dom maio 19, 2024
domingo, maio 19, 2024

Cisjordânia: a outra frente do ataque israelense aos palestinos

Diante do ataque genocida de Israel à Faixa de Gaza, a mídia internacional centralizou sua atenção na situação nessa área. Neste artigo, tentaremos analisar a situação da Cisjordânia, o outro território palestino sob ocupação israelense, que também sofre uma agressão permanente por parte do Estado sionista.

Por: Alejandro Iturbe

Para isso, consideramos necessário fazer um breve resumo de sua história e como chegou à situação atual. O que hoje é chamado de Cisjordânia (que significa “deste lado do rio Jordão”) fazia parte do Mandato Britânico da Palestina, criado pela Sociedade das Nações, em 1918, após a derrota do Império Turco na I Guerra Mundial e de seu desmantelamento. É todo o território desse Mandato (“do rio [Jordão] ao mar [Mediterrâneo]”) que o povo palestino reivindica, com razão, como seu país porque o habitam há séculos, como uma parte específica dos povos de língua árabe.

Nos mapas da época não há nenhuma referência à Cisjordânia como um território diferenciado. Também não figurava na Declaração Balfour (1917) do governo britânico, na qual se respaldava o projeto do sionismo de “estabelecer um ‘lar nacional judeu’ na Palestina”. Naquela época, os judeus representavam uma minoria, muito pequena, dos habitantes da Palestina. Esta declaração é considerada o primeiro apoio explícito do imperialismo ao que seria em 1947-1948 a criação do Estado de Israel. Significou, além do mais, a aliança explícita do sionismo com o imperialismo para colocar-se ao seu serviço.

A partir dela, e do acordo franco-britânico conhecido como Sykes-Picot (1916), várias potências europeias apoiaram ativamente o esforço sionista de transferir judeus europeus para radicarem-se na Palestina. Da mesma forma, continuaram sendo uma minoria nesse território no qual, em 1931, viviam 750.000 palestinos e 175.000 judeus.

Esta imigração de judeus europeus deu um salto durante a II Guerra Mundial com muitos que fugiam da perseguição nazista e, depois de terminada a guerra, com muitos sobreviventes do holocausto. Mesmo assim, os habitantes judeus continuaram sendo minoritários na Palestina, onde habitavam 1.300.000 palestinos e 600.000 judeus

A resolução da ONU de 1947

É nessa situação que em 29 de novembro de 1947 a Assembleia Geral da ONU vota a Resolução 181, que divide o Mandato Britânico da Palestina e outorga ao futuro Estado de Israel e à população judia (como vimos, em sua maioria imigrantes europeus recém chegados) 52% desse território. Essa resolução foi votada com o respaldo do imperialismo estadunidense, seus aliados imperialistas na II Guerra Mundial (Inglaterra e França) e, também, pela URSS dirigida pelo estalinismo (um fato que os estalinistas tentaram ocultar depois). É importante destacar que, mesmo no território outorgado a Israel, a população judia era minoritária: 900.000 habitantes palestinos contra os 600.000 judeus, dos quais já falamos e que, no máximo, eram proprietários de 6% das terras e das casas.

Com esta resolução, a ONU legalizava um terrível roubo do território palestino (um objetivo que estava na origem do projeto sionista desde o século XIX). Os EUA e seus aliados impulsionaram e respaldaram esse projeto para criar um enclave imperialista militar e geográfico no coração do mundo árabe com suas grandes riquezas petrolíferas.

Os judeus europeus tinham acabado de sofrer uma terrível perseguição e um atroz genocídio pelos nazistas, e o mundo estava horrorizado com isso. Quem poderia opor-se à criação de um território onde os judeus pudessem “viver em paz” e “recuperarem-se das suas feridas”? Mas este justo sentimento foi usado pelo imperialismo e pelos sionistas para ocultar o verdadeiro conteúdo do que estava acontecendo: o povo palestino vivia há séculos nesse território e, portanto, era necessário roubar suas terras e expulsá-lo delas.

