Os povos da Rússia diante da guerra de Putin

Por: Stepan Tarakanov
Há uma impressão espalhada pelo mundo: “Na Rússia há muito poucas pessoas que se opõem à guerra”. Por outro lado, alguns meios de comunicação mundiais prestam atenção às declarações de intelectuais proeminentes ou ativistas famosos que deixaram a Rússia e que, de um lugar seguro, denunciam de forma grosseira e precisa a propaganda e os crimes perversos de Putin. E eles fazem isso honestamente, por issodou todo o meu apoio às suas denuncias. No entanto, pode permanecer a impressão de que apenas um pequeño setor de russos educados entende e rejeita a guerra de Putin, enquanto o povo simples da Rússia o apoia unanimemente e está disposto a seguir o Führer russo. Vamos ver o que a realidade reflete.
Apesar da censura extrema, de vez em quando nas redes é possível encontrar notícias breves* como estas:
Um bibliotecário do Círculo Polar Ártico foi condenado a 5 anos e meio de prisão por gritar em um bar e “repostar” duas mensagens. O motivo de iniciar o processo foram seus gritos no bar “Glória à Ucrânia! — Glória aos heróis!”, a publicação de um vídeo intitulado “Como o nazismo reencarnou na Rússia” e a publicação de uma entrevista com um piloto russo desertor. Em janeiro de 2025, o pai do bibliotecário, Valery Ledkov, foi colocado em prisão domiciliar sob a acusação de financiar a oposição e, em 2022, foi multado em 35.000 rublos por uma publicação com o texto “Não à guerra”.
Um operador de guindaste da região de Leningrado foi condenado a 5 anos de prisão por comentários no Telegram. Um tribunal militar condenou Yuri Zhgutov, 41, morador da vila de Bugry, na região de Leningrado, a cinco anos de prisão. De acordo com a investigação, Zhgutov supostamente deixou comentários no canal ucraniano do Telegram Supernova+. O operador de guindaste supostamente escreveu comentários favoráveis em postagens sobre o bombardeio na região russa de Belgorod e o bombardeio na Prefeitura de Crocus, em Moscou.
Um bibliotecário. Um operador de guindaste…
Entre a propaganda raivosa controlada por Putin dentro da Rússia, cheia de mentiras absurdas, chauvinismo, incitação ao ódio contra o povo ucraniano e impregnada de imperialismo, casos como estes aparecem no cenário da informação:
Em 23 de abril, Igor Tyron, um professor rural de 43 anos da Autonomia de Komi, foi condenado a 5 anos de prisão por “justificar o terrorismo”. O motivo da perseguição do homem foram seus comentários sobre o batalhão ucraniano “Azov”. Anteriormente, Tyron ensinava história, ciências sociais e geografia na escola da aldeia de Nivshera.
Um tribunal em São Petersburgo condenou a cabeleireira Anna Alexandrova a 5 anos e dois meses de prisão por publicar “falsidades” sobre as Forças Armadas da Federação Russa. Alexandrova está em prisão preventiva desde novembro de 2023. Inicialmente, ela foi acusada de oito publicações “antimilitares”, mas no final apenas uma. A promotoria pediu oito anos para Aleksandrova. No centro de detenção, Alexandrova reclamou de dores nas costas e problemas dentários. Em fevereiro, devido a fortes dores, ela se recusou a ir ao tribunal e foi punida com 15 dias em confinamento solitário.
Um professor rural. Uma cabeleireira…
É preciso entender o que é viver sob a ditadura dos serviços de segurança! Serviços que controlam cada passo e ouvem cada palavra: por telefone, nas redes sociais, em uma conversa em um local público! Entenda que os tribunais não significam nada para o FSB – o sucessor da antiga KGB – e que nenhum advogado irá defendê-lo. Entenda que nenhuma autoridade o salvará da perseguição implacável do estado se você chamar a atenção de um agente do FSB!
No entanto, vemos casos como estes:
Andrey Verianov, geofísico e pesquisador da Civilização Inca, foi enviado para prisão preventiva, acusado de “traição à pátria”. O geofísico e arqueólogo está em prisão preventiva na notória prisão “Lefortovo” por “traição à pátria”. Este cientista viveu por mais de 20 anos no Peru, onde investigou os restos de construções incas. Em 2019, ele voltou à Rússia para cuidar de um parente próximo e ficou “preso”: primeiro pela pandemia e depois pela guerra. “Desde que estou na Federação Russa, não consigo aceitar o pesadelo em que o país está mergulhado. Eu saía para protestos e manifestações sempre que podia. Quando a guerra começou, tentei resistir, procurei pessoas com ideias afins”. A base para a séria acusação contra o cientista não foi revelada. Segundo defensores dos direitos humanos, o motivo poderia ter sido “participar de um dos protestos contra a invasão da Ucrânia”. Em 2012, trabalhou com sua equipe no estudo do complexo arquitetônico Saksaywaman na cidade de Cuzco (Peru). Verianov fez uma série de descobertas importantes que ajudaram a entender a natureza da destruição da capital do Império Inca.
