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domingo, junho 16, 2024

América Latina: o avanço da dominação imperialista (Parte 1)

Sempre afirmamos que o conjunto dos países latino-americanos são “semicolônias” do imperialismo, especialmente dos Estados Unidos. E também sinalizamos que esta dominação imperialista sobre o subcontinente está crescendo. O que queremos dizer com isso?

Por: Alejandro Iturbe

Lenin, em um livro que é uma referência para os marxistas na análise do imperialismo moderno, a localização dos países no contexto mundial e as relações entre eles, diz que: “os estados coloniais nos dão o exemplo das formas de transição” entre um país independente e uma colônia [1].

Considerava semicoloniais os países que, sem atingir à condição plena de colônias, sofriam ocupações militares e outorgavam concessões territoriais nas quais abdicavam de sua soberania (inclusive para a construção de enclaves). Nesta categoria incluía países como a China, a Pérsia (o atual Irã) e a Turquia.

No mesmo artigo, Lenin acrescenta: “O capital financeiro é uma força tão considerável… que é capaz de subordinar, e de fato subordina, até Estados que desfrutam de completa independência política…”. Citando outro autor, mostra o caso da Argentina como um exemplo desta situação: “A América do Sul, e, sobretudo a Argentina (diz Schulze-Gaevernitz em sua obra sobre o imperialismo britânico), encontra-se em tal situação de dependência financeira em relação a Londres, que deve ser descrita como colônia comercial inglesa” [2]. Para estes países, Lenin usou a categoria de “dependentes”.

Um novo significado de “semicolônia”

Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma mudança importante na “ordem mundial”: as velhas nações imperialistas retrocederam e emergiu uma forte potência hegemônica (Estados Unidos). Muitos países conseguiram sua independência política (alguns através de lutas árduas). A nova potência hegemônica preferiu dominar os países através do que Lenin chamou de “dependência” e não das velhas formas coloniais.

Os antigos impérios também começaram a se adaptar a essa realidade. Ao mesmo tempo, essa dependência foi consolidada por meio de pactos bilaterais ou instituições a seu serviço, como a Organização de Estados Americanos (OEA) ou a Commonwealth britânica.

Nesse contexto, a maioria das correntes marxistas começou a utilizar o termo semicolonial com um sentido diferente daquele de Lenin, porque todos eles são países politicamente independentes. Numa breve sistematização de categorias, o trotskista argentino Nahuel Moreno propôs a seguinte classificação de graus de dominação imperialista:

“Nesse sentido, propusemos três categorias [de países]: dependentes, semicoloniais e coloniais. Dependente é um país politicamente independente, isto é, elege [a] seus governantes, mas, do ponto de vista dos empréstimos, o controle do comércio ou da produção depende economicamente de uma ou várias potências imperialistas. Semicolonial é aquele que assinou pactos políticos e/ou econômicos que restringem sua soberania, sem tirá-la completamente. Colônia é aquele que sequer elege seu governo, já que ele é imposto ou controlado por um país imperialista” [3].

Uma velha história

O processo de dominação imperialista na América Latina tem algumas características particulares. A maioria dos países (com exceção de Cuba e de Porto Rico) obteve sua independência política da Espanha nas primeiras décadas do século XIX (o Haiti se tornou independente da França, o Brasil de Portugal). Em quase todos os casos, o Império britânico encorajou essas lutas.

A dinâmica burguesia norte-americana teve, a partir de sua própria conformação como burguesia independente, uma nítida política expansiva. Uma das expressões mais brutais desta expansão (como uma antecipação do monstro que seria no futuro) foi o roubo de todo o Norte de México (cerca de 50% do território que pertencia a este país), em meados do século XIX.

Consolidado seu domínio da costa do Atlântico à do Pacífico, e da fronteira com o Canadá, no norte, até o rio Grande, no sul, a burguesia norte-americana começou sua expansão para a América Latina. Tudo começou pelo que ela denominou de seu “quintal”: América Central e Caribe.

No final do século XIX, entrou em guerra com a Espanha para garantir a “independência” de Cuba. Na mesma guerra, transformou Porto Rico em “Estado Associado”. Separou o Panamá da Colômbia para garantir a construção e o domínio do primeiro canal interoceânico. Transformou outros países centro-americanos em “repúblicas das bananas” dominadas pela empresa United Fruit.

