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Equador: Ambiente eleitoral tenso e polarizado

abril 9, 2025

Por: Miguel Merino S. |

A situação eleitoral, que culminará em 13 de abril, está muito polarizada entre os pouco mais de 11 milhões de equatorianos que irão novamente às urnas. O atual presidente e candidato, Daniel Noboa, do movimento político ADN (Ação Democrática Nacional), e Luisa González, da Revolução Cidadã (Correísmo), que concorre à presidência pela segunda vez, estão se enfrentando.

Essa polarização já ficou evidente no primeiro turno das eleições, tanto nos resultados para a presidência quanto na composição da Assembleia Nacional. Noboa obteve 51,83% dos votos, enquanto Luisa obteve 48,17%, o que foi descrito como um empate técnico. Na Assembleia Nacional, a RC tem 68 cadeiras e o movimento ADN tem 67, mas nenhum alcança a maioria de 77 legisladores.  Do ponto de vista regional, Noboa triunfou em todas as províncias da Serra, enquanto Luisa venceu na maior parte da Costa, onde a violência criminal e os confrontos entre gangues de narcotraficantes estão em níveis alarmantes. Esse contexto de violência e penetração do narcotráfico em vários níveis da sociedade e do Estado é essencial para entender a política caótica e em constante mudança do Equador.

Caracterização dos candidatos finalistas

Daniel Noboa é um representante direto da chamada oligarquia equatoriana, composta por algumas famílias proprietárias de grandes empresas agrícolas, comerciais, industriais e bancárias. Ele próprio pertence à terceira geração do poderoso grupo Noboa, que possui mais de 100 empresas dedicadas principalmente à exportação de produtos agrícolas, principalmente bananas, mas que diversificou suas atividades comerciais para outros setores financeiros e industriais. Sua administração se insere nos parâmetros do neoliberalismo autoritário, aliada incondicional das políticas e imposições do Departamento de Estado americano e da DEA. O regime noboísta impôs suas políticas agindo acima da Constituição e da lei, desrespeitando os direitos humanos e tentando estabelecer controle absoluto sobre várias instituições estatais. Isso desatou uma série de conflitos e escândalos que levaram à desordem e à ineficiência no setor público, além do ceticismo e da indignação dos cidadãos em relação à política. Suas políticas e ações para supostamente combater a insegurança revelam não apenas as marcas do autoritarismo, mas também elementos fascistas que se tornarão mais pronunciados em caso de fortes mobilizações populares ou possíveis revoltas sociais.

Luisa González pertence a um setor camponês médio da província de Manabí (ela afirma fazer parte da população Montuvia da costa) e fez sua carreira política como ativista próxima e de confiança de Rafael Correa. Em termos socioeconômicos, representa um setor mais moderno e menos rentista da burguesia. No entanto, grupos burgueses tradicionais não aceitaram suas políticas e, portanto, rejeitam agressivamente ao correísmo. Seu modelo tem sido caracterizado como social-democrata, desenvolvimentista, neokeynesiano ou reformista por vários setores e analistas. Sua principal diferença com os neoliberais está no papel mais ativo que atribuem ao Estado na economia, sendo ele responsável por investir em obras públicas e em setores sociais como educação e saúde. A trajetória do correísmo tem sido ofuscada por denúncias de corrupção, algumas já julgadas, que mantiveram seu líder no exílio e o ex-vice-presidente Jorge Glas na prisão. Também ganharam a rejeição de setores sociais como o movimento indígena, ecologistas, feministas, educadores da UNE e outras organizações sociais e políticas pela repressão, perseguição e divisão que sofreram durante o mandato de Correa.

