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Meio Ambiente

Cidades tóxicas da Índia

fevereiro 7, 2025

Por: Adhiraj – New Wave |

Em 22 de novembro do ano passado, a capital indiana, Déli, registrou um índice de qualidade do ar de 404, o que significava que o ar de Déli estava perigoso. As cidades vizinhas no norte da Índia, como Noida, Gurgaon e Ghaziabad registraram cada uma, um IQA acima de 300, indicando que a poluição era grave. Em outras cidades mais ao sul e ao leste, a qualidade do ar permaneceu de ruim a grave, indicando um problema em todo o país. A poluição do ar é diretamente responsável pela redução da expectativa de vida, causando mais de 2 milhões de mortes evitáveis em todo o país. A poluição desenfreada de Déli não é novidade, mas não precisava ser assim. Em uma época em que Pequim era famosa por seu ar poluído, Déli era comparativamente mais limpa. Ao contrário da China, que tomou medidas para limpar seu ar da poluição, o governo da Índia simplesmente ficou parado enquanto o ar se tornava tão tóxico quanto fumar 21 cigarros por dia.

Há vários anos assistimos uma manchete comum: as cidades indianas aparecem na ignóbil lista das cidades mais poluídas do mundo. A poluição do ar tem sido um grande problema na Índia há anos, mas o governo continua agindo como um avestruz quando se trata de lidar com o problema. A apatia pública e a falta de desafio só pioraram a situação. O resultado é que as cidades indianas continuam na lista das mais poluídas do mundo, somando-se à mistura tóxica de sujeira, e muito disso é resultado do péssimo planejamento urbano que caracteriza seu desenvolvimento capitalista implacável e desenfreado.

As causas da poluição

A poluição do ar na Índia se deve principalmente a três fatores: emissões de veículos automotores, emissões da indústria e emissões devido às queimadas nas áreas agrícolas. Esses três fatores tornam-se especialmente tóxicos nos meses de inverno, quando o fator natural da poeira da Índia se mistura com poluentes para criar um ar tóxico em nossas cidades. Poluição causada principalmente por emissões de veículos a diesel e mais antigos. Nos últimos vinte anos de crescimento econômico neoliberal, testemunhamos um aumento drástico na poluição do ar, principalmente nas cidades, que ocorreu de mãos dadas com a expansão do transporte automotivo nas cidades e a redução da vegetação. O planejamento urbano na Índia está nas mãos de uma burocracia corrupta que segue as instruções de políticos ainda mais corruptos, que estão totalmente a serviço do grande capital. Uma das mudanças mais visíveis que ocorreu durante este período foi a liberalização do setor imobiliário e de construção. Esse setor da economia mostra de forma mais aberta os vínculos entre o capital e o Estado; as regras são distorcidas e quebradas em benefício das incorporadoras e construtoras, conduzindo frequentemente ao aumento dos problemas urbanos, à perda de áreas verdes e à ampliação da arquitetura centrada no carro. Isso leva a uma demanda induzida que atende aos interesses das montadoras que querem vender mais para uma “classe média” crescente.

Não é apenas a construção em si que contribui para a poluição geral, mas o próprio planejamento urbano que contribui para tornar o carro o rei. O resultado é um rápido crescimento de veículos particulares, todos nas mãos de uma minoria de indianos urbanos que podem comprar um carro, enquanto a grande maioria fica sem acesso ao transporte público. A elite política tem todos os incentivos para satisfazer a ambição dos capitalistas, aqueles que controlam o setor imobiliário, a indústria automobilística e os sucessivos governos, especialmente nos últimos 20 anos de desenvolvimento neoliberal, fizeram tudo o que podiam para desmantelar ou enfraquecer o transporte público, incentivando a propriedade de carros particulares e fechando os olhos para a degradação ambiental. Juntos, eles contribuíram para tornar as cidades da Índia tóxicas, onde o ar que respiramos é venenoso e são os pobres que, em última análise, sofrem as piores consequências desse desenvolvimento.

Hoje, as cidades indianas estão entre as mais poluídas do mundo, e no topo as do norte da Índia e a capital, Nova Déli, aparecendo regularmente nas notícias por ser a cidade mais poluída do mundo.

