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Hong Kong

A luta endurece em Hong Kong

Protesters are seen inside a chamber after they broke into the Legislative Council building during the anniversary of Hong Kong’s handover to China in Hong Kong, China July 1, 2019. REUTERS/Tyrone Siu
julho 12, 2019

Em 1º de julho, várias centenas de jovens ocuparam por várias horas o Conselho Legislativo (parlamento) de Hong Kong, enquanto milhares cercavam o prédio. Depois de várias horas, eles foram desalojados pela polícia, no contexto de uma dura repressão nas ruas.

Por: Alejandro Iturbe

Esta nova expressão da luta democrática que está sendo desenvolvida pelo povo de Hong Kong contra as autoridades locais e o regime chinês de Pequim surgiu de um chamado de várias organizações de jovens e estudantes, com o objetivo de impedir a celebração oficial do 22º aniversário a reincorporação do território à China.

A dura repressão policial aos manifestantes nas ruas impediu esse objetivo. Neste contexto, um setor definiu por ocupar o Conselho Legislativo e foi seguido por  milhares de pessoas que cercaram o edifício [1]. Como já apontamos, a ocupação durou várias horas, até que a polícia desocupou violentamente o prédio.

Em um artigo recente, analisamos o caráter especial de Hong Kong, dentro da China (foi uma colônia/enclave britânico entre 1842 e 1997), alguns elementos de seu desenvolvimento econômico e social, sistema político-institucional regional, os fatores que conduziram a este processo de luta, iniciado em 2014 com a Revolução dos guarda-chuvas, e a crise que causou ao regime chinês [2].

A juventude lutadora avança em sua consciência

É evidente que o centro desse processo é a juventude (entre 15 e menos de 30 anos), especialmente os estudantes. O fator de impulsionamento mais óbvio foi a percepção de que o regime chinês não iria cumprir o compromisso de eleição direta do chefe de governo, que estava marcada para 2017. Ao contrário, o regime quer avançar cada vez mais contra as liberdades democráticas, como é o caso da “Lei de Extradição” proposto recentemente pela Chefe de Governo local, Carrie Lam, que originou as mobilizações neste ano.

Como parte de um processo de luta que, com seus altos e baixos, vem de 2014, esta juventude começa a tirar conclusões a partir de suas ações e sua experiência. Uma delas é que a luta não é somente contra o chefe do governo (e contra a polícia como instrumento de repressão), mas também contra o antidemocrático Conselho Legislativo. Ou seja, contra o regime político local como um todo, estabelecido pela Lei Fundamental de 1997.

A luta de 2014 “não conseguiu as reformas democráticas que queria. Mas aconteceu com os ossos de seus principais líderes na prisão. Os jovens políticos surgidos dessa mobilização viram suas candidaturas vetadas ou, depois de serem eleitos, as autoridades cancelaram seus registros de deputados um após o outro com diferentes argumentos, enquanto o Parlamento continuava dominado pelos legisladores pró-Pequim “(sic). A conclusão desta experiência expressou, em redes sociais, o jovem escritor Dung Kai Cheung: “O assalto ao parlamento ‘é uma expressão de raiva contra um governo impotente, uns partidos políticos canalhas e representantes da casta, e um governo não democrático’” [3].

Outra experiência é com os limites intransponíveis da “resistência pacífica” como método de luta. “Você que nos ensinou que manifestações pacíficas são inúteis”, expressou um grafite nas paredes do Conselho Legislativo, dirigido a Carrie Cam. Uma das jovens que participou da ocupação disse à imprensa: “Estamos nos manifestando há um mês. Na primeira participaram um milhão de pessoas e uma semana depois eram dois milhões. E mesmo assim o governo nos ignorou. Se dois milhões de pessoas tomam as ruas e nada acontece, se nós tentamos de todas as maneiras que pudemos pensar e nada acontece, que opções temos?“[4]. Uma pesquisa online da Hong Kong Economic Times, realizada entre mais de 344.000 participantes, mostrou que 83% estão “de acordo com esta forma de expressão” (11% eram contra e 6% não tinham opinião) [5].

