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Incêndios florestais no Canadá: um sinal do que vem por aí

julho 5, 2023

Desde 29 de abril, a área ocupada pelo oeste do Canadá tem visto uma quantidade impressionante de incêndios florestais acontecendo bem antes da época. Isso acontece semanas depois de recordes de altas temperaturas quantidades incrivelmente baixas de chuva e neve. Até 20 de maio, esses incêndios já destruíram mais de 842.000 hectares de terra, principalmente de floresta boreal, o que é mais de quatro vezes a média anual. No momento em que esse texto for publicado, é provável que ultrapassemos os 883.441 hectares que foram recorde em 2019.

Por: Taytyn Badger

Em seu ápice em 7 de maio, os incêndios já tinham removido ou forçado a evacuação de mais de 30.000 pessoas. Pelo menos 275 construções, em sua maioria casas, foram sabidamente destruídas, e é provável que esse número cresça conforme a extensão da destruição se tornar conhecida. Embora sejam números menores que os da temporada de 2016, que deslocou 90.000 pessoas e destruiu 2400 lares no entorno de Fort McMurray, uma pequena cidade que surgiu para extrair areias betuminosas, o motivo parece ser o fato de que os incêndios estão ocorrendo em regiões menos densamente povoadas.

Os efeitos sobre os povos indígenas

Os povos indígenas e as comunidades têm sido desproporcionalmente atingidos pelos incêndios e seus efeitos. Por um lado, os povos e comunidades indígenas foram e são propositalmente movidos para terras de pouco valor econômico para os colonizadores, historicamente através da criação de reservas e tanto histórica quanto atualmente pelos preços da terra. Ao mesmo tempo, povos menos removidos são uma parte grande da população em áreas em que os colonizadores não encontraram motivo para ocupar em grandes números. Por essas duas coisas, a proteção de nossas comunidades e dessa terra é vista como menos importante e de prioridade menor do que regiões e comunidades que são percebidas como de maior valor econômico para o capitalismo.

Comunidades indígenas forçadas a evacuar sob ameaça imediata de incêndios incluem a Nação Cree Little Red River, a Nação Originária Cree de Sturgeon Lake, La Loche, a Nação Originária Saulteaux, e a Colônia Metis da Planície Oriental. Em Little Red River, centenas fizeram filas ao lado do rio para escapar via balsas, que são a única forma de entrar e sair dessa comunidade de 3000 pessoas onde se sabe de 80 edificações destruídas. Cerca de 1600 foram evacuadas de Sturgeon Lake, com 40 estruturas destruídas. A Colônia Metis da Planície Oriental, localizada a apenas 25 quilômetros de minha comunidade natal, Sucker Creek, perdeu ao menos 24 casas desde que foi evacuada, e os membros da comunidade denunciam a falta de apoio e de equipamentos para aqueles que são bombeiros voluntários para proteger seus lares.

Há semanas os meus avós, junto com o restante da minha comunidade, estão sob alerta oficial de evacuação, o que significa que eles precisam estar preparados para sair em até uma hora. Quando eu ligo para saber como eles estão e garantir que está tudo bem, minha kokhom fala sobre como parentes perderam tudo, e sobre como ela tem medo de perder sua casa e todas as memórias e lembranças que criou duas gerações de crianças e de seus últimos 30 anos de vida. Ela se preparou tanto quanto possível, mas como muitos outros, ela encara a possibilidade real de que tudo que possui pode se tornar fumaça.

Efeitos da fumaça

Além da destruição maciça de florestas e o efeito sobre as pessoas e comunidades que estão diretamente no caminho dos incêndios, também há a gigantesca nuvem de fumaça que cobriu a maioria do Oeste do Canadá e partes dos EUA. Milhões de pessoas foram submetidas a períodos em que a o Índice de Qualidade do Ar para Partículas Finas foi 400 ou mais (mais de 30 vezes a taxa máxima segura), assim como uma quantidade enorme de outras partículas e tipos de poluição.

