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Ucrânia-Nota destacada

Ucrânia, o debate continua: Como deter a invasão russa?

abril 23, 2024

Há alguns dias publicamos um artigo polemizando com um grupo de intelectuais que se autodefinem como “acadêmicos marxistas (ou radicais)”, signatários de um “Chamado a uma mobilização internacional contra todas as guerras do capital” e que se definem “contra os dois lados da guerra da Ucrânia”[1]. Este chamado foi lançado ao completar dois anos da invasão russa.

Por: Alicia Sagra

Nesse artigo propomos que essa posição na Ucrânia, de fato, favorecia a invasão colonialista russa, já que chamava o povo e os operários ucranianos a não resistirem, ou seja, a aceitarem a ocupação de seus opressores históricos. Dizíamos, além disso, que essa proposta de acabar com a resistência ucraniana, coincide com a posição de um setor do imperialismo que tenta convencer a Ucrânia a ceder parte de seu território para assim alcançar a paz, proposta rejeitada pelo setor mais progressivo da realidade, os operários ucranianos, que são o coração da resistência e não querem aceitar a imposição do opressor russo.

Um dos signatários desse chamado, o intelectual argentino Aldo Casas[2],  escreveu o seguinte comentário (no Facebook) sobre nosso artigo:

“Contra as guerras interimperialistas, revolução social; pelo cessar imediato das hostilidades, a retirada das tropas russas do território da Ucrânia e o fim das agressões da OTAN em todo o mundo. Guerra às guerras do capital”.

Onde está a guerra interimperialista?

Quando Lenin definia a Primeira Guerra Mundial como imperialista, não se contentava apenas em dar a definição, mas dava também todos os elementos para mostrar que essa definição estava correta. E partia do que era evidente para todo aquele que quisesse ver a realidade: havia dois lados em confronto: um liderado pela Inglaterra, o outro liderado pela Alemanha. Esse confronto era evidente, soldados alemães e de seus países aliados, enfrentavam soldados ingleses, franceses, russos…Existiam combates aéreos entre os dois lados. Os hospitais estavam cheios de feridos, mutilados, mortos, pertencentes à Entente[3] e à Tríplice Aliança[4], etc. etc. E o objetivo desse confronto era a disputa do mundo entre eles, por isso eram falsas as alegações da “defesa da pátria” que uns e outros faziam.

Onde está, hoje, a guerra interimperialista a que Aldo Casas se refere? Como faz menção à invasão russa à Ucrânia e aos ataques da OTAN, e o chamado que assina se define contra os dois lados em confronto na guerra da Ucrânia, subentende-se que essa guerra seria entre a Rússia e a OTAN.

Se for assim, onde estão os soldados da OTAN enfrentando os soldados russos? Onde estão os combates aéreos entre a OTAN e a Rússia? Onde estão os feridos e mortos da OTAN?

Aldo diz: “pelo fim dos ataques da OTAN”. Certamente que somos contra os ataques que a OTAN fizer, mas, quais são os ataques da OTAN na guerra da qual estamos falando?

Nada disso existe, porque não existe uma guerra entre a Rússia e a OTAN. O que todo mundo pode ver é o confronto entre soldados russos e soldados ucranianos, aviões russos bombardeando o território ucraniano, mortos e feridos russos e ucranianos…Portanto, para qualquer um que queira ver a realidade tal qual é, o que existe é uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Qual é o caráter dessa guerra?

Lenin dizia que nem todas as guerras são iguais e que “a explicação do caráter da guerra é, para um marxista, premissa indispensável que permite resolver o problema de sua atitude perante ela” e, acrescentava: “mas, para elucidar, é necessário, antes de tudo, determinar quais são as condições objetivas e a situação concreta da guerra em questão.”[5]

Não estamos falando em geral, mas de uma guerra concreta, a que está se desenvolvendo na Ucrânia. Aldo Casas reconhece que há uma invasão russa, que historicamente teve (salvo o curto período do estado operário russo dirigido por Lenin)[6]  uma política de opressão sobre essa nação. Perante essa invasão por um país e um exército, qualitativamente mais fortes, existe uma resistência ucraniana, que tem um grande componente operário e popular.

Pelo que, voltamos a repetir, estamos diante de uma guerra colonizadora por parte da Rússia e uma guerra de resistência, de libertação nacional por parte da Ucrânia.

Tal como já dissemos no artigo que Aldo Casas comentou, seria infantil pensar que, em uma guerra de tal magnitude, desenvolvida no meio da Europa, o imperialismo ianque e os imperialismos europeus não interviessem. Até na revolução russa de fevereiro de 1917, as principais potências imperialistas da época[7] interviram. Mas isso não muda o caráter da guerra da Ucrânia, assim como não mudou o caráter da revolução de fevereiro.

Consequentemente, trata-se do tipo de guerra que Lenin diz que são justas e necessárias, e que todo revolucionário tem o dever de apoiar.[8]

Não aceitar isso, implica um desconhecimento ao direito do povo ucraniano de defender a soberania e a integridade territorial de seu país, independentemente de quão reacionário seu governo seja. E por conseguinte, constitui, de fato, um apoio ao país opressor.

Como deter a invasão russa

Casas exige, “a retirada das tropas russas do território da Ucrânia”. Como pensa alcançá-la? Convencendo Putin? Com uma resolução da ONU?