A questão de fundo desta luta democrática é muito mais profunda: mesmo na “rica” Hong Kong, os jovens percebem que não têm futuro. “Hong Kong é uma das cidades mais caras do mundo de acordo com uma pesquisa realizada pela Economist Intelligence Unit, é também profundamente desigual. Os 10 mais ricos têm tanto como os restantes 7 milhões de habitantes juntos […] apenas 11% da população possui uma casa. Metade das casas disponíveis são oferecidas por 2.270 euros (125% do salário médio). Para os jovens, a situação é particularmente difícil: em uma luta difícil por encontrar empregos de qualidade, os rendimentos de metade deles estão abaixo do salário médio”[6]. Portanto, a associação Youth Policy Advocators conclui que “esses jovens sentem que não têm futuro em Hong Kong”.

As respostas de Carrie Lam

Diante dessa onda de lutas que começou no mês passado, a chefe de governo Carrie Lam teve uma resposta repressiva, semelhante a que seu antecessor usou em 2014. Quando concluiu que não poderia deter o processo, retrocedeu na proposta da Lei de Extradição e tentou uma manobra: chamar as organizações estudantis para uma “mesa de diálogo”. Mas esse convite foi rejeitado. Por exemplo, a União dos Estudantes da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, disse que a Chefe Executiva queria “uma reunião a portas fechadas”, o que era “inadmissível” [7].

Agora, diante da ocupação do Conselho Legislativo e a radicalização das mobilizações, endureceu ainda mais a repressão. Além dos vinte presos na desocupação, a polícia transformou o edifício do parlamento em uma “cena do crime” à procura de impressões digitais e traços de DNA dos ocupantes, que declarou como “criminosos perigosos” [8]. “Estas primeiras prisões, de acordo com o South China Morning Post, são um prelúdio para uma próxima onda de prisões contra ‘dezenas’ de suspeitos já identificados, que participaram do assalto ao Parlamento” [9].

 

No entanto, esse crescente endurecimento da repressão não parece suficiente, por enquanto, para interromper o processo. Sexta-feira (5/7), vários milhares de manifestantes se juntaram numa concentração convocada pela “Mães do Movimento dos guarda-chuvas” em apoio aos jovens e exigindo a libertação dos detidos. Já existem outras mobilizações chamadas para o mesmo propósito [10].

Os próprios ativistas estão tentando continuar a luta: “O que quer que aconteça, não perderemos a coragem. A resistência não é uma questão de um dia é de longo prazo “, disse Jason Chan, um contador de 22 anos [11].

O debate dentro do “movimento democrático”

Ao mesmo tempo, este endurecimento dos métodos de luta abriu um debate profundo dentro do que podemos denominar “movimento democrático”: os setores mais ligados à burguesia de Hong Kong se opõem a esta radicalização. Em uma das reportagens feitas dentro do próprio recinto do Conselho Legislativo (emitido pelas redes de notícias ocidentais já mencionadas), um deputado do Partido Democrata disse que apoia as reivindicações dos jovens e repudia a repressão, mas não concorda com os métodos que levam a um confronto violento [12]. Este partido, intimamente ligado aos partidos dos países imperialistas quer a eleição direta do  Chefe do Governo Regional, mas no âmbito das negociações para manter a Lei fundamental, de 1997.

Uma posição que parece ser compartilhada por setores de base: “Quando eu ouvi que havia enfrentamentos fora (do Parlamento) realmente me preocupei […] Espero que estes jovens sejam racionais”, disse à AFP Amy Siu, uma contadora de 37 anos que participava na manifestação anterior à ocupação [13].

Por outro lado, começa a cair a máscara do suposto apoio dos governos imperialistas a esta luta democrática (e a aparecer seu verdadeiro apoio à política do regime e à Pequim). “O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Jeremy Hunt (que aspira ser o próximo primeiro-ministro), disse na sexta-feira 5, que não apoiou os protestos em Hong Kong e que repudiava toda a violência” [14]. Na mesma linha, a União Europeia (UE), através de um comunicado de sua chefe diplomática, Federica Mogherini, chamou a “evitar a escalada” e a um “diálogo”. O comunicado acrescenta: “As ações de hoje por parte de um pequeno número de pessoas não são representativos da grande maioria dos manifestantes, que têm sido pacífica” [15].