Na região de Kirov, Raisa Novosievova, uma trabalhadora de limpeza, foi processada criminalmente e condenada por um comentário nas redes sociais em relação a uma postagem sobre um soldado morto na guerra na Ucrânia. A sentença foi de 6 meses com liberdade condicional e proibição de postar materiais na Internet por um ano.
Um geofísico e arqueólogo. Uma trabalhadora de limpeza.
E há quem diga que são necessários especialistas que “entendam de política”, que é difícil entender a profundidade dos mecanismos militares e diplomáticos. Que isso não é para “pessoas comuns”. E, no entanto, é assim que são os operários e operários da Rússia, que o compreenderam perfeitamente:
Um mecânico de Syktyvkar, Sergei Ershov, por dizer que “Putin merece ser fuzilado”, foi considerado culpado de “justificar publicamente o terrorismo” (artigo 205.2 do Código Penal). O promotor solicitou que ele fosse condenado a cinco anos de prisão, alegando que ele havia pedido “a derrubada do poder existente por meio do assassinato do presidente”.
Uma aposentada da região de Omsk, na Sibéria, foi considerada culpada de “reabilitar o nazismo”. Zinaida Gridneva, uma mulher de 75 anos que mora na aldeia de Cherlak, compartilhou uma postagem na rede social Odnoklassniki da página “Rússia fascismo renovado”. Por isso, ela foi condenada a um ano de liberdade condicional e proibida de postar mensagens por dois anos. Além disso, em setembro de 2023, Gridneva já havia sido multada em 15.000 rublos por “desacreditar” o exército russo. A “evidência” para a acusação criminal era seu nome em Odnoklassniki, “Zinaida – Eu sou pela paz” e um “curtir” em uma postagem antimilitarista de outro usuário.
Um mecânico de automóveis. Uma aposentada.
Muitos no mundo têm a impressão de que os operários e os trabalhadores humildes da Rússia “ficaram desmoralizados e não estão interessados em política, desistiram da luta e se tornaram passivos, acreditam em governantes corruptos e buscam apenas soluções individuais para seus problemas pessoais”. No entanto, em condições de uma ditadura sanguinária e da propaganda avassaladora do regime putinista, encontramos pessoas como estas:
O ambientalista e defensor dos direitos humanos Vladimir Kazantsev morreu no IK-11 em Kopeysk, na região de Chelyabinsk, aos 52 anos. A suposta causa da morte foi considerada “cardiopatia isquêmica”. Kazantsev chefiou a organização “Consultoria Ecológica”, que litigou com o governo regional e os proprietários do depósito de lixo de Poletaevo. Ele defendeu a Floresta de Chelyabinsk contra essa construção e exigiu que o aterro e a construção fossem declarados ilegais. “Kazantsev entrou para a história de Chelyabinsk como o herói que defendeu nossa floresta urbana da construção. Contra a vontade das autoridades regionais, a floresta de Chelyabinsk não foi apenas preservada, mas expandida com terras que antes haviam sido excluídas de sua composição”, escreveu a blogueira de Chelyabinsk, Valentina Volkova, em seu canal Telegram.
Um tribunal em Petrozavodsk multou a aposentada Tatiana Savinkina, de 79 anos, em 200.000 rublos pela quarta vez em um julgamento criminal por “desacreditar” o exército, que foi iniciado por causa de panfletos antimilitaristas encontrados no saguão de seu prédio. “É uma pena que pessoas honestas sejam consideradas culpadas, enquanto criminosos reais são libertados e se lhes oferece assinar [com o Ministério da Defesa da Rússia] um contrato”, disse Savinkina em sua palavra final ao tribunal.
Um ativista ambiental. Uma aposentada.
Por outro lado, encontramos fatos nos próprios relatórios oficiais do putinismo sobre repressões, onde são registradas as vítimas pertencentes às massas trabalhadoras. Vemos nelas um reflexo da profunda rejeição dos crimes de Putin pelos povos da Rússia. A guerra contra a Ucrânia é amplamente rejeitada. E isso é entendido não apenas por intelectuais educados, mas também por cidadãos comuns, como você e eu. Aqui estão alguns outros exemplos:
Valery Perov, um eletricista de Nizhny Novgorod, foi considerado culpado de “colaboração confidencial com um Estado estrangeiro” (Artigo 275.1 do Código Penal) e de “incitação pública ao terrorismo” (Artigo 205.2 do Código Penal). Além disso, o homem foi multado em 500.000 rublos (US $ 4.000) e proibido de administrar sites por três anos. De acordo com a acusação, o homem estava se comunicando por escrito com um representante da Legião “Liberdade da Rússia”, que luta ao lado da Ucrânia, tentou se juntar a ela e também divulgou informações sobre a Legião. Ele foi preso em outubro de 2023: agentes do FSB se passaram por eletricistas, invadiram sua casa e realizaram uma busca por 16 horas.
