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quinta-feira, março 28, 2024

A cúpula financeira do G20: Como sair da “tormenta”?

Acaba de terminar a reunião de cúpula dos ministros de Economia e Finanças e presidentes dos bancos centrais dos países membros do G20, realizada em Buenos Aires. Uma consequência imediata de suas conclusões foi a queda nas Bolsas da Europa e do Japão.

Por: Alejandro Iturbe

Como presidente do país anfitrião, Mauricio Macri fez o discurso de encerramento da reunião. Nele, utilizou uma linguagem que um jornal argentino de oposição, ligado ao kirchnerismo, qualificou de “climático/náutico/aeronáutico”, cheio de termos como “tormentas”, “turbulências” e “águas agitadas” [1]. Na realidade, tratou-se de um discurso muito mais destinado ao “mercado interno”, para explicar porque seu governo não tem culpa na desastrosa situação atual da economia argentina, que para contribuir ao debate que tinham feito os economistas presentes. Entretanto, os termos que utilizou descrevem bem a situação atual da economia mundial (“tormentosa” ou “turbulenta”).

O documento final emitido pela cúpula também se refere a esta realidade e às suas consequências, com linguagem às vezes enigmática e “neutra” que os economistas burgueses usam nestes casos: “O crescimento foi menos sincronizado recentemente e os riscos de curto e médio prazo aumentaram. Estes incluem as crescentes vulnerabilidades financeiras, o aumento das tensões comerciais e geopolíticas, os desequilíbrios globais, a desigualdade, e o crescimento estruturalmente débil, particularmente em algumas economias avançadas” [2].

A que se referem? Sem nomeá-la, o centro da declaração é a “guerra comercial” que o governo de Donald Trump iniciou ao aplicar tarifas à importação de uma quantidade de mercadorias que os EUA importam, em especial, produtos industriais de origem chinesa. O governo chinês respondeu com a medida de taxar a importação de produtos agrícolas estadunidenses, como soja e seus derivados.

A batalha entre ambos os países (os grandes sócios comerciais do mundo nas últimas décadas) tem a dinâmica de agravar-se. Ao mesmo tempo, podem abrir-se outras frentes, já que a política de taxação de Trump começa a afetar vários países e ameaça fazê-lo ainda mais (como taxar os carros de origem alemã, japonesa ou coreana), com a possibilidade de respostas iguais por parte deles. Em outras palavras, se a frente de tormenta já existente continuar crescendo, ameaça levar a economia capitalista a uma espécie de “guerra mundial comercial”.

Uma nova divisão internacional do trabalho

As medidas de Trump são as que desencadearam a tormenta atual. Mas a “acumulação de nuvens” e fatores que incidem nela e a potencializam são muito mais profundos e gestados nas últimas décadas.

O primeiro processo começa com a profunda crise econômica mundial do final da década de 1960 e início de 1970, que marcou o fim do “boom econômico do pós-guerra”. Uma de suas expressões, em 1971, foi a decisão unilateral por parte do presidente Nixon de acabar com a paridade ouro-dólar vigente desde os acordos de Breton Woods (1944), base da estabilidade econômica mundial desses anos. O dólar continuou sendo, de fato, a “moeda mundial”, mas os mercados financeiros se tornaram frágeis e voláteis.

Outra expressão foi o forte aumento do preço do barril do petróleo, impulsionado pela OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) para obter uma parte maior da renda petroleira. Isto gerou um aumento do custo da energia que a indústria utilizava e levou os países imperialistas a transferir a produção das indústrias  mais poluentes e de maior consumo de energia (como o aço e o alumínio) para os países periféricos.

Também começaram a “emigrar” diversos ramos industriais, como têxteis, pequena metalurgia e montagem de produtos eletrônicos, para países com salários muitíssimos mais baixos e condições de trabalho mais duras, como os Tigres da Ásia (Malásia, Singapura, Taiwan e Hong Kong) e a Índia.

Este processo dá um salto na década de 1990, com uma enormidade de investimentos imperialistas na China, país no qual o capitalismo já havia sido restaurado em 1976 e onde a ditadura do Partido “Comunista”, logo após derrotar a rebelião de Tiananmen, garantia uma sólida “estabilidade” e um altíssimo nível de extração de mais-valia. A China foi se transformando na “fábrica do mundo” com produtos cada vez mais complexos, como celulares, computadores, automóveis, maquinário de construção e trens, que são exportados para todo o mundo, especialmente para os EUA.

Assim desenhou-se uma nova divisão internacional do trabalho. Até esse processo, os países imperialistas concentravam a indústria e os países semicoloniais forneciam as matérias primas, o combustível e os alimentos. Agora continua havendo países semicoloniais que cumprem esta função provedora, mas o grosso da produção industrial se faz na China e outros países asiáticos (ou nas maquiladoras latino-americanas). Enquanto isso, os países e empresas imperialistas continuam controlando o processo, através da produção de tecnologia e da cadeia de comercialização, e assim obtêm a parte do leão da mais-valia. A economia mundial era impulsionada pelo que chamamos a “linha de produção EUA-China”, com o primeiro como locomotiva dominante e a segunda como subordinada.