Características do governo de Noboa

As características mais relevantes do mandato de Daniel Noboa no período de aproximadamente um ano e meio são as seguintes:

Aumento da violência criminal e de vítimas devido a confrontos entre gangues de narcotraficantes, apesar da militarização do país, dos inúmeros estados de emergência e da declaração de conflito armado interno. Isso deu à polícia e às forças armadas carta branca para agir com mão pesada, mas também com impunidade e desrespeito aos direitos humanos, especialmente entre grupos como os jovens dos bairros mais pobres. O caso das quatro crianças e adolescentes do bairro Las Malvinas, na cidade de Guayaquil, que foram capturados em uma operação das Forças Armadas e posteriormente apareceram assassinados, torturados e queimados no setor Taura, mostra a forma cruel, racista e discriminatória com que em que as operações militares e policiais estão ocorrendo.

O agravamento da crise socioeconômica do país, refletido em indicadores como baixo crescimento econômico, aumento do desemprego e subemprego, aumento da pobreza e da miséria, taxas de evasão escolar, falta de oportunidades para os jovens, falta de medicamentos, suprimentos e pessoal médico em hospitais públicos e no sistema de Previdência Social, e cortes no orçamento das universidades, resultando em menos vagas para os milhares de jovens que buscam o ensino superior, entre outros problemas sociais.

O governo conseguiu reduzir o déficit fiscal por meio das conhecidas políticas de austeridade, ou seja, aumentos de impostos como o IVA, cortes no investimento público e dívida externa por meio da submissão às políticas do Fundo Monetário Internacional. Há alguns meses, o governo obteve um empréstimo de 4 bilhões de dólares do FMI, dos quais 1 bilhão já foi desembolsado e utilizado para pagar dívidas e cobrir alguns déficits orçamentários, focando mais na campanha eleitoral do que em planos com real conteúdo social.

A crise energética, que agravou a crise econômica do país, foi sentida em três meses de apagões devido à seca, situação que expôs a falta de previsão dos governos anteriores e o atual. A falta de manutenção nas usinas térmicas e a não incorporação de novas hidrelétricas ficaram evidentes, assim como a subutilização de formas alternativas de energia, como a solar e a eólica. Saímos da crise energética graças à chegada do inverno, mas atualmente o país é afetado pelo fenômeno oposto: o excesso de chuvas. Outro problema grave é o vazamento de petróleo na província de Esmeraldas, que afeta severamente agricultores e moradores de uma das áreas mais pobres do país. O Ministro da Energia tentou tirar vantagem política deste desastre acusando a oposição política de sabotagem.

Corrupção desenfreada. Durante esse período, várias denúncias de corrupção foram feitas envolvendo empresas e familiares do presidente Noboa, algumas das quais foram expostas pela própria candidata González no debate presidencial realizado há duas semanas. Entre esses eventos, podemos citar a entrega do programa de café da manhã escolar e das refeições dos presos para empresas de familiares de Noboa. A tentativa de entregar terras protegidas por sua biodiversidade em Olón, província de Santa Elena, para beneficiar um projeto imobiliário pertencente à esposa do presidente foi interrompida pelas ações dos membros da comunidade local. A compra de equipamentos de segurança, como coletes, para os integrantes das Forças Armadas que não atendiam aos padrões essenciais de qualidade e segurança, foi feita de uma empresa que havia sido declarada inadimplente em contratos anteriores com a polícia.

Um fato que gerou muita polêmica foi a tentativa de privatização do campo petrolífero de Sacha, o mais produtivo do país, administrado pela estatal PETROECUADOR, para o consórcio privado SINOPETROL por um período de 20 anos. Esse negócio lucrativo seria realizado sem licitação e, de acordo com cálculos de especialistas em petróleo, o prejuízo para o país seria de mais de US$ 1,6 bilhão por ano, ou aproximadamente US$ 32 bilhões ao longo de 20 anos. O roubo foi interrompido porque as empresas chinesa e canadense que receberiam a concessão de Sacha não conseguiram levantar o adiantamento de US$ 1,5 bilhão que o governo havia solicitado para assinar o contrato.

