Solidariedade com a comunidade Mapuche Lof Pailako

Por: PSTU – Argentina
Hoje, quinta-feira, 9 de janeiro de 2025, foi realizada uma grande operação pela Polícia Federal e Gendarmaria para desalojar a comunidade Mapuche Lof Pailako do Parque Nacional Los Alerces, “por bons meios” ou pela força. Diante da alternativa de que a resistência ao despejo provocaria uma repressão feroz contra a comunidade, incluindo idosos e crianças, seus integrantes optaram por se retirar do parque, que foi ocupado por forças policiais, colocadas à disposição da direção da Administração Nacional de Parques Nacionais[1].

É um novo ataque ao povo Mapuche que habita há séculos a região da Patagônia Andina (nos atuais territórios da Argentina e do Chile). Especificamente, a comunidade Lof Pailako vive no que hoje é o Parque Nacional há pelo menos cinco gerações, conforme demonstrado por estudos antropológicos conduzidos por especialistas do Conicet e de prestigiosas universidades estrangeiras. Ou seja, muito antes da criação do atual Parque Nacional (entre 1937 e 1945).
Após a criação do moderno Estado argentino, na medida em que a burguesia argentina quis estender seu domínio a toda a província de Buenos Aires, especialmente à região do Pampa e à Patagônia, os povos nativos que viviam nessas regiões começaram a ser atacados e expulsos de suas terras ancestrais. Um exemplo disso foi a hipocritamente chamada Campanha do Deserto, que culminou em 1879, liderada pelo General Julio Argentino Roca. Os estudos mais aprofundados descreveram esta campanha como um genocídio e um etnocídio, uma continuação do realizado noutras regiões pela colonização espanhola[2]. Tudo isso a serviço da instalação de novos proprietários de terras. No Chile, ocorreu um processo semelhante.
Na Patagônia, os mais afetados foram os povos Tehuelche ou Aonek’enk (do sul). Entre eles estavam os Mapuches, que se limitavam a pequenas comunidades espalhadas em territórios dos quais não tinham “propriedade legal”. A situação piorou ainda mais com a criação da Administração de Parques Nacionais, com terras abrangendo esses territórios. Os Mapuches começaram a ser chamados de “usurpadores”.
Moira Millán, uma weichafe (guerreira ou lutadora) mapuche, expressou: “Nós somos os palestinos da Patagônia. É um lugar onde há muitos interesses geopolíticos e econômicos que são estratégicos, e há um povo, o povo Mapuche” (documentário Palaiko: Cosmovisão em Resistência)[3].
Em relação aos interesses econômicos, atualmente é evidente que a Patagônia Andina possui imensa riqueza em hidrocarbonetos (petróleo e gás) e minerais, além de contar com atrativos turísticos de renome internacional, propícios ao desenvolvimento de luxuosos projetos imobiliários, e uma grande reserva de água doce em suas geleiras e lagos. É um “pedaço muito apetitoso” para a grande burguesia estrangeira e nacional que sempre tenta se apropriar deles. Esta é a mesma análise apresentada por Laura Taffetani, da Associação dos Advogados da Argentina: esta ordem judicial de despejo “tem a ver com o modelo extrativista e saqueador que vem ocorrendo, e as comunidades são um obstáculo aos negócios, à mineração”. Esta organização apresentou vários recursos de proteção ao tribunal federal de Esquel, ao Tribunal de Apelações de Comodoro Rivadavia e ao Supremo Tribunal. Todos foram rejeitados.
A ação de despejo
Esta ação de despejo foi realizada por ordem do juiz federal de Trelew, Guido Otranto (o mesmo que deixou sem solução o assassinato de Santiago Maldonado em 2017). Depois, como vimos, foi reafirmado por todos os órgãos judiciais superiores.
O contexto atual é o decreto 1083/2024 de Javier Milei que “declarou o fim da emergência em matéria de posse e propriedade de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas, conforme previsto na Lei 26.160”. Esta lei de 2006 “congelou” a situação dos territórios indígenas. Ela foi prorrogada em 2009, 2013 e 2017, até que o decreto de Milei expirou e permitiu as expulsões de povos indígenas de seus territórios ancestrais, como o que aconteceu recentemente com a comunidade Lof Pailako, em mais de 300 processos judiciais.
Diante desse fato, é repugnante a hipocrisia da burguesia argentina, de suas instituições e de sua mídia. Um exemplo disso é a declaração do governador de Chubut, Ignacio Torres, que, desde que assumiu o cargo no final de 2023, disse: “Devemos fazer cumprir a lei e não permitir que criminosos se apropriem do que não lhes pertence.” Ou as do porta-voz presidencial, Manuel Adorni, que disse que se tratava de “expulsão de usurpadores de terras que pertencem a todos os argentinos”.
