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Colômbia | Crise em Catatumbo: o fracasso da estratégia guerrilheira e os limites de Petro

janeiro 30, 2025

Por: PST – Colômbia

Há uma máxima marxista que diz: “a existência determina a consciência”. Isso é o que aconteceu comumente com as organizações insurgentes: sua forma de vida mudou o seu rumo.

Na raiz da atual crise em Catatumbo, que já causou a morte de pelo menos 80 pessoas e deslocou mais de 30.000, podemos identificar três problemas principais.

O primeiro é o fator estrutural mais geral, onde territórios esquecidos pelo Estado, ricos em recursos naturais, resistem à pilhagem e à exploração do capitalismo imperialista em todas as suas formas, com comunidades altamente vulneráveis. Nisso os principais responsáveis ​​são o sistema capitalista e todos os governos anteriores. O segundo fator é o fracasso da estratégia de guerrilha, que, diante da impossibilidade de tomada do poder e do crescente isolamento da luta de massas, desemboca nessas disputas pelo poder local e com formas de financiamento e métodos cada vez mais complexos e questionáveis. O terceiro é o fracasso da proposta de paz total de Petro, que de forma simplista tentou negociar com todos ao mesmo tempo, colocando no mesmo saco rebeldes, paramilitares e gangues criminosas.

Essa diferenciação era fundamental, portanto, o tratamento que tinha que ser dado e as expectativas de cada grupo na hora de negociar eram muito diferentes. Pelo fato de que  as organizações criminosas frequentemente atuem politicamente, ou porque organizações insurgentes muitas vezes cometem atos criminosos, não significa que elas sejam a mesma coisa e ponto final. Nós, do PST, criticamos desde o início essa proposta de “paz total”, apontando seus limites e a preocupação de que ocorresse, justo, o que está acontecendo agora.

A paz na Colômbia tem como inimigos não só a falta de vontade dos diferentes atores, que pode existir, mas também as contradições estruturais expressas na distribuição de terras e a ausência de uma reforma agrária democrática e radical, no abandono estatal de muitos territórios e no profundo problema do narcotráfico e da gestão deste fenômeno.

Atualmente, a Colômbia ocupa uma posição subordinada na cadeia produtiva global de valor, na qual somos responsáveis ​​pela extração de matérias-primas e pelo agronegócio. Buscar a paz como pacificação de territórios para promover esses negócios legais ou ilegais naturalmente encontraria resistência das comunidades e também o problema de grupos armados lutando pelo controle territorial. Pensar que depois do que aconteceu com as FARC, outros grupos iriam se render de forma semelhante não faz sentido.

O fracasso da estratégia guerrilheira deu lugar a novas formas de conflito em que prevalecem o controle territorial e o exercício do poder local; onde há diversos grupos armados lutando para alcançar esse poder, que não têm como estratégia desafiar e enfrentar o Estado e o capital, ou mesmo enfrentar o regime político, instalado há décadas, dominado pelo poder dos latifundiários, fazendeiros, narcotraficantes e empresários, origem da resistência guerrilheira camponesa. Ou no caso dos paramilitares que fazem parte do próprio regime político, como uma instituição ilegal, criada pelos governos conservadores e uribistas.

Nesse contexto, os camponeses sobrevivem cultivando folhas de coca, praticando mineração legal e ilegal e até mesmo se juntando a grupos armados. Grupos armados controlam o negócio e os corredores estratégicos para seu comércio, mas também substituem funções administrativas do Estado. Ou seja, existe uma relação sistêmica entre as comunidades e esses grupos; as pessoas vivem do mesmo negócio enquanto sofrem com as ordens desses grupos, da extorsão e, às vezes, o recrutamento forçado. Não se pode simplesmente chegar de Bogotá e desconhecer essas realidades.

Não ao estado de “comoção interna”, Petro escolheu o caminho errado

Petro está indo aos trancos e barrancos. Assim como ele prometeu a paz em três meses com todos os grupos armados, e pensou que, com a boa vontade do governo, sem mudanças estruturais e com a ajuda do poder burguês, a paz poderia ser feita. Agora, quando sua estratégia mostra seus limites e a realidade explode em sua cara, ele opta por responder como qualquer presidente de qualquer estado burguês: recorrendo a medidas de exceção e basicamente ao exército e à ocupação militar do território. Um erro grave, em nossa opinião. Não é uma questão de se os grupos armados merecem ser combatidos por seus crimes ou não, ou se os soldados levam junto munições e kits de ajuda para os deslocados. A questão é que essa medida é tão inútil a longo prazo quanto contraproducente.

A presença do Estado, necessária em áreas esquecidas como Catatumbo, não se refere à presença militar, mas a medidas que busquem o bem-estar das comunidades.