Algumas conclusões

No artigo já mencionado, o jornal de Barcelona La Vanguardia analisa que “O assalto ao Parlamento poderia ser um antes e um depois na evolução de um, até recentemente, movimento pacífico” Nós concordamos com essa conclusão. Caberia acrescentar, como já dissemos, que esse ponto de virada abriu um profundo debate sobre o movimento (e a hipótese de uma possível divisão) entre a ampla vanguarda jovem com peso de massas que se radicaliza e o setor que quer retroceder para a resistência pacífica e a negociação, caminhos que já se mostraram totalmente inúteis.

Além de seu tamanho (recordando as centenas de milhares que apoiaram “esta forma de expressão” na pesquisa do Hong Kong Economic Times), essa vanguarda está ganhando cada vez mais peso no movimento. “Eles fizeram o que achavam que tinham que fazer pelo bem de Hong Kong. Não devemos julgar se fizeram certo ou errado. Devemos estar do seu lado “, disse Dorothy Ho, porta-voz das mães do Movimento dos guarda-chuvas [16].

De nossa parte, apoiamos fortemente a luta democrática dos jovens em Hong Kong e consideramos muito positivo estes avanços em suas reivindicações e métodos de luta.

No âmbito desse apoio, gostaríamos de reiterar duas considerações feitas em nosso artigo anterior. A primeira: “é essencial a entrada da classe operária com sua força, sua organização e seus métodos (algo que já está começando a ocorrer), para que ela se torne protagonista da luta”. A segunda é que esse enfrentamento não é apenas contra as autoridades locais de Hong Kong, mas, fundamentalmente, contra o regime ditatorial de Pequim, seu verdadeiro apoio. Sob estas condições, “esta luta democrática deve necessariamente encontrar solidariedade e se espalhar para a China continental. Qualquer que seja a alternativa considerada correta (autonomia ou independência), só pode ser realizada se, juntamente com os trabalhadores e as massas da China continental, forem feitos avanços para derrubar o regime chinês (“Abaixo a ditadura”) “.

Notas:

[1] Ver imágenes en los reportajes de la TV española y portuguesa https://www.eitb.eus/es/noticias/internacional/videos/detalle/6518141/videomanifestantes-toman-fuerza-parlamento-hong-kong-1-julio-2019/

https://pt.euronews.com/video/2019/07/01/manifestantes-tentam-invadir-parlamento-de-hong-kong

[2] https://litci.org/es/menu/mundo/asia/hong-kong/hong-kong-proceso-movilizacion-democratica-no-se-detiene/

[3] https://elpais.com/internacional/2019/07/04/actualidad/1562248602_570462.html

[4] Ídem.

[5] Ídem.

[6] Ver artículo “Ser joven en la ciudad más cara del mundo”, en la nota citada de El País.

[7] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/05/maes-de-hong-kong-marcham-em-apoio-a-movimento-de-estudantes.ghtml

[8] https://www.lavanguardia.com/internacional/20190705/463292016925/hong-kong-tension-incidentes-parlamento-detenciones.html

[9] https://elpais.com/internacional/2019/07/04/actualidad/1562229217_113705.html

[10] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/05/maes-de-hong-kong-marcham-em-apoio-a-movimento-de-estudantes.ghtml

[11]  https://elpais.com/internacional/2019/07/04/actualidad/1562248602_570462.html

[12] https://www.eitb.eus/es/noticias/internacional/videos/detalle/6518141/videomanifestantes-toman-fuerza-parlamento-hong-kong-1-julio-2019/

[13] https://elnuevosiglo.com.co/articulos/07-2019-vuelve-orden-parlamento-de-hong-kong-tras-toma-de-manifestantes

[14] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/05/maes-de-hong-kong-marcham-em-apoio-a-movimento-de-estudantes.ghtml

[15] https://elnuevosiglo.com.co/articulos/07-2019-vuelve-orden-parlamento-de-hong-kong-tras-toma-de-manifestantes

[16] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/05/maes-de-hong-kong-marcham-em-apoio-a-movimento-de-estudantes.ghtml

Tradução: Lena Souza

 

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