Impedir a divisão e pilhagem da Ucrânia

Por: Taras Shevchuk
Desde a breve visita de Putin a Trump no Alasca até a reunião com Zelensky e os chefes da UE e da OTAN em Washington. E desde as decisões “acordadas” na Casa Branca até as que tomaram em Bruxelas, todos os imperialistas – todos eles, cúmplices dos aberrantes crimes sionistas contra o povo palestino – com vários recursos retóricos que parecem contraditórios e de acordo com seus próprios interesses, empurram o governo Zelensky – de uma forma ou de outra – para uma capitulação diante da agressão contrarrevolucionária de pilhagem que Putin iniciou em 2014. No entanto, o martirizado povo ucraniano continua a dar demonstrações heróicas de resistência contra a divisão e pilhagem que as potências forjam.
Vejamos as declarações aparentemente contraditórias e os passos aparentemente erráticos de Trump. Começou exigindo de Putin que concordasse com um cessar-fogo e dando-lhe um período de “50 dias para fazê-lo” – todo o verão ucraniano – e, em caso contrario, ameaçou impor-lhe “grandes sanções econômicas”. Três semanas depois, ele reconheceu que “fui muito generoso” e decidiu encurtar esse período para 12 dias. Na véspera de 8 de agosto, dia do vencimento desse novo prazo, ele decide se encontrar com Putin. Evidentemente, o Kremlin aceitou de bom grado. Nenhum cessar-fogo foi acordado. Trump esqueceu esse “detalhe” e convidou o criminoso de guerra Putin para se encontrar no Alasca, o enorme território que os EUA compraram do czar da Rússia.
Toda a mídia mundial difundiu a recepção afetuosa de Trump a Putin. Colocando um tapete vermelho para ele ao pé da escada do avião. E no final daquele tapete – mais longo do que sua gravata – Trump estava esperando para apertar sua mão e dar um tapinha nas costas antes de embarcar na limusine. Achamos exagerada a expressão de vários analistas que dizem que “Trump tirou Putin do isolamento internacional”, porque o Kremlin mantém relações estreitas com a China, Índia, Brasil e dezenas de países africanos e até mesmo com alguns governos europeus, membros da UE e da OTAN.
Mas é evidente que os gestos cerimoniais de Trump buscam empoderar o chefe do Kremlin. E fazem parte de uma estratégia de Trump: reconhecer a “figura” de Putin como um líder global. O status de chefe de uma potência imperialista como os EUA, para quem cometer crimes de guerra não significa nenhum desafio à sua impunidade internacional.
Na realidade, um dos principais objetivos de Trump é fazer negócios conjuntos para explorar o Ártico e Sakhalin, no Extremo Oriente da Rússia. Entre as questões em discussão – encobertas pela guerra na Ucrânia – está o retorno da Exxon Mobile à sua parceria com a Rosneft.
Em meio a tanta bajulação, Putin aproveitou a oportunidade para deixar evidente a Trump que não aceita nenhum cessar-fogo e se propõe a enfrentar negociações para a assinatura de um “acordo integral para acabar com a guerra”. Ou seja, “um tratado de paz”! O que Trump, como líder da “potência imperialista hegemônica”, fez diante disso? Aceitou a proposta de Putin, esqueceu-se de exigir um cessar-fogo que vinha exigindo e deixou de lado as míticas grandes sanções.
Por que Putin se opôs a um cessar-fogo e propôs essa alternativa?
É importante entender a diferença qualitativa entre as duas abordagens. Um cessar-fogo – apesar do fato de que a frente de batalha tem1200 km de extensão – pode ser organizado a curto prazo. Só precisa de uma ordem e a partir daí tudo depende dos comandantes de campo para executá-la. Um cessar-fogo pode deter uma guerra rapidamente se os comandantes superiores e de campo – e muito mais os ataques na retaguarda – de ambos os lados cumprirem o acordo. Ou, na pior das hipóteses, minimizar e reduzir a violência no front a um mínimo significativo. Por outro lado, um acordo de paz é um processo complexo, que pode levar anos e até décadas. Recapitulemos alguns exemplos da história:
Coreia do Norte e Coreia do Sul: cessar-fogo em 1953 (e isso foi declarado pela ONU, China e Coreia do Norte; A Coreia do Sul não assinou nada), e ainda não há tratado de paz. Egito e Israel: cessar-fogo em 1973, tratado de paz em 1979: 6 anos. Jordânia e Israel: cessar-fogo em 1949, tratado de paz em 1994: 45 anos. Armênia e Azerbaijão[1]: cessar-fogo em 2020, tratado de paz em 2025: 5 anos. E poderíamos ampliar esta lista com o Vietnã, Afeganistão … Mas a lógica é nítida: um tratado de paz e o fim de uma guerra são um processo longo, que pode levar meio século. Mesmo as assinaturas “rápidas” levam 5 anos ou mais.
