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Na ONU, mais um discurso para gringo ver

septiembre 26, 2013

Já se tornou habitual. Em seu discurso na 68ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, na manhã deste 24 de setembro em Nova Iorque, a presidente Dilma Rousseff, mais uma vez, jogou para a plateia e falou todo o contrário do que pratica no próprio país que governa.
Em uma fala recebida como "dura" e "contundente" pela imprensa internacional, Dilma denunciou a espionagem praticada pelo governo dos EUA através da NSA (sigla da Agência Nacional de Segurança, em inglês), chegando a afirmar que o caso vindo à tona com as revelações de Edward Snowden representava um "sério caso de violação dos direitos humanos e desrespeito à soberania".
Chamando a espionagem dos EUA, que atingiu a comunicação oficial da presidente e também a Petrobrás, de "afronta", Dilma defendeu uma espécie de regulamentação multilateral da Internet, a fim de impedir que a rede seja transformada em uma "arma de guerra". A presidente chegou a utilizar seu passado de guerrilheira para atacar a política de espionagem dos EUA contra outros Estados. "Como tantos outros latino-americanos, lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu país", discursou.
Como não poderia deixar de ser, a presidente falou também sobre os protestos que tomaram conta do país em junho, fato que tomou os noticiários de todo o planeta e pelo qual ela se viu obrigada a dar uma resposta. Dilma disse que seu governo não reprimiu os protestos, mas "ouviu e compreendeu a voz das ruas". Só faltou dizer que, em meio aos protestos, o governo colocou a Força Nacional de Segurança e o Exército para “ouvir” melhor o som das ruas, como durante os jogos da Copa das Confederações. Mas foram muitas coisas que Dilma não tocou durante seu bonito discurso na ONU.
Hipocrisia
Como já é de costume, o discurso do governo brasileiro na ONU, voltado para o público externo, tem pouca relação com suas práticas aqui. É sintomático que, por exemplo, o discurso de Dilma tenha tido como pontos centrais a denúncia da espionagem e a defesa da soberania, a menos de um mês do leilão do Campo de Libra, o primeiro dos leilões do Pré-sal e que deve ser a entrega do maior campo de petróleo da história, marcado para o dia 21 de outubro.
O campo da Bacia de Santos possui capacidade de produzir de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo, segundo estimativas, cujo valor total pode chegar a 1,2 trilhão de dólares. Será simplesmente a maior desnacionalização já realizada nesse país, superando as privatizações do governo tucano.
Mas e a aviltante espionagem dos EUA? Diante das câmeras, Dilma demonstrou indignação com os casos de monitoramento recentemente revelados. Só não disse que, no Brasil, os agentes norte-americanos da CIA têm livre trânsito, atuando junto à Polícia Federal e ao Exército brasileiro para, supostamente, combater o terrorismo. Reportagem da Folha de S. Paulo do dia 15 de setembro mostra como os agentes norte-americanos coordenam a Divisão Antiterrorismo da PF em Brasília, formada por 40 policiais.
A atuação dos agentes da CIA, porém, não se limita à capital federal, mas atinge todo o país. Eles dão linha de investigação e apontam suspeitos para serem acompanhados. Na prática, comandam todo um conjunto de policiais federais. Cinco bases da PF funcionariam no país e teriam como objetivo o "combate ao terrorismo": no Rio, em São Paulo, em Foz do Iguaçu e em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Todos com o suporte da CIA. Como bem apontou o próprio governo brasileiro recentemente, no entanto, terrorismo nunca foi uma preocupação nacional.
Em outras palavras, o próprio governo brasileiro garante as bases e condições para a espionagem que agora denuncia com tanta indignação.
Espionagem contra os movimentos sociais
Além de dar suporte à atuação dos agentes norte-americanos, o governo brasileiro ainda lança mão dos mesmos métodos que denuncia contra os movimentos sociais. Em julho último a própria ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) admitiu "monitorar" as redes sociais para acompanhar os movimentos sociais, como meio de subsidiar com informações o Executivo e os órgãos policiais.
As ações, no entanto, não se limitam ao monitoramento. Na greve no Porto de Suape (em Pernambuco) em abril, comprovou-se a atuação de agentes da ABIN infiltrados entre os trabalhadores. Exemplos não faltam. No começo do ano, um agente a serviço da ABIN já havia sido flagrado espionando uma reunião do movimento contra a construção da Usina de Belo Monte. É uma prática permanente e generalizada, não só das forças policiais (como tanto se viu em junho), mas do próprio Estado brasileiro.
E nesses casos, não seriam também “violações dos direitos humanos”, presidente?