O momento político e a classe operária
Por: Víctor Montes
As greves e mobilizações lideradas pelo setor de transporte de passageiros nos dias 26 de setembro, 10, 11, 12 e 23 de outubro abriram um novo momento político no país.
Com as greves e mobilizações, a ação direta dos setores populares foi colocada no centro da situação política, enquanto o governo assassino de Dina Boluarte, bem como o Congresso reacionário, parecem absolutamente incapazes de resolver as reivindicações urgentes da população, começando pelo enfrentamento ao crime organizado.
Daí o movimento, formado pelo setor de transporte de passageiros, motoristas, pequenos e médios comerciantes, mototaxistas, jovens estudantes e trabalhadores, mulheres, homens, crianças e idosos… rapidamente intensificou suas reivindicações, exigindo agora a queda de o governo e apelando imediatamente a uma nova paralisação nos dias 13, 14 e 15 de novembro, em plena cúpula do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC).
Tão ampla é a simpatia que a mobilização conquistou, que até a burocracia sindical da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), controlada pelo Partido Comunista (PCP-U), foi forçada a deslocar-se e aderir à nova convocatória, convocando as bases sindicais a se mobilizarem (mas não a parar).
Com esta mudança de orientação, a direção da CGTP quer evitar ficar de fora do movimento, e tentar controlá-lo para usá-lo como cartão de negociação com o governo, que é a sua política fundamental.
Prova disso é que, em resposta à greve dos transportes de 23 de Outubro, a CGTP através da sua base mais sólida, a Federação Nacional dos Trabalhadores da Construção Civil, apelou a uma mobilização “pela paz” para o dia seguinte, 24 de Outubro, em conjunto com a patronal da construção civil, dividindo mais uma vez a luta, e pedindo ao governo atenção às suas reivindicações, quando a mobilização do dia 23 gritou pela queda de Boluarte.
A resposta do governo
Por sua vez, o governo também percebeu o ódio da população e, sabendo-se incapaz de resolver as reivindicações levantadas, redobrou o discurso repressivo ao iniciar uma campanha para rotular aqueles que convocam a greve como “traidores da pátria”.
Para assumir o controle das ruas de Lima e Callao, ordenou a saída de 8.200 membros da Polícia Nacional (PNP) e 5.000 das Forças Armadas nos dias da APEC. E para que não haja dúvidas sobre sua vocação repressiva, anunciou que enviará ao Congresso um projeto de lei para que policiais e soldados que ferirem ou matarem alguém “em cumprimento de seu mandato constitucional” sejam julgados por jurisdição militar, e não pelo tribunal cível, onde hoje são julgados.
E o Congresso, brincando de “na parede” com Boluarte, aprovou no dia 6 de novembro norma que altera o Código Penal e o novo Código de Processo Penal, para que o Ministério Público não possa solicitar prisão preventiva a policiais que, por uso de sua arma de fogo, causem ferimentos ou até a morte.
O deputado Víctor Flores, da Fuerza Popular, argumentou durante o debate parlamentar que o objetivo da norma era que os policiais “perdessem o medo” de usar sua arma, inclusive “nos dias de folga ou de férias”. A intenção é evidente.
É urgente que a classe operária entre na luta
Um número indeterminado de trabalhadores e trabalhadoras tem participado das mobilizações. No entanto, pela inação dos dirigentes nacionais e dos sindicatos, a sua participação realiza-se de forma espontânea e sem vincular as suas bandeiras, como a luta contra as demissões coletivas ou pelo aumento dos salários, entre outras, com as do resto do povo.
Isto é um problema porque, do ponto de vista da luta imediata da classe trabalhadora, perdeu-se a oportunidade de colocar a agenda dos trabalhadores na cena nacional, de mãos dadas com as reivindicações dos setores populares em todo o país.
Devemos construir uma alternativa operária e revolucionária a partir da luta
Mas também, o momento político reabre um debate muito necessário: qual a perspectiva política que o país deve assumir? A revolta do sul contra Boluarte e o Congresso, durante os meses de dezembro de 2022 e março de 2023, respondeu a esta questão com um programa democrático radical: saída imediata do governo e do Congresso, convocando uma Assembleia Constituinte e eleições gerais. Com isto, as populações do interior e particularmente do sul do país, manifestaram a sua vocação para mudar tudo, apontando ao político como uma questão fundamental.
Porém, hoje, as lutas que correm pelas ruas não construíram uma expressão desse desejo. E na falta de uma direção política revolucionária, e mais ainda, operária, corre-se o risco de a luta ficar à mercê de aventureiros reacionários e autoritários, que oferecem mais repressão e xenofobia – a famosa “mão forte” que tantas vezes deslumbrou um Peru “fã” dos militares – como fórmula para ganhar votos. Repressão que, como sempre acontece, acabaria apenas por atingir a organização e mobilização operária e popular.
Por isso é urgente que a classe operária se junte e assuma as bandeiras da mobilização, mas dando-lhes um conteúdo de classe face ao Estado e à sua repressão. Somente uma direção operária e revolucionária pode dirigir a mobilização operária e popular para a queda, não só de Boluarte, mas de toda a democracia dos patrões corruptos e dos seus partidos políticos que mantêm relações simbióticas com os mais altos níveis do crime organizado, e recuperar o país do modelo econômico neoliberal da Odebrecht e companhia.
Neste sentido, têm-nos dado um bom exemplo os trabalhadores da Celima que, enfrentando nas ruas o processo de demissão coletivo que a empresa lhes tem imposto, saíram no dia 23 de Outubro para denunciar o governo e promover a realização de uma campanha combativa e greve nacional efetiva, em todas as fábricas, minas e centros de trabalho do país. Esse é o caminho que toda a classe trabalhadora deve seguir, que sofre todos os dias, junto com os abusos e a arrogância dos patrões, a investida da criminalidade.