Putin, rejeitando a primeira etapa – parar a guerra em si, ou seja, um cessar-fogo – propõe omitir todas as etapas e “acabar com a guerra com a paz”. É uma nova armadilha e óbvia! O Kremlin sabe que este é um processo longo. E o expressa cinicamente quando insiste na condição de “superar as causas profundas que originaram o conflito ucraniano”. Sabemos quais são essas causas originárias para Putin: a própria existência do Estado ucraniano e de seu povo que derrubou governos desde o Maidan e que continua demonstrando que não aceita autoritarismos e anseia por não viver submetido ao “mundo russo”, a serviço da oligarquia de Moscou.
Putin não aceitou nenhum cessar-fogo, nem agora nem durante todos esses anos. Com isso, pode e poderá não apenas continuar os bombardeios destruindo as cidades, assassinando e aterrorizando a população civil, mas também as ações militares usando como bucha de canhão os chamados “kontrakniki” dos povos oprimidos da Federação Russa, da ex-URSS e da Coréia do Norte. E, enquanto isso, poderá acusar constantemente a Ucrânia de “boicotar as negociações de paz”. E como boicotar? Defende-se e resiste à agressão e à ocupação de quase um quinto de seu território!
Tudo o que expusemos não é produto da nossa suspeita ou imaginação. Como é possível que o Kremlin tenha incluído na Constituição da Federação Russa cidades e regiões que ainda não ocupou e que já considera cidades russas? E agora – com a ajuda de Trump – Putin quer conquistar por meio de “negociações de paz” o que não conseguiu conquistar no campo de batalha com sua máquina militar e centenas de milhares dos mortos!
Putin diz a Trump que é “contra o cessar-fogo, mas a favor da paz e do fim da guerra”. Trump reproduz esse absurdo! E a partir da Casa Branca sai com esse slogan de buscar uma reunião tripartite “com Putin e Zelensky”. Já houve três reuniões bilaterais Rússia-Ucrânia em Istambul sem resultados. Até agora, o Kremlin rejeitou uma reunião Putin-Zelensky com total desprezo e está empenhado a discutir com os EUA ” a divisão da Ucrânia sem a Ucrânia”. Trump – apesar de algumas birras – continua a facilitar a execução dessa política.
Basicamente, Putin quer e continuará a guerra. Até que, de fato, essa “paz” seja alcançada. Ou seja, conseguir a capitulação da Ucrânia.
Os imperialistas europeus: eles priorizam seus próprios armamentos e sua fatia na distribuição
Trump convidou Zelensky para a Casa Branca. Os imperialistas europeus – que vinham insistindo junto com Kiev em um cessar-fogo – acompanharam Washington, supostamente para “apoiar explicitamente” Zelensky. Desta vez, não houve incidentes embaraçosos na “Sala Oval”. Mas na reunião, Trump continuou justificando a agressão de Putin pelos supostos erros de Biden. E todos os “parceiros” europeus da OTAN se comportaram como estudantes fazendo anotações na frente de um professor ignorante e pararam de exigir um cessar-fogo.
Nós da LIT-QI rejeitamos – e a maioria do povo ucraniano, 73% também rejeita e apenas 16% apoia [2]– a política imperialista de Trump, que empurra para a capitulação em meio a uma guerra de desgaste. E reiteramos que um requisito mínimo para desnudar as intenções do imperialismo russo é a exigência de um cessar-fogo imediato e completo.