Vejamos dois exemplos: em 2008, a cadeia estadunidense Walmart controlava cerca de 15% das exportações chinesas (quase 225 bilhões de dólares anuais), com uma produção de artigos industriais de consumo, através de diversas empresas “chinesas” (como pequenos quadriciclos para cortar o gramado) que logo depois vendia nas lojas de sua cadeia mundial. Um IPod da marca Apple se comercializava internacionalmente por uns 200 dólares.  Este e outros produtos são fabricados na China pela gigantesca empresa Foxconn. Mas nesse país só fica uns 4% deste valor, o resto é apropriado pelo imperialismo através do controle da tecnologia e da cadeia de comercialização [3].

Uma parte importante do funcionamento desta nova divisão internacional do trabalho era o “livre comercio” sem barreiras alfandegárias, estabelecido através de acordos como a União Europeia, Nafta, o Tratado do Pacífico, Mercosul, e acordos bilaterais.

Este processo mundial refletiu-se na “contabilidade macroeconômica” estadunidense através de um déficit estrutural e crônico muito alto na balança comercial com a China. Ao mesmo tempo, prejudicou alguns setores burgueses dos EUA e de outros países imperialistas (que não se elevaram à “globalização produtiva”), que viram seu espaço no mercado reduzido drasticamente. Como consequência, um setor da tradicional classe operária branca estadunidense, ligado a estas indústrias, também se viu prejudicado.

O crescimento da especulação e do parasitismo

A linha de produção EUA-China se completava porque parte importante do saldo comercial favorável que a China obtinha era investido, pelo seu governo, na compra de bônus do Tesouro estadunidense, para ter reservas monetárias internacionais. Por parte dos EUA a venda de seus bônus à China e outros países (aumento de sua dívida pública) tinha um duplo objetivo combinado. Por um lado, servia como “aspirador de mais-valia” de todo o mundo, por outro, permitia bancar os gigantescos “déficit gêmeos” (comercial e fiscal) sobre os quais a economia estadunidense funcionava.

Esta era a base sobre a qual se ampliava a tendência do capitalismo imperialista estadunidense (e de todo o mundo) a ser cada vez mais especulativo e parasitário. Uma operação real (como a compra de petróleo ou de cereais) se transformava em uma operação especulativa (“mercado futuro”)  aumentando artificialmente a demanda e apostando no aumento dos preços. Sobre a base de outra operação real (a construção e venda de imóveis e o crédito hipotecário para financiar a compra) se montavam numerosas “operações derivadas” que, de conjunto, chegavam a aumentar consideravelmente a base real.

Assim se formavam “bolhas” que eram parte da construção de um “edifício financeiro” artificial, em grande medida formado por capital fictício (que não reflete  novo valor produzido) mas que disputa com outros capitais a mais-valia extraída na produção. Inicialmente, este processo alentou a demanda e a dinâmica da economia, mas esta passou a se sustentar sobre uma base muito mais frágil e volátil. Em um ponto, uma bolha se “espeta” e começa a “esvaziar-se” e, com isso, começa a tremer todo o edifício. Foi o que ocorreu ao espetar a bolha do mercado imobiliário dos EUA em 2007, iniciando assim a crise econômica internacional cuja influencia ainda vivemos.

A crise agrava tudo

A crise não explodiu só por causas econômico-financeiras “puras”. Teve como marco a derrota do projeto do “Novo Século Americano” e da política da “guerra contra o terror” de George W.Bush, no Iraque e Afeganistão. Esta derrota gerou, no terreno político, o que os analistas chamaram “a síndrome do Iraque”, cuja expressão no terreno financeiro é a “falta de confiança de investimento” da burguesia mundial.

A crise havia entrado em uma dinâmica de “bola de neve em um plano inclinado” e ameaçava com a quebra de todo o sistema bancário-financeiro mundial. A resposta dos governos imperialistas e de outros governos nacionais foi os “megapacotes” de ajuda ao setor financeiro (as famosas “injeções de liquidez”). Atuaram como companhias de seguro cobrindo as perdas dos grandes especuladores. Mas o fizeram comprometendo as reservas monetárias e sobreendividando-se.

É verdade que assim conseguiram evitar a quebra do sistema bancário-financeiro mundial e frearam a dinâmica do plano inclinado. Mas conseguiram este objetivo mantendo intacto (melhor dizendo, recompondo) o excesso de capitais que tinha estado na origem da crise e assim preparam outras novas e superiores (hoje se fala de “bolha de endividamento”). Ao mesmo tempo, gastaram grande parte da “munição” que hoje precisariam para enfrentar um novo episódio aberto e agudo da “tormenta”.

