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sexta-feira, abril 19, 2024

Todo o apoio ao levante popular no Iraque

O povo trabalhador do Iraque impulsiona um extraordinário levante de massas em Bagdá e no sul do país desde o dia 1 de outubro com um intervalo de três semanas.

A repressão tem sido brutal. Já são 261 mortos e mais de cinco mil feridos. Os serviços de internet estão sendo repetidamente interrompidos para evitar a comunicação entre os manifestantes.

Por: Hassan al-Barazili

Em Bagdá há uma concentração permanente de milhares na praça Tahrir, ponto de partida para os confrontos sobre a ponte dos mártires e a ponte da república que liga a praça à chamada zona verde, área de segurança onde se concentram a administração pública, as embaixadas estrangeiras e a administração americana. Estudantes e sindicalistas engrossaram o movimento. Todos as pontes que ligam à zona verde estão bloqueadas pelas forças de segurança.

https://www.facebook.com/aljazeera/videos/453118528649269/

# Tradução do vídeo no final do artigo

Em Najaf os manifestantes tentaram ocupar o consulado iraniano, na mesma cidade onde se concentram as fortes brigadas pro-iranianas Badr.

Mais ao sul, próximo de Basra, os manifestantes bloquearam desde o dia 2 o porto Umm Qasr, principal entrada de importações do país. Segundo o governo, as prejuízos atingiram US$ 6 bilhões. Os manifestantes estão na batalha para bloquear a extração e exportação de petróleo. No dia 6, eles bloquearam a refinaria de petróleo em Nassiriya, provocando desabastecimento na província de Dhi Kar no sul do país. A refinaria está operando à metade de sua capacidade.

Estas não são as primeiras mobilizações da resistência iraquiana. Na verdade, desde a invasão do Iraque e da ocupação americana em 2003 há mobilizações populares contra a pobreza, a austeridade, a corrupção e a ocupação americana. Essas mobilizações até hoje impedem uma vitória americana. Mas nos últimos dois anos houve uma mudança de qualidade nas reivindicações, expressando uma nova consciência.

Em primeiro lugar, os manifestantes identificam não apenas o imperialismo americano como seu principal inimigo mas também o regime iraniano e seus aliados no Iraque. Esse salto é muito importante pois a burguesia xiita majoritariamente apoiou e se associou à ocupação americana criando ilusões entre a população xiita de que a ocupação seria benéfica. Essas ilusões se dissiparam rapidamente mas apenas nos últimos dois anos é que também o regime iraniano passou a ser visto como responsável pela crise.

Em segundo lugar, os manifestantes defendem o fim do regime sectário que fora criado pela ocupação americana com o apoio da maioria da burguesia xiita e curda. Esse regime corrupto na prática regula a divisão da renda do petróleo, os empregos públicos e outros negócios do Estado entre as burguesias xiita, sunita e curda. Neste momento, toda a elite econômica, política e religiosa está sendo responsabilizada pelos manifestantes, sem exceção.

Em terceiro lugar, os manifestantes buscam interromper as atividades econômicas e ocupar áreas estratégicas para impor suas reivindicações.

A ocupação americana: assalto ao petróleo, desmonte do Estado e regime sectário

As reivindicações dos manifestantes se dirigem diretamente às políticas impostas pela ocupação americana desde 2003:

a) o assalto à renda do petróleo que está por trás do desemprego e do empobrecimento da população;

b) o desmonte dos serviços públicos entre eles saúde, educação, assistência social, provimento de energia elétrica e água potável, além da aplicação das políticas neoliberais de Estado mínimo;

c) a imposição de uma nova constituição e de um regime sectário ao modelo libanês baseado na divisão da população em xiitas, sunitas e curdos.

Burguesia iraquiana a bordo dos tanques americanos

A invasão e ocupação americanas (denominadas de forças da coalizão pois incluía tropas do Reino Unido, Itália e Austrália, além do apoio de vários países) trouxe de carona não apenas seus agentes diretos como Ahmed Chalabi mas também os setores burgueses que as apoiaram desde o início como a burguesia xiita ligada ao regime iraniano (partido Dawa e o Conselho Supremo Islâmico Iraquiano) e a burguesia curda (os partidos KDP e PUK).

Esses setores burgueses se tornaram os sócios iraquianos do assalto às riquezas nacionais promovido pelos americanos. Houve setores burgueses que se opuseram à ocupação americana principalmente entre a burguesia sunita ligada ao regime de Sadam Hussein e um setor minoritário da burguesia xiita representada pelo clérigo Moktada al-Sadr.

Moktada al-Sadr: contra a ocupação americana mas aliado ao regime iraniano

O clérigo Moktada al-Sadr, integrante de uma tradicional família clerical burguesa, se fortaleceu se opondo à ocupação americana e denunciando a corrupção do regime.

Sua força também vem de sua base social nos bairros populares xiitas de Bagdá e das cidades do sul, e das milícias que organiza: o Jeish al-Mahdi (2003-2008) formado com o apoio iraniano e agora a Saraya al-Salam (Companhias da Paz).