Além disso, denunciamos a perversa campanha midiática, centrada em “garantias de segurança futuras” e quais potências imperialistas se encarregarão de dá-las. O próprio Trump responde evasivamente, expondo sua cumplicidade com a divisão da Ucrânia. Camuflados com frases hipócritas, estão dando como certo – e Zelensky reconhece isso – que a Ucrânia não será capaz de lutar para recuperar os territórios ocupados. Apresenta-se como uma ” firme posição nas negociações de paz” não aceitar a entrega de territórios no Donbass, que Putin ainda não ocupou e que atualmente são o centro de sua ofensiva. O objetivo legítimo da resistência ucraniana é expulsar os ocupantes. Todo o resto é uma armadilha imposta pelos interesses imperialistas.
Além disso, Putin não tem tempo ilimitado para sua guerra de desgaste. Tem flancos vulneráveis no sul do Cáucaso devido à crescente tensão com o Azerbaijão, que apoia a integridade territorial da Ucrânia e se comprometeu a vender-lhe armas. E o distanciamento do regime armênio que teve uma reconciliação histórica com o Azerbaijão. E também na Ásia Central, com o notório deslocamento do Cazaquistão para a esfera da China e o recrudescimento das tensões devido à opressão histórica da Rússia.
A Ucrânia está travando uma guerra de libertação nacional no contexto da crise da ordem mundial
A realidade da luta de classes nos colocou, aos marxistas e à classe trabalhadora mundial, diante de uma guerra de libertação de um país semicolonial contra a agressão imperialista contrarrevolucionária do regime de Putin. Zelensky, a liderança político-militar da Ucrânia é burguesa e subordinada aos imperialistas ocidentais. Este conflito ocorre no contexto de uma profunda crise da ordem mundial, de crescentes disputas e reagrupamentos entre potências. A maioria dos supostos “marxistas” não passou no teste. Definiram que é uma guerra reacionária na qual não há lado progressista e, dessa forma, capitularam ao campo imperialista putinista. Embora se camuflem em uma suposta neutralidade, levantam consignas como “Nem um tanque para a Ucrânia!”
Estão em seu abandono do legado teórico e político de Lenin, que afirmou categoricamente: “Se, por exemplo, amanhã o Marrocos declarasse guerra à França, a Índia à Inglaterra (…) seriam guerras justas, (…) e todo socialista simpatizaria com a vitória dos estados oprimidos”. [3]
“Em primeiro lugar, os socialistas nunca foram e nunca poderão ser inimigos das guerras revolucionárias (…) O que se poderia dizer de uma guerra… dos povos coloniais pela sua libertação?” (…) “Negar qualquer possibilidade de guerras nacionais sob o imperialismo é teoricamente falso (…) e equivalente, na prática, ao chauvinismo europeu” [4]…
Zelensky cede à pressão imperialista e enfraquece a resistência armada ucraniana
Apoiamos a resistência da Ucrânia pela derrota dos ocupantes. No entanto, denunciamos seu regime oligárquico, o governo, o parlamento e Zelensky, como presidente da Ucrânia, por ser a correia de transmissão para a dependência dos ditames imperialistas ocidentais. Ditames que minam cada vez mais a vontade das massas, que há 42 meses resistem e freiam a agressão do Kremlin. Em três anos e meio de guerra, o governo apenas mendigou por ajuda externa! Não desenvolveu sua indústria de defesa como é indispensável! Submeteu-se a muitos ditames do “Ocidente”, que não apenas empurram para a capitulação à invasão, mas desviam de qualquer perspectiva de uma verdadeira independência. No entanto, forçadas pela necessidade urgente de lidar com a agressão, as forças militares “transgrediram” as limitações e só hoje começam a produzir os mísseis ucranianos “Flamingo” com alcance de 3000 km e melhoraram os mísseis “Neptune”. Além da produção em série de drones, que agora, após longos meses de hesitações diante das pressões dos EUA, estão atingindo refinarias de petróleo em território russo e desabastecendo de combustíveis a máquina militar de Putin.
Um programa para rejeitar a capitulação e aspirar à vitória
O povo ucraniano – com sua mobilização em meio à lei marcial – acaba de demonstrar que pode desviar o curso do governo. A consigna “Os pobres lutam, a elite rica engorda!” ressoou alto em toda a Ucrânia e fez Zelensky e os deputados da Rada tremerem. A luta contra os ocupantes vai abrindo caminho para a luta de classes. Ficou evidente que a corrupção dos governantes em todos os níveis é identificada como traição à pátria. E que a luta contra a corrupção é tarefa dos trabalhadores, que oferecem suas vidas defendendo com as armas seu território e sua liberdade.