Com a militarização de Catatumbo, é possível que grupos armados recuem devido à superioridade numérica, mas isso será apenas por um curto período, porque nenhuma das contradições estruturais será resolvida.

Além de não resolver realmente o problema, o que Petro faz é continuar a legitimar o Estado burguês e seu exército; encobrir as próprias forças armadas responsáveis ​​por 6.402 falsos positivos e pelos crimes da escombrera[1]: as cuchas[2] tinham razão, não se pode confiar no exército. Hoje Petro pode ser o comandante em chefe, amanhã não sabemos. Exortar as comunidades a confiarem no Estado e nos militares é e sempre será um erro grave.

Para as comunidades, ocupar com o exército, mesmo que seja um grupo legal, significa adicionar mais um grupo armado no terreno, um grupo que também tem antecedentes criminais. É basicamente colocar mais lenha na fogueira.

Nem a narrativa de que o ELN, os dissidentes e os paramilitares são todos iguais, “narcoterroristas”, ajuda em nada, uma narrativa no melhor estilo de qualquer governo de direita. É necessário levar cada organização a sério e retornar o mais rápido possível ao caminho de uma solução política para o conflito.

A estratégia inicial falhou. Petro, em seu lugar, toma o caminho da guerra, agora aplaudido por aqueles que clamam pela paz há anos. Deve aprender com seus erros e insistir mais do que nunca em uma solução negociada.

No futuro imediato, é necessário proteger os líderes sociais e a população. E alocar o orçamento e o pessoal necessários para lidar com a emergência humanitária que surgiu. Da mesma forma, chamar a todos os grupos que cessem o fogo e buscar uma maneira de retomar as negociações.

Apelo às organizações insurgentes

Queremos fazer um apelo fraterno e direto às organizações que são consideradas insurgentes ou beligerantes. Abandonem imediatamente os métodos estranhos à luta operária e camponesa, devem ser respeitadas as mínimas normas da guerra, o que implica respeitar a vida da população indefesa e desarmada, e cessar as ações armadas dentro das vilas e povoados. Não basta dizer que essas pessoas se rearmaram ou pertencem a um grupo armado oposto; o custo político e humano de tais ações é inaceitável.

Já que vocês afirmam ser organizações revolucionárias e pró-povo, vocês devem reconhecer o fracasso de elevar a tática de guerrilha a uma estratégia; devem desistir disso. A derrota da luta guerrilheira e seu isolamento da luta de massas é evidente, inclusive para vocês. Não estamos propomos a rendição, muito menos a entrega de armas ao poder burguês. Propomos que vocês continuem a luta política com paciência, ao lado das comunidades, dos trabalhadores e do povo, e que usem armas apenas para sua legítima defesa.

A solução é negociar um armistício, uma paz sem entregar as armas, das quais precisam para se defender e evitar serem massacrados, como aconteceu com as FARC, e fazer política sem elas. Também devem abandonar negócios que distorcem a moral revolucionária, como o tráfico de drogas, o que acabará por degradá-los cada vez mais.

As comunidades devem ter o direito de definir seus destinos democraticamente, discutindo e organizando-se em assembleias; devemos confiar no poder popular e de base.

Legalização de cultivos e reforma agrária democrática radical

Acabar com o narcotráfico e todas as consequências criminosas desse negócio não é como já se tentou, aumentando sua lucratividade por meio da proibição e permitindo que o imperialismo o utilize como pretexto para intervir política e militarmente; deve ser legalizada para eliminar a alta taxa de lucro que advém de sua ilegalidade e devem ser desenvolvidas campanhas para prevenir o consumo de drogas que ameaçam a saúde.

Presença do Estado com serviços de saúde, educação, produção e serviços públicos, terras para os camponeses e territórios para povos indígenas.

Também será necessário comprometer-se totalmente com uma reforma agrária democrática e radical que exproprie os expropriadores dos camponeses e indígenas.

Expulsão de multinacionais do território e nacionalização dos recursos naturais sob controle operário e das comunidade.

Proteção imediata dos líderes sociais, assembleias de base das comunidades para definir como continuar e avançar no caminho em direção à verdadeira paz.

Para alcançar essas medidas, propomos uma grande mobilização liderada pelo povo de Catatumbo, que exija, de forma independente, que todos os grupos cessem o fogo e rejeitem o estado de comoção interior de Petro, além de exigir mudanças e transformações fundamentais para a região.

Comitê Executivo – Partido Socialista dos Trabalhadores


[1] Refere-se ao aterro sanitário em Medellín onde estão dezenas de corpos de desaparecidos (ndt.)

[2] Refere-se a um grupo de mães da comuna 13 de Medellín que procuram seus filhos desaparecidos há duas décadas( ndt.)

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