Poluição do ar e aquecimento global

As emissões dos veículos e indústrias são responsáveis pela maior parte das emissões de carbono do mundo e a principal causa das mudanças climáticas. A liberação de gases de efeito estufa e poluentes retém o calor e causa o aquecimento global. As cidades estão entre as mais afetadas, não apenas por causa do aumento das emissões dos veículos e da indústria, mas também pela falta de cobertura verde e espaços abertos que possam absorver o calor. O asfalto, o concreto e o vidro que cobrem a maior parte da superfície urbana não conseguem reter o calor e, e em vez disso, o refletem aumentando o efeito do aquecimento. Junto com as emissões, isso transforma as cidades em ilhas de calor. A Índia é um dos países mais poluidores do mundo, com emissões que chegam a 2,9 bilhões de toneladas métricas de CO2, o que a torna o terceiro maior emissor do mundo. Como em grande parte do mundo, a maioria dessas emissões vem de uma pequena minoria da elite rica, que é responsável pela maior parte das emissões de carbono. As emissões da indústria não regulamentada, as atividades de construção, as emissões dos veículos e a mineração são responsáveis pela maior parte das emissões de carbono da Índia. Todas essas atividades são controladas pelos capitalistas, cuja ganância e consumo tornam as cidades da Índia tóxicas e levam milhões de pessoas à morte prematura. A poluição desenfreada da Índia só piorou nos últimos 10 anos, em grande parte graças ao governo do primeiro-ministro Narendra Modi e seu partido, BJP (Partido do Povo Indiano).

Leis ambientais sob o governo Modi

Em 2019, a Índia ocupava o 177º lugar no índice de Desempenho Ambiental, ou seja, 177º entre 180 países. Em outras palavras, a Índia foi o terceiro pior país em termos de desempenho ambiental. Cinco anos antes, em 2014, a Índia ocupava a 155ª posição. Isso não é coincidência, o governo pró-negócios de Modi priorizou os interesses expressarias em detrimento da preservação ambiental. Logo após chegar ao poder, Modi iniciou diversas reformas destinadas a enfraquecer as regulamentações ambientais. As normas que restringem a instalação de indústrias poluentes foram flexibilizadas, e grandes extensões de terras florestais e áreas ecologicamente sensíveis foram desclassificadas ou reclassificadas para facilitar as atividades de construção. O governo Modi tentou assumir o controle do Tribunal Verde Nacional, mas o plano fracassou. Milhares de árvores foram derrubadas em áreas ecologicamente frágeis, como as florestas de Aravali e Aarey, em Mumbai.

A luta para salvar o cinturão verde das colinas de Aravali e das florestas de Aarey viraram notícia, assim como a luta para salvar as florestas de Goa da mineração. Não menos importante é a luta contra o conglomerado do bilionário Gautam Adani, que está ameaçando destruir a floresta de Hasdeo para abrir uma mina de carvão no Estado de Chattisgarh, no centro-leste do país. Embora essas lutas tenham sido importantes e mostrem a crescente conscientização sobre o meio ambiente, a Índia não tem um grande movimento ambiental nacional comparável ao movimento verde alemão, nem um que possa ser visto nos países ocidentais avançados do mundo. A ausência de um movimento ambiental forte apenas encoraja o governo Modi a desmantelar mais a proteção ambiental. As cidades estão entre as mais afetadas devido a isso, o que, somado ao desenvolvimento de longa data centrado no carro, cria as condições para que nossos espaços urbanos se tornem tóxicos.

O lucro acima das pessoas nas cidades indianas

Não é de surpreender que a administração urbana da Índia esteja voltada para os lucros dos capitalistas, principalmente daqueles que investem em imóveis. A primeira consideração é direcionada à minoria da classe média alta e alta que depende de carros particulares para se deslocar. Assim, temos estradas mais largas à custa da cobertura arbórea, transporte público mais fraco, mais investimento em infraestrutura centrada no carro, como viadutos, mais dinheiro gasto em rodovias do que em ferrovias e urbanização que favorece os ricos, enquanto milhões de pessoas continuam a viver em moradias precárias ou favelas, ou se tornam sem-teto. A estrada costeira de Mumbai é um exemplo perfeito de nosso modelo de desenvolvimento poluente. Enquanto os ricos podem se dar ao luxo de evitar alguns dos efeitos da poluição atmosférica e do aquecimento global com maior mobilidade e acesso à saúde, são os pobres que têm que lidar com enchentes, poluição atmosférica e escassez de água.

Isso não é exclusivo do governo Modi ou dos estados governados pelo BJP, todos os partidos burgueses no poder seguem mais ou menos o mesmo esquema de desenvolvimento urbano. Déli é governada pelo Partido AamAdmi, atualmente a capital mais poluída do mundo; Calcutá, outra cidade altamente poluída, é governada pelo TMC, que afirma ser a melhor alternativa ao BJP. Chennai, uma cidade notória por sua agonizante escassez de água, nunca foi governada pelo BJP. O ponto em comum entre todos os partidos políticos é a manutenção da economia política do momento. Isto significa, em resumo, manter o interesse público e a consciência pública o mais limitado possível, assegurando ao mesmo tempo o domínio do capital, garantindo que os interesses da indústria automobilística, do setor imobiliário e da construção civil sejam mantidos, independentemente dos custos para as pessoas que realmente vivem na cidade. As cidades indianas tornam-se tóxicas porque são usadas como lugares para ganhar dinheiro, em vez de serem tratadas como lugares onde as pessoas vivem. É o triunfo do lucro sobre as pessoas na Índia. Basta olhar para o desastre ambiental que é o litoral de Mumbai para ver essa realidade.