Trump ao estender o tapete vermelho paraPutin forneceu a maior evidência de que o “Ocidente” não vai em auxílio do povo da Ucrânia, mas que é um inimigo perigoso a mais. Por isso a classe operária, que está sofrendo privação e destruição pelos bombardeios genocidas de Putin e que sustenta a retaguarda das cidades e do campo, deve colocar a economia estatal nos trilhos da defesa nacional e não dos oligarcas locais e usurários estrangeiros. Controlando a produção e finanças em fábricas, minas e campos.
A Ucrânia só pode alcançar sua libertação nacional se a classe operária conquistar sua independência política e tomar em suas próprias mãos a condução da guerra com seu próprio programa militar. Há reservas! Coronéis aposentados que combateram desde 2014 gritam na mídia e denunciam o governo em duros termos. A rotatividade na frente deve ser garantida. Há mais de 100.000 efetivos das forças de segurança, que pertencem ao Ministério do Interior e estão treinados no manuseio de armas porque se dedicam a tarefas policiais. Esses efetivos podem ser enviados para a frente após um breve treinamento e serem substituídos nessas tarefas pelos operários que estão na frente há 42 meses, lutando contra a invasão imperialista de Putin e entenderam que também terão que enfrentar a colonização, a pilhagem dos imperialistas ocidentais e a corrupção dos “políticos”.
A OTAN e o “Grupo de dispostos” blefam com “enviar tropas”
Trump já disse que “para não irritar ainda mais Putin”, a Ucrânia não deve ingressar na OTAN. No entanto, denunciamos as políticas reacionárias da União Europeia e da OTAN. Opomo-nos à adesão à OTAN por motivos opostos aos de Trump. Agora – como parte da cortina de fumaça que apontamos – Zelensky suplica “garantias de segurança”… E Trump aponta ambiguamente que, se capitular, terá “algum tipo de garantia”. Enquanto Macron e Starmer falam de futuros contingentes militares como “forças de paz” – ou para cuidar de seus futuros investimentos coloniais – o Kremlin responde que “rejeita categoricamente a presença de tropas europeias”.
O povo ucraniano assumiu a amarga experiência do que significava a garantia de segurança do “Memorando de Budapeste”, assinado em 1994. Assinada pelos EUA e pela Grã-Bretanha, a Ucrânia desarmou e entregou todo o seu arsenal nuclear à Rússia em troca do respeito irrestrito à sua integridade territorial. Já vimos como os imperialistas respeitam as integridades e as soberanias!
A única garantia de integridade e independência é um governo da classe operária
A LIT-QI contribui com todas as suas modestas forças para a construção de um partido revolucionário da classe operária na Ucrânia. Com o objetivo e o programa de estabelecer um governo operário e popular, na perspectiva dos Estados Operários Unidos da Europa. Para avançar em direção a esse objetivo, é fundamental a derrota da invasão e da ditadura do Kremlin. Assim foi com o regime nazista na Alemanha. Embora saibamos que é um caminho difícil, é necessário e possível, se apelarmos à unidade da ação solidária com os numerosos povos e nações oprimidos da Federação Russa e da ex-URSS contra o jugo do Kremlin e seus regimes satélites como o de Lukashenko na Belarus. Também apelamos à unidade da luta com todos os povos oprimidos, começando com a do heróico povo palestino contra o genocídio sionista. E apelar às forças das organizações operárias de todo o mundo, para superar o freio traiçoeiro dos numerosos chamados “esquerdistas” e até “trotskistas”, que renegam o marxismo e se colocam, junto com Trump, a serviço do carrasco Putin.
[1] https://es.wikipedia.org/wiki/Acuerdo_de_alto_el_fuego_en_el_Alto_Karabaj_de_2020#
2. Pesquisa Gallup de 07.08.25, publicada no Ukrainska Pravda de 21-08.25
[3] Socialismo e Guerra, Lenin 1915.
[4] O Programa Militar da Revolução Proletária, Lenin 1916.
Tradução: Lílian Enck