Ele defende uma república islâmica ao modelo da iraniana baseada na população árabe xiita e sunita (sobre os curdos sua posição não é clara).

Nas últimas eleições, sua coalizão eleitoral com o partido comunista foi vitoriosa derrotando tanto os candidatos do partido Dawa (Al-Abadi que proclamava sua vitória contra o Daesh e al-Maliki) como também o líder das poderosas milícias Badr, Hadi Al-Amiri, que ficou em segundo lugar.

No entanto, ainda que hoje, sob o calor das manifestações, Moktada al-Sadr defenda o fim da influência iraniana no Iraque, ele mantém sólidas relações com o regime iraniano e com o Hezbollah libanês.

Além disso, apesar de seu discurso a favor da unidade entre xiitas e sunitas, suas milícias são acusadas de participação em ações sectárias contra a população sunita tanto em 2004-2006 como mais recentemente em Jurf al-Nasr (2014) e Tikrit (2015) sob alegação de guerra contra o Daesh.

A esquerda iraquiana frente à ocupação

O Partido Comunista Iraquiano, principal força de esquerda, na prática deu apoio crítico à ocupação americana e influenciou a Federação Sindical Iraqi Federation of Trade Unions (IFTU) a seguir o mesmo caminho. Esta Federação é a única reconhecida pelo governo e tem exclusividade na filiação de servidores públicos.

Já o Partido Comunista Operário Iraquiano se opôs à ocupação  e é uma das principais forças dirigentes da Federação Sindical Federation of Workers Councils and Unions in Iraq (FWCUI).

Em 2000, o partido irmão do PCOI no Curdistão foi duramente perseguido e reprimido por parte do partido burguês curdo PUK .

Há também uma forte Federação dos petroleiros Federation of Oil Unions of Iraq (FOUI) que se opõe à ocupação e organiza os trabalhadores de todas as principais empresas de petróleo .

A Resistência Iraquiana pode vencer!

A força da mobilização não deixa dúvidas. É possível derrubar o regime, expulsar as forças militares americanas e iranianas e nacionalizar a produção de petróleo e outras atividades econômicas para atender as necessidades da população: emprego, água potável, energia elétrica, serviços de saúde, educação e assistência social.

Há quatro iniciativas que podem fortalecer esse movimento.

A primeira é trazer a classe operária organizada para a revolta popular. É preciso chamar as federações sindicais IFTU, FWCUI e a FOUI para convocar a greve geral com atenção especial para os trabalhadores da indústria do petróleo que tem o potencial de tomar o controle da produção e exportação de petróleo. É importante lembrar que a greve geral dos trabalhadores foi decisiva para derrubar o regime do Xá Reza Pahlevi na revolução iraniana de 1979.

A segunda é fazer um chamado para a classe trabalhadora sunita e curda se incorporarem na revolta popular. O levante popular de 2014 em Fallujah com seus conselhos independentes já demonstrou seu potencial de luta. A nacionalização do levante popular ampliará as chances de vitória.

A terceira é a solidariedade internacional. Há uma revolução em curso no Líbano e em outras partes do mundo. É necessário conectar essas lutas além de fazer um chamado à combativa classe trabalhadora iraniana a que se levante contra seu próprio regime em defesa de suas reivindicações e em solidariedade à revolta no Iraque.

A quarta é a formação de conselhos que unam as forças da revolta popular às dos sindicatos, do movimento estudantil e de outros setores que vierem a se incorporar, em particular da classe trabalhadora sunita e curda. A formação desses conselhos é fundamental para disputar o poder frente aos partidos burgueses que hoje administram o governo iraquiano a mando dos Estados Unidos e do Irã. Somente um novo poder que nasça da revolta popular e da classe trabalhadora pode atender às reivindicações e necessidades da população.

# Tradução do vídeo:

“Este prédio abandonado foi tomado pelos manifestantes iraquianos. Conhecido como “Restaurante Turco” este ex-refeitório popular é agora o principal ponto de encontro dos manifestantes. Os manifestantes dizem que tomaram o edifício para impedir as forças de segurança de usá-lo para atirar neles.
O edifício está de frente para a Praça Tahrir e a ponte da República que leva para a fortificada zona verde, onde os edifícios do governo estão localizados. O restaurante é considerado a artéria, a alma, a esperança e a defesa do povo na Praça Tahrir. Essa estrutura dos anos 80 foi bombardeada em 2003 e abandonada.
Os manifestantes abastecem a ocupação com alimentos e roupas através de cordas.
Cerca de 250 pessoas foram mortas desde que os protestos começaram. As forças de segurança tentaram mais de uma vez nos expulsar e tomar o prédio, mas não conseguiram. Eles utilizaram vários meios violentos e bombas de gás lacrimogênio, mas não conseguiram.
Nós perdemos vários manifestantes, mas não deixaremos o prédio que é ponto de observação para a Praça Tahrir e a zona verde. Jamais o entregaremos para a tropa de choque!”
 
 

 

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