A exposição a partículas de tipo fino e extremamente fino (PM2.5 e PM1 respectivamente), capazes de chegar profundamente aos pulmões, está ligada a diversos impactos negativos à saúde. No curto prazo, pode causar irritação nos olhos, pulmões e garganta, dificuldade para respirar, fadiga, bronquite aguda e suscetibilidade a infecções respiratórias. A ameaça é particularmente grave para crianças, idosos, pessoas imunocomprometidas e aquelas com problemas pulmonares ou respiratórios preexistentes. Esses grupos não só estão mais propensos a desenvolver esses sintomas, como correm risco de ataques de asma, ataques cardíacos e arritmias. Além disso, a exposição repetida ou a longo prazo está ligada a uma série de doenças crônicas ou de longo prazo.

Aquecimento global e racismo ambiental

Embora os incêndios desse ano sejam incomuns por sua gravidade, eles infelizmente refletem uma tendência contínua que é resultado da mudança climática causada pela humanidade, e são um sinal do que está por vir. Temperaturas crescentes ao redor do mundo estão atrasando o inverno, o que leva a redução dos níveis de neve, derretimentos da primavera prematuros, e a rápida secagem dos resíduos botânicos, criando condições ideais para esse tipo de incêndio. O oeste do Canadá em particular se aqueceu mais rapidamente que a média global, 1,9 grau Celsius desde os anos 50. Como reflexo disso, a área média de floresta queimada por ano dobrou desde 1970, e cinco dos seis maiores incêndios na história da província de Alberta ocorreram nos últimos 15 anos. Enquanto o aquecimento seguir, incêndios assim continuarão crescendo, enquanto que apenas o mínimo do mínimo é gasto para enfrentá-los, exceto quando investimentos capitalistas estão sob risco.

Tudo que nós discutimos no artigo até agora mostra como esses incêndios estão ligados ao racismo ambiental sofrido pelos povos indígenas da terra que hoje é ocupada pela Canadá. A exploração das areias betuminosas e a sua crescente teia de tubulações já envenena a terra, o ar e nosso povo para garantir lucros para os ocupadores capitalistas. E conforme a produção e queima desses combustíveis fósseis acelera o aquecimento global, somos abandonados para lidar com os efeitos nefastos no ambiente e a destruição de nossos lares.

O capitalismo é incapaz de responder

A lógica subjacente do capitalismo garante que ele é  incapaz de responder à crescente crise ambiental. Sob o capitalismo, o único valor que importa é o valor de troca, a quantidade pelo qual algo pode ser trocado no mercado. Para maximizar lucros ou tentar impedir a tendência da queda da taxa de lucros, o capital precisa constantemente se expandir e estender sua exploração não apenas aos povos, como também à terra. O ambiente do qual todos dependemos para sobreviver é tratado como um “almoço grátis” para o capital, para ser pilhado e destruído como necessário. Na verdade, o capital tem pouca escolha sobre isso, já que optar por NÃO maximizar os lucros a qualquer custo condena as empresas a ficar para trás e serem absorvidas pelas que o fazem. O resultado é o crescimento de uma “ruptura metabólica” entre o que a sociedade humana, atualmente capitalista, retira do meio e o que ela devolve, com uma infinidade de efeitos desastrosos para ambos.

No nível da política, essa realidade pode ser vista na completa recusa dos estados capitalistas a enfrentar crises climáticas de forma minimamente significativa. O atual governo do Canadá, chefiado pelo Partido Liberal, foi eleito com uma plataforma que incluía o enfrentamento à destruição ambiental e a redução das emissões de carbono. Imediatamente após a eleição, prontamente jogou todo seu peso pra ajudar a construção de várias imensas tubulações de combustíveis fósseis e areias betuminosas, assim como para a extração de combustíveis fósseis no geral, respondendo aos interesses dos capitalistas dessa área. Isso não é nenhuma surpresa dado que combustíveis fósseis são 17,5% das exportações do Canadá e 7,5% do PIB, e, portanto, um investimento chave para a classe capitalista canadense.
 