Essa frase por si só é apenas declamatória, uma saudação à bandeira, porque a única forma de acabar com a invasão russa é com um qualitativo fortalecimento militar da resistência ucraniana, em armas e em tudo o que precisar para derrotar o exército invasor e, com uma grande mobilização de massas na Rússia, contra a guerra, pelo retorno das tropas.

Mas isso é o oposto do que propõem Aldo e o Chamado que assinou. Sua proposta de “não à guerra”, “pelo cessar imediato das hostilidades”, é um chamado aos trabalhadores e ao povo ucraniano a não enfrentar o invasor e por isso, ocorre essa concordância com o setor do imperialismo que mencionamos mais acima.

Esse Chamado aos trabalhadores e ao povo ucraniano, independentemente das intenções, é reacionário. O fato dos trabalhadores russos se mobilizarem exigindo de Putin o cessar das hostilidades é altamente progressivo. Mas, somos totalmente contra exigir da resistência ucraniana que cesse as hostilidades enquanto a invasão russa avança.

Aldo Casas apela à “revolução social”, acredita que a melhor forma de avançar para a revolução social na Ucrânia, é chamar os operários a se entregarem frente ao invasor?

O que existe de mais progressivo hoje na Ucrânia, é essa classe operária que luta militarmente contra o opressor russo, ao mesmo tempo em que enfrenta os ataques de Zelensky às suas condições de vida.

Um exemplo disto, são os mineiros de Kryvyi Rih, desde os primeiros dias da guerra os principais quadros do sindicato foram para a frente de batalha. O sindicato tem três mil filiados, dos quais um terço está combatendo o invasor. E ao mesmo tempo, a partir do sindicato, enfrentam as leis que não protegem os trabalhadores e a manutenção do salário que ganhavam nas fábricas para os combatentes e a manutenção de todas as conquistas sociais que o governo está atacando. Eles não têm confiança em Zelensky, se organizam independentemente dele, com certeza, não têm qualquer relação com a OTAN. Somente com eles, com os trabalhadores que enfrentam o invasor com um critério de classe, se pode avançar para a revolução social.

E isso não será alcançado com declarações bombásticas como “Guerra às guerras do capital”, as famosas “frases revolucionárias” das quais Lenin dizia que não dão qualquer resposta à realidade concreta.

A forma de avançar para a revolução social, para o poder operário, é responder aos desafios que os trabalhadores enfrentam hoje, o que concretamente significa colocar-se ao seu lado na luta contra o invasor russo, chamando a não ter nenhuma confiança em Zelensky e enfrentando suas políticas antioperárias. Assim, poderemos avançar no caminho da organização independente e revolucionária dos trabalhadores ucranianos.


[1]  Chamada para uma jornada de mobilização internacional contra as guerras do capital.  https://www.facebook.com/share/p/f8p9yeChebBig17Q/?mibextid=xfxF2i

[2] Aldo Casas, antropólogo, membro do conselho editorial da revista Herramienta. Até inicios da década de 90 integrou nossa corrente morenista. Foi dirigente do PST e do Velho MAS, da Argentina.

[3] Aliança da Inglaterra, França e Rússia na primeira guerra mundial

[4] Aliança da Alemanha, Áustria-Hungria e Itália formada em 1882. Na Primeira Guerra Mundial se enfrentou com a Entente. Em 1915, a Itália saiu da Tríplice Aliança e passou a integrar a Entente.

[5] Lenin, O socialismo e a guerra

[6] Período que foi de 1917 a 1923.

[7] Lenin, Cartas de longe, Primeira carta, março 1917 “Todo o curso dos acontecimentos na revolução de fevereiro-março mostra nitidamente que as embaixadas inglesa e francesa, com seus agentes e suas “influências”, que levavam muito tempo fazendo os esforços mais desesperados para impedir os acordos “separados” e uma paz separada entre Nicolau II (esperamos e faremos o necessário para que seja o último) e Guilherme II, organizaram diretamente um complô com os outubristas e os democratas constitucionalistas, com parte do generalato e da oficialidade do exército, sobretudo, da guarnição de Petersburgo, para depor Nicolau Romanov. Se a revolução triunfou tão rapidamente e de uma forma tão radical – em aparência e à primeira vista – é, unicamente, porque devido a uma situação histórica original ao extremo, se fundiram, com “unanimidade” notável, correntes absolutamente diferentes, interesses de classe absolutamente heterogêneos, aspirações políticas e sociais absolutamente opostas. A saber: a conspiração dos imperialistas anglo-franceses, que empurraram Miliukov, Guchkov e Cia. a tomar o poder para continuar a guerra imperialista, para continuá-la com maior encarniçamento e tenacidade, para assassinar novos milhões de operários e camponeses da Rússia, a fim de dar Constantinopla…aos Guchkov, a Síria… aos capitalistas franceses, a Mesopotâmia…aos capitalistas ingleses, etc. Isto por um lado. E por outro, um profundo movimento proletário e das massas do povo (todos os setores pobres da população da cidade e do campo), movimento de caráter revolucionário, por pão, paz e pela verdadeira liberdade”.

[8] Lenin, O Socialismo e a guerra, “Se, por exemplo, amanhã, o Marrocos declarasse guerra à França, a Índia à Inglaterra, Pérsia ou China à Rússia, etc., estas guerras seriam guerras “justas”, guerras “defensivas”, qualquer que fosse o país que atacasse primeiro, e todo socialista desejaria a vitória dos Estados oprimidos, dependentes, com direitos prejudicados, na luta contra as “grandes” potências opressoras, escravizadoras, espoliadoras…”

Tradução: Lílian Enck

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