Dois moradores de São Petersburgo foram condenados a 11 anos de prisão por colocar cartazes. De acordo com o Comitê de Investigação, Fyodor Konovalov e Ivan Ladchenko colaram pôsteres do Korpus Rússia Democrática (DRK) e da Legião da Liberdade da Rússia. De acordo com a versão do Comitê: eles entraram em contato com organizações “terroristas” ucranianas e, em troca de uma recompensa, em agosto de 2023 tentaram colocar cartazes com chamadas para se juntar a eles. Os processos criminais contra Konovalov e Ladchenko são por “incitação ao terrorismo, colaboração com o terrorismo e participação em uma organização terrorista”. Konovalov estudou alfaiataria em uma escola técnica para deficientes. O maestro da filarmônica, onde Konovalov trabalhava como faxineiro, confirmou sua deficiência.
Um eletricista. Dois trabalhadores de limpeza.
Estes são os que hoje mostram o caráter da resistência dentro da Rússia e a rejeição da propaganda fétida de Putin. Estes são os que hoje não temem dizer NÃO à ameaça de represálias e morte:
Na região de Chelyabinsk (sul dos Urais), foi aberto um processo criminal contra Gulnara Bakhareva, uma porteira, pela palavra “orgulhosa” em uma publicação sobre um preso político, residente na cidade de Satka, e é acusada de “justificação do terrorismo” (Artigo 205.2, parágrafo 2, do Código Penal). O motivo foi um comentário com a palavra “orgulhosa” em um post sobre o aniversário do preso político Alexei Nuriev, condenado a 19 anos de prisão pelo incêndio no escritório de recrutamento militar. “Não sei, estarei no Guinness Book of Records em breve, porque nunca ouvi falar de um processo criminal aberto contra uma pessoa por uma única palavra”, disse Bakhareva. Esta não é a primeira acusação contra Bahareva. Em julho de 2022, agentes do FSB também revistaram sua casa em busca de um caso de “apologia ao terrorismo”. O motivo foram os comentários em que Gulnara chamou a ponte da Crimeia de “alvo militar legítimo” e escreveu que a torre de TV oficial de Ostankino “deveria ser explodida”. Naquela época, ela foi multado em 400 mil rublos.
Olga Menshikh, uma enfermeira de 59 anos, foi condenada a oito anos de prisão por suas publicações sobre a guerra com a Ucrânia. Ela foi acusada de espalhar “notícias falsas” por suas postagens sobre os assassinatos em Bucha e o ataque com mísseis em Vinnytsia. “Zakharova (secretária de imprensa do ministro das Relações Exteriores Lavrov) diz bobagens em sua maldita coletiva de imprensa. Como o país pode suportá-la? Meu Deus, o que ela diz… Enquanto isso, em Vinnytsia, a Rússia bombardeou o centro da cidade, mísseis atingiram um prédio de escritórios, houve 12 mortos e dezenas de feridos”, dizia um dos posts. No julgamento em Moscou, Menshikh não admitiu culpa. Em sua última declaração, ela disse que muitas vezes via os feridos em seu hospital. “Quando um jovem mutilado passa por você, você sabe quais sentimentos vêm sobre uma mulher? Compaixão, e não o ódio que eles atribuem a mim. Talvez, em algum momento, eu tenha sofrido uma deformação profissional… Na verdade, senti pena deles”, disse ela. Desde 2011, Olga Menshikh trabalhava como enfermeira anestesista no Centro Pirogov em Moscou. Anteriormente, ela havia sido julgada várias vezes por outros “crimes”, inclusive por participar de uma manifestação de protesto.
Em Ivanovo, um construtor de 31 anos, Yuri Kolganov, foi condenado a 12 anos de prisão em prisão severa e multa de 300.000 rublos. De acordo com o tribunal, Kolgganov fez duas transferências de criptomoedas no valor de pouco mais de três mil rublos (US$ 40) para a conta da organização “Legião pela Liberdade da Rússia”, considerada “terrorista” na Rússia.
Um porteiro. Uma enfermeira. Um construtor.
Esses casos são apenas alguns dos milhares que hoje expressam a consciência dos povos da Rússia, aqueles que anunciam a futura libertação do pesadelo do FSB dentro do país. Parafraseando o revolucionário russo Alexander Ivanovich Herzen, “esses heróis encontraram um espaço entre a morte e a sola da bota do FSB para lutar”.
É por isso que defendemos a criação de uma organização política da classe trabalhadora russa precisamente hoje. Porque existem muitos heróis autênticos dentro do país, corajosos, determinados e honestos.
Toda a nossa solidariedade incondicional para com eles!
Bibliotecários, construtores, trabalhadores de limpeza, enfermeiros, cabeleireiros, serralheiros, aposentados, etc… E a garantia mais importante para a libertação desses maravilhosos camaradas é a derrota militar do regime de Putin, a vitória militar da Ucrânia. É por isso que é tão importante que cada um de nós, ativistas, trabalhadores, aposentados, estudantes… Vamos apoiar a resistência ucraniana com todas as nossas forças. E que nossa solidariedade não seja apenas palavras bonitas, mas que se traduza em ações reais para que a resistência possa contar com armas, drones, mísseis e medicamentos para os combatentes ucranianos que lutam para se libertar da invasão contrarrevolucionária e da ocupação genocida de Putin, sua máquina militar e o FSB.
(*) Fonte: Canal ASTRA Telegram
Tradução: Lílian Enck