Em Alberta mesmo essa temática de mudança climática, proteção ambiental e a crescente gravidade dos incêndios florestais está completamente ausente das plataformas dos dois maiores partidos, apesar dos incêndios na província e da recente eleição em 29 de maio. O site para o NDP de Alberta, nosso partido nominalmente social-democrata, o máximo que aparece é a ideia de forçar empresas a limparem poços abandonados e expandir o Programa de Incentivo Petroquímico de Alberta para incluir reciclagem de plástico.

Durante os debates em18 de maio, quando a onda de incêndios devorava a província, a única menção ao assunto foi o candidato do Partido Conservador acusando o NDP de querer instituir um imposto sobre o carbono. A estrutura anti-incêndio tinha sido reduzida para cortar custos; o exemplo mais notório foi a dissolução do Rapattack, uma força de bombeiros de rápida resposta equipados com aeronaves para suprimir incêndios em lugares remotos antes que crescessem e se tornassem impossíveis de controlar.

Isso acontece apesar de 62% dos moradores de Alberta acreditarem que “deveria se fazer mais para enfrentar a mudança climática”, e 59% que a transição para outra matriz energética seria melhor no longo prazo.[1] No entanto, combustíveis fósseis são centrais para a economia de Alberta a mais de um séculos e correspondem a 27,9% do PIB da província. Por um lado, isso torna o negócio completamente indispensável para o capital investido na província, e por isso o completo silêncio dos governantes sobre questões ambientais. Por outro lado, muitos albertanos, incapazes de enxergar alternativa e temendo o desemprego, se agarram e apoiam a indústria de combustíveis por medo de perder seu nível de vida caso haja uma diminuição da produção sem outras formas de trabalho.

A necessidade do socialismo

O único caminho adiante é a derrubada do capitalismo e sua substituição por um sistema em que a produção seja realizada sob controle dos trabalhadores e da comunidade para garantir as verdadeiras necessidades sociais dentro dos limites ecológicos. Os estados burocratizados dirigidos por Stalinistas no século 20 mostram que meramente destruir o capitalismo localmente não é suficiente para garantir que uma sociedade mantenha uma relação metabólica saudável com o meio ambiente. No entanto, separada da constante corrida alucinante por lucros, e dirigida democraticamente por aqueles que de fato são afetados pelas crises climáticas, finalmente será possível à humanidade oferecer uma resposta adequada para a atual catástrofe climática.

Isso vai demandar, como mínimo, a conversão em massa para formas de energia limpas e renováveis para amenizar os piores efeitos das crises climáticas e do aquecimento global já em curso. Nas palavras de Marx, precisamos “governar o metabolismo entre a humanidade e a natureza de forma racional, trazendo-o para o controle coletivo ao invés da dominação por parte de um poder cego, garantindo o menor consumo de energia e em condições mais dignas e apropriadas para sua natureza humana.”

Para chegar lá, precisaremos construir um movimento de massas independente e que compreenda as questões ambientais, unindo a classe trabalhadora e os grupos oprimidos, que podem exigir do sistema capitalista aquilo que ele nunca vai dar por vontade própria. Agora, mais do que nunca, precisamos compreender a observação que foi feita por Rosa Luxemburgo mais de um século atrás, de que estamos “em uma encruzilhada, ou para a transição para o socialismo, ou para a regressão à barbárie.”

[1] – https://www.cbc.ca/news/canada/calgary/alberta-oil-and-gas-poll-1.6652674

*Publicado originalmente em 26/05/2023 na página do Workers’ Voice: https://workersvoiceus.org/2023/05/26/canadian-wildfires-a-sign-of-things-to-come/?amp=1

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