Uma abordagem socialista para o meio ambiente

As cidades indianas se tornaram inabitáveis, ilhas de calor tóxico onde o próprio ar que respiramos é venenoso. A degradação absoluta do meio ambiente é uma das condições prévias para sustentar o “crescimento” capitalista. As cidades indianas não são mais projetadas para proporcionar uma boa qualidade de vida para as pessoas que vivem nelas, mas são projetadas inteiramente para render mais dinheiro aos capitalistas. Qualquer infraestrutura de qualidade existente está projetada para o benefício da minoria de proprietários de automóveis, para o benefício dos capitalistas, para o benefício das corporações capitalistas que cada vez mais possuem e controlam nossas cidades. Gurgaon e Jamshedpur são exemplos claros disso e, sem surpresa, estão entre as cidades mais poluídas da Índia.

Os sucessivos Governos liderados por partidos burgueses no governo e nos Estados nos trouxeram a esse ponto. Não se pode esperar nada melhor desses governos, seja Modi no centro ou a ministra-chefe Mamata Bannerji em Bengala Ocidental. Cada um deles está nas mãos do grande capital e só podemos esperar que sigam o interesse de seu mestre. É essencial combatê-los, se organizar e se manifestar para evitar a degradação desastrosa do meio ambiente, em nome do “progresso”. Houve lutas importantes que resultou em vitórias, como a decisão do Supremo Tribunal Federal de relaxar as restrições ambientais e reclassificar as palmeiras como gramíneas para liberar mais cobertura vegetal para a construção. Continua a luta para salvar os pântanos de Calcutá, um dos dois sítios Ramsar da Índia e, grande parte das áreas pantanosas ,continua sobrevivendo apesar dos planos de destruí-las.

Entretanto, isso não muda o sistema e parece ser uma pequena vitória em uma guerra perdida. As soluções devem atacar a raiz do problema. Enquanto os capitalistas controlarem nossas cidades e nossa economia, eles continuarão ignorando o meio ambiente e degradando as cidades da Índia em busca de um pouco mais de lucro. Nosso objetivo deve ser colocar os interesses das pessoas acima do lucro, e somente uma resposta socialista às questões ambientais pode fazer isso. O planejamento socialista pode acabar com a toxicidade caótica que caracteriza as cidades indianas.

Uma cidade planejada socialmente forneceria transporte público eficiente e eficaz, preservaria os espaços verdes e áreas ecologicamente sensíveis, além de proporcionar empregos e moradias acessíveis para todos os seus habitantes. Em vez de um desenvolvimento desenfreado e não planejado que atende, em grande parte, aos interesses dos ricos, uma cidade socialista atenderia às necessidades básicas de todos e garantiria uma vida longa e saudável para todos. As cidades indianas são famosas por sua administração antidemocrática, com pouca responsabilidade e controle excessivo por parte dos barões ladrões proprietários de terras do setor imobiliário.

A nacionalização dos terrenos urbanos poria fim a isso, expropriando um dos setores mais corruptos e tóxicos da economia. A moradia não seria mais uma questão de lucratividade, mas de atender a uma necessidade essencial. A construção seria adaptada às necessidades e aos limites da cidade, sem possibilidade de desenvolvimento excessivo. Os locais históricos, áreas verdes e as áreas de pedestres seriam preservados, não como fonte de renda ou por sentimentalismo, mas em reconhecimento a eles como necessidades para uma boa qualidade de vida. Nossa luta contra a degradação ambiental não pode se limitar a ações defensivas, nem podemos nos contentar com protestos de vanguarda de setores da pequena burguesia e das classes médias. Nosso objetivo deve ser o de reunir as pessoas mais afetadas pela poluição e pela degradação de nossas cidades para lutar por um futuro melhor. No centro da estratégia socialista contra as mudanças climáticas deve estar à classe trabalhadora e seus aliados camponeses, que constituem a grande maioria dos pobres de nossa cidade. Ignorar a luta contra a poluição e as mudanças climáticas é alimentar a mentira de que essa não é uma questão dos trabalhadores. A questão da sobrevivência é, em grande parte, uma questão de economia básica, e a poluição ameaça a própria sobrevivência dos pobres urbanos.

Tradução: Rosangela Botelho

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