A partir daí, continuou seu avanço em direção ao sul americano onde, em vários países, disputou com a influência britânica. Mas, no contexto da Segunda Guerra Mundial, essa disputa finalizou com a retirada da Inglaterra. Os Estados Unidos se tornaram a potência imperialista dominante em todo o subcontinente. Na obra acima citada, Nahuel Moreno assinala:

“Os EUA tentou, e conseguiu em grande parte, organizar toda a América Latina como uma semicolônia. Estruturou um império neocolonial semelhante ao inglês de pós-guerra, embora mais fechado, mais férreo, com uma base mais sólida do que o britânico em declínio.

A partir da Conferência do Rio de Janeiro de 1942 e, principalmente, a de 1947, com os tratados assinados nessa mesma cidade, elaborou-se um sistema pelo qual as Forças Armadas, os Estados e a economia de todos os países americanos passaram a depender quase diretamente do imperialismo de Wall Street (…). O ponto culminante dessa nova estrutura imperial foi o famoso Pacto da OEA, cujas bases fundamentais eram os acordos do Rio de Janeiro” [4].

Desde que essa análise foi feita, nos primeiros anos da década de 1960, o processo de dominação semicolonial imperialista tendeu a se aprofundar. É verdade que, ao longo do século XX e inícios do XXI, em vários países houve processos nacionalistas burgueses que tiveram atritos com o imperialismo (como o do PRI mexicano, o MNR boliviano, Jacobo Arbenz na Guatemala, o peronismo argentino, ou o chavismo venezuelano) que, na busca de negociar um espaço um pouco maior para as burguesias nacionais, o atenuaram parcialmente.

Mas, ao não enfrentarem o problema de fundo (o domínio do capitalismo imperialista), acabaram entrando em “as gerais da lei” da submissão das burguesias nacionais (um tema que abordaremos no segundo artigo desta série). O caso da revolução cubana de 1959, a construção do primeiro Estado operário do subcontinente e seu curso posterior merecem uma análise específica, que faremos no terceiro artigo, quando nos referirmos a nossa proposta programática para acabar com essa submissão.

A dívida externa/pública

Esse aprofundamento do processo de dominação semicolonial imperialista deu-se, de certa forma, por ondas. Uma delas, produzida na segunda metade da década de 1970, quando já era evidente o fim do “boom econômico do pós-guerra” vivido em nível internacional. Expressou-se no aumento gigantesco da dívida externa dos países latino-americanos (através do Estado ou das empresas privadas), que recebiam empréstimos a taxas de juros muito baixos (inclusive abaixo da inflação) para sustentar os negócios locais das grandes empresas imperialistas seja em algum investimento real ou, essencialmente, para a especulação financeira.

No caso argentino, essa dívida passou, entre 1976 e 1982, de 7.9 bilhões de dólares para 46 bilhões. Os principais beneficiários foram cerca de 70 grandes empresas nacionais e estrangeiras. Por exemplo, os lucros obtidos pela subsidiária da Ford no país com a “bicicleta financeira” foram tão grandes que permitiram que a matriz e o conglomerado mundial superassem a crise e reconvertessem sua estrutura.

Ao mesmo tempo, uma parte da dívida “estatal” (por exemplo, aquela tomada pela empresa petroleira estatal YPF), foi realmente utilizada por empresas privadas fornecedoras para dar um salto e se transformar em “grandes grupos” (este foi o caso da Bulgheroni-Bridas e de Pérez Companc). Em novembro de 1982, a ditadura militar argentina (já em processo de queda) “estatizou” por decreto a dívida das empresas privadas (ou seja, transferiu-a para o Estado e a toda população).

Em quase todos os países houve um processo similar, de grande aumento da dívida externa. A certa altura (inícios da década de 1980), as taxas de juros começaram a subir e para os países tornou-se mais difícil ou impossível pagá-la. Iniciou então um processo interminável de renegociações do pagamento da dívida (que passou por diversas etapas) em um ciclo infernal de pagar cada vez mais, mas, ao mesmo tempo, dever cada vez mais.

Ao mesmo tempo, em cada renegociação, como condição para concessão de novos “empréstimos”, o FMI e os bancos credores exigiam planos mais rigorosos de ajuste do orçamento do Estado e das condições salariais e trabalhistas. A dívida externa transformou-se assim em um importante meio de extração de riquezas por parte do imperialismo e, ao mesmo tempo, um mecanismo de controle da economia e das finanças nacionais, e das políticas econômicas dos governos.

No caso do Brasil, essa dívida é agora contabilizada em uma conta global denominada “dívida pública”. Em 2016, o pagamento dessa dívida exigiu quase 44% do orçamento federal [5]. Esta sucção de recursos do orçamento determina a impossibilidade de qualquer investimento real por parte do Estado e inclusive da própria manutenção dos serviços existentes.

