugiram até o Oeste, ficaram presos na Tunísia e se renderam em maio de 1943.
Notas:
[1] Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz (1780-1831) foi um general do Reino da Prússia. É considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra. Sua principal obra é Vom Kriege (Da Guerra). Ver, entre outras, a publicação em espanhol das Edições Tikal – Militaria Editorial Susaeta, Madrid, Espanha 2015.
[2] Ver “O socialismo e a guerra” (1915) em https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/1915sogu.htm
[3] Sobre a Primeira Guerra Mundial ver https://litci.org/es/menu/teoria/historia/centenario-del-fin-la-primera-guerra-mundial/ e https://litci.org/es/archive/cien-anos-de-la-primera-guerra-mundial/ entre outros artigos deste site.
[4] Sobre a Conferencia de Berlim recomendamos ler o artigo “El reparto de África” de Américo Gomes na revista Correio Internacional, 19, março de 2018, Editora Lorca AS, São Paulo, Brasil.
[5] “Resoluções sobre o Tratado de Versalhes”, votada no IV Congresso da III Internacional (1922), em https://www.marxists.org/espanol/comintern/eis/4-Primeros3-Inter-2-edic.pdf, p. 219.
[6] Sobre a dinâmica da burguesia estadunidense recomendamos ler https://litci.org/es/menu/teoria/historia/la-independencia-de-los-estados-unidos/
[7] Sobre o tema do fascismo, recomendamos ler o extenso trabalho de Trotsky
https://www.elsoca.org/pdf/libreria/La%20lucha%20contra%20el%20fascismo-completo.pdf
[8] Sobre o tema do “biênio vermelho” italiano ver o artigo dos camaradas do PdAC “Trotsky e o setembro de 1920” em https://litci.org/es/archive/trotsky-y-el-septiembre-de-1920/
[9] Ver o artigo de Leon Trotsky “A tragédia do proletariado alemão” em https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1933/marzo/14.htm
[10] Ver o escrito de Leon Trotsky “Lições da Espanha: última advertência” (1937) em http://www.posicuarta.org/pdf/LecEspLT.pdf e a recopilação de textos deste autor A Revolução Espanhola (1930-1939) em https://www.marxists.org/espanol/trotsky/rev-espan/index.htm
[11] Sobre este tema, ver https://litci.org/es/menu/teoria/historia/algunas-consideraciones-sobre-el-dia-d/
[12] Sobre este tema, ver https://litci.org/es/menu/teoria/hiroshima-y-nagasaki-el-imperialismo-mata/ e https://litci.org/es/menu/teoria/70-anos-despues-de-hiroshima-y-nagasaki/
Tradução: Túlio Rocha