É uma hipocrisia repugnante porque são os mesmos governos nacionais e provinciais (de todas as cores) que olham para o outro lado e não fazem nada diante do fato de que o milionário britânico Joe Lewis se apoderou do Lago Escondido, em Río Negro, e impeça, com um exército privado, a livre circulação das estradas de acesso público, apesar de ter havido uma ordem judicial para a sua libertação durante 9 anos[4]. Que permitem que a empresa mineira canadense Barrick Gold contamine águas e terras com cianeto[5], e que o governo de San Juan exproprie terras privadas para dá-las a esta empresa[6].
Para estes agentes servis da grande burguesia nacional e estrangeira, os Mapuches são “criminosos” e “usurpadores”, enquanto os verdadeiros ladrões e usurpadores [de colarinho branco] como Joe Lewis e Barrick Gold são “investidores” a quem são dadas todas as vantagens legais e protegem seus interesses (como acontece com o RIGI, recentemente aprovado no Congresso)[7]. Em troca, eles certamente recebem altas comissões pelos serviços prestados.
O que os leva a atitudes ainda mais repugnantes, como a negação racista da existência dos povos indígenas e de seus direitos ancestrais (algo que consta inclusive no artigo 17 do artigo 75 da Constituição Nacional, que reconhece a preexistência étnica e cultural dos povos indígenas). .
Como imagem disso, Ignacio Torres, governador de Chubut; Cristian Larsen, presidente da Administração de Parques Nacionais, e o prefeito de Esquel, Matías Taccetta, participaram da operação de despejo. Até a Ministra da Segurança do governo nacional, Patricia Bullrich, chefiou a operação[8]. Salvando as distâncias, esta imagem lembra a colonização europeia da África.
Por outro lado, inúmeras organizações de direitos humanos, ambientais e indígenas expressaram solidariedade aos Mapuches e exigiram que o despejo não fosse realizado. Os deputados do FIT-U, do PTS, do PO, do IS e do PSTU de Chubut e em nível nacional também o fizeram.
Uma solidariedade significativa veio do Brasil, após uma campanha realizada pelo PSTU brasileiro, a CSP-Conlutas, a organização Luta Popular e inúmeras comunidades indígenas do país.
Um regime ao serviço do capitalismo semicolonial
O que aconteceu com a comunidade Lof Pailako é uma nova demonstração da verdadeira natureza do regime político estabelecido pela Constituição de 1853 e suas emendas subsequentes. As suas instituições (governo nacional, governos provinciais, Parlamento, Justiça a todos os níveis, forças policiais, etc.) já não são a expressão da soberania nacional ou da “vontade popular”. Elas foram transformadas em instituições semicoloniais a serviço da pilhagem imperialista e de seus parceiros nacionais.
Neste momento, queremos expressar nossa solidariedade à comunidade Lof Pailako e a todo o povo Mapuche. Ao mesmo tempo, apoiamos sua luta pelo direito de ter seus próprios territórios para existir como um povo de acordo com suas tradições ancestrais. Exigimos que esses territórios sejam entregues a eles, mesmo que “pertençam” a proprietários privados ou a Parques Nacionais.
Mas ficou muito evidente que nem o capitalismo argentino, submetido ao imperialismo e às grandes empresas nacionais associadas, nem o atual regime político lhe concederão esse direito. Portanto, a proposta de que a solução virá por meio do diálogo e do acordo com os governos é um beco sem saída que sempre termina em despejos como o da comunidade do Parque los Alerces.
Os povos indígenas da Patagônia também têm uma arma fundamental: muitos de seus descendentes são operários petroleiros, mineiros e pescadores. Portanto, o caminho a seguir é alcançar a unidade de suas demandas com as do movimento operário em uma luta comum.
Uma luta que deve culminar em uma revolução operária e popular que leve a uma Argentina Socialista e construa um país oposto ao atual (sem multinacionais saqueadoras) ou instituições a seu serviço. Somente um governo popular e operário poderá garantir esses direitos aos povos indígenas e sua plena integração autônoma neste novo país, mais justo e igualitário.
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[1] https://www.infobae.com/politica/2025/01/09/desalojo-en-chubut-los-mapuches-abandonaron-el-parque-los-alerces-y-el-estado-recupero-las -terras-usurpadas/
[2] https://journals.openedition.org/alhim/103
[3] https://www.instagram.com/chimera.arte/reel/DCy04NVRNIm/”
[4] https://www.lanacion.com.ar/politica/lago-escondido-la-justicia-de-rio-negro-fallo-a-favor-de-joe-lewis-y-se-cerrara-el -caminho-curto-que-nid01092023/
[5]https://elpais.com/internacional/2015/09/25/actualidad/1443206825_026909.html
[6] https://www.perfil.com/noticias/politica/el-gobierno-de-san-juan-le-entrego-un-terreno-a-barrick-gold-y-sus-duenos-reclaman-fueron -contra-decisões-judiciais.phtml
[7] https://litci.org/es/arge ntina-o-regime-de-incentivo-aos-grandes-investimentos-rigi-e-uma-mesa-posta-para-o-imperialismo/?utm_source=copylink&utm_medium=browser
[8] https://canal12web.com/localidades/chubut/patricia-bullrich-presente-no-operativo-de-desalojo-no-parque-nacional-los-alerces/