Algo que se expressa, por exemplo, na profunda decadência da educação e da saúde públicas, na queda do salário real dos trabalhadores do Estado, na deterioração das instalações e na falta de suprimentos essenciais. Em muitos Estados, a saúde pública está falida e é incapaz de atender as mínimas demandas.

Sob essas condições, periodicamente, nos momentos de incapacidade de pagamento, produzem-se “crises da dívida” nas quais a moeda nacional se “liquefaz” em relação ao dólar. Foi o caso do México, em 1994/1995, cujas repercussões internacionais ficaram conhecidas como “efeito tequila”. Em troca da ironicamente denominada “ajuda” do presidente norte-americano Bill Clinton, para que o país superasse a crise de pagamentos, o governo de Ernesto Zedillo Ponce de León deu como garantia as reservas de petróleo da estatal PEMEX.

Atualmente, a Argentina vive uma situação semelhante e sua moeda caiu para a metade de seu valor, até o momento, em 2018. Um primeiro “empréstimo” do FMI foi “devorado” pela compra especulativa de dólares pelos diferentes setores burgueses e foi necessário um segundo empréstimo para tranquilizar um pouco a situação.

Em troca, o FMI exige um plano de ajuste ainda mais duro do que aquele que o governo de Macri já vinha aplicando: a quase virtual extinção do sistema de previdência pública, aumentos brutais nas tarifas dos serviços de gás, combustíveis e energia, redução do orçamento para saúde e educação públicas, etc. Enquanto isso, a inflação corroí ao extremo o poder de compra dos salários.

O círculo de sobre-endividamento, o pagamento parcial de juros, refinanciamento para o resto, aumento da dívida e dos juros decorrentes fizeram com que, apesar de que os países já pagaram várias vezes o montante da dívida original, esta tenha crescido quase exponencialmente. Segundo dados da CEPAL e do FMI, a dívida externa global do subcontinente cresceu de 28 bilhões de dólares em 1970 para 808,4 em 2005 (quase 29 vezes!).

Entre 2005 e 2012, houve um curso desigual: diminuiu nominalmente em países como a Argentina e teve um aumento “moderado” em outros, devido ao fato de que uma parte importante dos saldos positivos da balança comercial desses anos foi dedicada ao seu pagamento [6]. De lá pra cá, a dívida voltou a disparar. Por exemplo, desde janeiro de 2016, na Argentina, o governo de Macri tomou 80 bilhões de dólares de empréstimos.

Em junho de 2018, dados oficiais informaram que esta cresceu a um ritmo de 213 milhões de dólares por dia e chegou a 253,741 bilhões [7] (sem contabilizar ainda os “empréstimos” subsequentes do FMI, que acumulam mais de 50 bilhões de dólares). Outros estudos posteriores indicam que, incluindo estes empréstimos, a dívida já é de 360 bilhões de dólares [8].

Desde a década de 1970, todos os governos burgueses dos países latino-americanos, ditatoriais ou eleitos pelo voto, ditos de “direita” ou de esquerda e populares, mantiveram intactos os mecanismos deste saque: recusaram-se a investigar a origem da dívida, aceitaram as exigências das renegociações, e continuaram pagando. Às vezes, inclusive se gabavam de fazê-lo com antecedência, como no caso do governo venezuelano de Hugo Chávez em 2007 [9].

Notas

[1] LENIN, V.I.; O imperialismo: fase superior do capitalismo, Capítulo VI, em: http://www.fundacionfedericoengels.net/images/PDF/lenin_imperialismo.pdf

[2] Idem

[3] MORENO, Nahuel; Método para a interpretação da História Argentina; Capítulo IV em: http://www.litci.org/es/wp-content/uploads/14_metodo_historia_argentina_1.pdf

[4] MORENO, Nahuel; op. citada; Capítulo VI.

[5] Vide jornal Opinião Socialista 561 sobre dados da Auditoria Cidadã da Dívida.

[6] Ver dados em: https://www.latdf.com.ar/2013/11/evolucion-de-la-deuda-externa-de.html. O caso do “quita de la deuda” implementada pelo governo de Néstor Kirchner na Argentina será analisado mais especificamente no segundo artigo desta série.

[7] https://www.infobae.com/economia/2018/06/27/la-deuda-externa-crece-a-un-ritmo-de-mas-de-usd-213-millones-por-dia/

[8] https://www.infobae.com/economia/2018/08/04/la-deuda-publica-se-aproxima-al-70-del-pbi-el-nivel-mas-alto-en-12-anos/

[9] https://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-3514968

Tradução: Rosangela Botelho

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