Outro caso, denunciado por Pedro Granja, ex-candidato presidencial do Partido Socialista, é o da PETRONOBOA, empresa do irmão mais novo do presidente, criada poucos dias depois de ele assumir o poder, para vender combustível subsidiado pelo Estado.

Mais recentemente, e talvez no caso mais grave, o sociólogo e jornalista investigativo Andrés Durán documentou a conexão entre a empresa Noboa Trading, de propriedade do presidente Noboa e sua família, e o tráfico de grandes quantidades de cocaína para a Turquia e alguns países europeus. Nas remessas apreendidas, observa-se que as caixas de banana contaminadas são da marca Bonita Banana pertencente à empresa citada. As empresas de banana de Noboa são responsáveis ​​não apenas pela comercialização da fruta, mas também por todo o processo, começando pela produção, embalagem, transporte e remessa. Durán teve que deixar o país devido a ameaças de morte por esse tipo de acusação, assim como já aconteceu com outros jornalistas, como os do meio digital La Posta. Vale destacar que o Equador foi listado por alguns meios de comunicação internacionais como o país de onde é exportada a maior quantidade de cocaína para outros países do mundo.

Nenhum dos casos relatados foi refutado com evidências ou denúncias apresentadas ao Ministério Público Estatal por Daniel Noboa e seu círculo mais próximo.

Campanha eleitoral tensa e desigual

A campanha eleitoral se desenrolou em um clima tenso e difícil devido às denúncias e escândalos relatados e ao fato de o presidente Noboa não ter pedido licença para conduzir sua campanha, conforme exigido pela Constituição.  Não conta com uma vice-presidenta legal e legítima para lhe entregar o poder enquanto faz campanha, já que a vice-presidente Verónica Abad, eleita legalmente nas eleições, tem sido marginalizada e perseguida com toda a força e abuso dos poderes executivo e judiciário.

Daniel Noboa, por outro lado, tem controle sobre a maioria das instituições estatais, como os órgãos eleitorais (TSE e CNE), o Conselho de Participação Cidadã, o Tribunal Constitucional, a Procuradoria-Geral da República, entre outros, e também o apoio de quase todos os meios de comunicação privados e públicos, que fazem campanha aberta e ativamente a seu favor. Isso explica em parte por que, apesar do sério revés que o país está enfrentando em todos os sentidos, o atual presidente e candidato continua a capitalizar o apoio de quase metade da população, o que lhe permite disputar o segundo turno.

Debate sobre o voto nulo ou o voto crítico por Luisa González

Há uma competição acirrada entre os dois candidatos para capturar votos nulos, especialmente os do movimento Pachakútik, liderado por seu ex-candidato presidencial e atual presidente da CONAIE, Leonidas Iza, que terminou em terceiro lugar na corrida presidencial com mais de 5% dos eleitores. Embora esse movimento social e político, um ator fundamental nas lutas sociais do Equador, esteja mais alinhado aos princípios da candidato da Revolução Cidadã, o movimento indígena está profundamente dividido, e não está nítido como a maioria de sua base responderá ao acordo programático assinado entre Luisa González e Pachakutik.

Diante desse panorama político complexo, nós que nos alinhamos a um projeto de esquerda revolucionária com independência de classe não confiamos em nenhum dos candidatos do establishment burguês. Entretanto, as pequenas organizações de esquerda que se dizem socialistas e revolucionárias não tiveram capacidade e coragem para apresentar uma alternativa ao projeto de dominação burguesa capitalista. Um debate acalorado está se formando dentro desses setores políticos e sociais sobre se deve anular o voto ou se um voto crítico deve ser dado a Luisa González. Minha opinião pessoal é que um voto crítico deve ser dado a Luisa González para evitar o perigo maior de um governo de extrema direita e protofascista. O voto nulo ou ideológico serve para justificar a nossa consciência; o voto no candidato do RC abre espaço para a recomposição das forças sociais, ou seja, melhores condições para a construção de um projeto alternativo para a classe trabalhadora.

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