Por outro lado, os governos e as empresas realizaram duríssimos ataques ao emprego, aos salários, às condições de trabalho, e aos serviços públicos. Com estes ataques conseguiram muitas vitórias e o nível de vida dos trabalhadores e das massas cai de modo constante. Mas não conseguiram derrotar sua luta e sua resistência permanente a esses ataques. Esta luta não apenas desgasta e deteriora os governos e regimes burgueses de todas as cores, como impediu a burguesia de conseguir o nível de exploração que precisa para obter uma massa de mais-valia suficiente para valorizar satisfatoriamente o crescente volume de capitais existente.

É verdade que o capitalismo imperialista consegue, às vezes, que se veja um pedacinho de céu e algum raio de sol, então, proclama aos quatro ventos que “o pior já passou”. Mas, a verdade é que a frente de tormenta aberta em 2007 continua muito presente e ameaça expressar-se de formas muito piores.

O fator Trump

Nesse contexto aparece Donald Trump como presidente dos EUA, o país mais poderoso do mundo. O acesso de tal personagem a esse cargo tão importante se deve a uma combinação de razões que analisamos na revista Correio Internacional No 15 (Janeiro de 2017) e em numerosos artigos publicados nesta página [4].

Entre outros fatores, ele expressou setores da burguesia estadunidense que perderam peso na nova divisão internacional do trabalho e se veem deslocados. Não foi o único caso: o mesmo se expressou nos setores burgueses britânicos que impulsionam o “Brexit” ou o crescimento dos partidos burgueses de direita “eurocéticos”.

No caso de Trump, afirmou que os EUA “estavam se debilitando frente ao mundo” e que “outros países se aproveitam disso”. Era o momento de superar essa “debilidade”; para ele, tinha que se reformular a nova divisão internacional do trabalho e restringir o livre comércio com barreiras alfandegárias aos produtos que o país importa.

Mas essas medidas de Trump vão contra as tendências atuais mais profundas do capitalismo imperialista em geral e do estadunidense em particular. Em especial, contra as grandes empresas multinacionais que tem fábricas diretas ou associadas na China. Também contra a política e a dinâmica de outros setores e países imperialistas [5].

Por isso, atua como “um elefante num bazar” no meio dos principais dirigentes do imperialismo e seus agentes mais importantes, não só no terreno econômico, mas também no político. Suas propostas e medidas, somadas à sua grosseria pessoal, conseguiram a inimizade de todos aqueles que deveriam ser os aliados naturais do imperialismo estadunidense, como a alemã Angela Merkel, os governos britânicos, o governo chinês, o premier canadense…

Podemos dizer que o imperialismo vive uma “crise de direção” com sua cúpula (os governos dos países que integram o G7) dividida e com Trump abrindo uma “guerra comercial” como a futura “tormenta perfeita” na economia mundial.

Começa a instalar-se um clima de “salve-se quem puder”. No final do ano passado, a Alemanha repatriou uma parte do estoque de ouro que estava depositado nos EUA “para se precaver” (os Países Baixos e a Áustria seguiram seu exemplo) e teme o risco de taxas à importação de automóveis alemães (a principal fonte de lucros do país). A Alemanha também está sacando o ouro depositado na França  [6]. O governo de Putin vendeu 85% de seus bônus do tesouro estadunidense  (passou de um estoque de 95 bilhões de dólares a 15 bilhões) [7]. E tudo vai nessa dinâmica.

Algumas conclusões

Esta realidade refletiu-se de modo atenuado na declaração emitida por esta reunião do G-20. Depois da análise da realidade, a declaração diz que não tem muito para fazer salvo “monitorar” as consequências e tratar de atenuá-las. Diz, ao mesmo tempo, que continuarão os ataques ao emprego, aos salários, às condições de trabalho e à redução do gasto em serviços públicos.

É necessário que nós trabalhadores redobremos a luta contra estes ataques. Devemos aproveitar a crise e a divisão de nossos inimigos a nosso favor, para lutar com mais força e derrotá-los.

Notas

[1] https://www.pagina12.com.ar/130274-macri-el-oso-carolina-de-la-economia-mundial

[2] http://www.ambito.com/928232-estos-son-los-13-puntos-del-documento-de-la-cumbre-de-finanzas-del-g20

[3] Sobre este tema, ver: https://litci.org/es/menu/mundo/asia/china/certezas-e-interrogantes-que-plantea-la-crisis-economica-en-china/

[4] Ver, por exemplo: https://litci.org/es/menu/mundo/norteamerica/estados-unidos/trump-y-la-burguesia-estadounidense/

[5] Ver: https://litci.org/es/menu/mundo/norteamerica/estados-unidos/las-sanciones-comerciales-trump-china/ y https://litci.org/es/menu/economia/esta-detras-la-amenaza-guerra-comercial-trump/

[6] https://www.hispantv.com/noticias/economia/351492/alemania-retirada-reservas-oro-extranjero

[7] https://www.cronista.com/finanzasmercados/Putin-ordena-vender-el-stock-de-bonos-del-Tesoro-de-Estados-Unidos-20180723-0012.html

Tradução: Lilian Enck

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