A Nakba

Por isso, o sionismo criou organizações armadas, como Ergún, Haganá e Lehi, que agiam contra os palestinos. Foi o ponto de partida do que os palestinos chamam a Nakba: uma brutal ofensiva de limpeza étnica realizada pelas organizações sionistas armadas, com métodos sanguinários. Um exemplo disso foi o ocorrido na aldeia de Deir Yassin, já em 1948 (próximo de Jerusalém): para expulsá-los de suas propriedades, 200 de seus 600 habitantes foram assassinados (incluindo idosos, mulheres e crianças).

Em 14 de maio de 1948, data estabelecida pela ONU para a entrada em efeito da Resolução 181, a Grã Bretanha se retira do território palestino. Israel aproveitou a nakba e vários meses de “limpeza étnica” para apropriar-se de 26% adicionais do território que havia sido concedido aos palestinos através dessa resolução.

Esta “limpeza étnica” (sob a benevolência do imperialismo e do estalinismo) teve como resultado que ficaram apenas 138.000 palestinos no território concedido a Israel. O resto foi expulso. Depois de realizar a nakba, Israel votou a “lei de ausentes”: as terras e casas dos palestinos expulsos eram expropriadas pelo Estado e entregadas aos habitantes judeus “presentes”, que assim passaram a ser donos de 90% das propriedades.

Os palestinos expulsos se viram obrigados a ir para diferentes destinos como a atual Cisjordânia (em alguns casos, para acampamentos de refugiados como o de Jenin) ou para a Faixa de Gaza. Outros partiram para o exílio em países árabes (especialmente Jordânia, Líbano e Síria), onde muitos vivem também em acampamentos de refugiados, ou para regiões mais distantes, como os EUA e América Latina.

Desta forma, este povo ficou dividido em três setores: os que vivem dentro das fronteiras do território apropriado pelo estado sionista, os que vivem em Gaza e Cisjordânia, e os que foram exilados. Assim nasceu a tragédia deste povo, provocada pela criação do Estado de Israel. Assim começou também a luta deste povo para recuperar seu território histórico.

Desde 1948

O território do velho mandato britânico concedido aos palestinos ficou “cortado em dois” por Israel: uma parte oriental (do rio Jordão até Jerusalém oriental) e uma parte ocidental (a Faixa de Gaza), que teve sua superfície cada vez mais diminuída como consequência das novas “apropriações” israelenses.

Entre 1948 e 1949, ocorreu a primeira guerra árabe-israelense, que finalizou com a vitória israelense. Em 24 de fevereiro de 1949, foi assinado o armistício entre ambos os lados. Por esse acordo, a Faixa de Gaza ficou sob administração egípcia e a Cisjordânia sob administração jordana. O documento atribuía à Cisjordânia uma superfície de 5.860 km2 que incluía a parte oriental de Jerusalém. Atualmente vivem na Cisjordânia mais de 3.000.000 de palestinos.

Em 1967, depois da chamada “Guerra dos Seis Dias”, que finalizou com uma nova vitória israelense, Israel anexou e ocupou militarmente os territórios de Gaza e Cisjordânia (desde esse fato, generalizou-se chamá-los de “territórios palestinos ocupados”).

A população palestina resistiu permanentemente a esta ocupação, e a máxima expressão desta resistência foi a Primeira Intifada (revolta popular, em árabe), que explodiu a partir de 1987: milhares de jovens palestinos de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental (alguns quase crianças) enfrentavam os tanques e os soldados israelenses com estilingues e pedras. Suas imagens percorreram e impactaram o mundo.

Apesar da terrível repressão israelense (houve cerca de mil mortos palestinos), a Intifada se mantinha. Isto começou a gerar uma profunda crise no moral dos jovens soldados israelenses que, em defesa de Israel, manifestavam estar dispostos a matar soldados inimigos e “terroristas”, mas que já não suportavam mais matar jovens desarmados.

Os acordos de Oslo

O imperialismo ianque e os dirigentes sionistas compreenderam que esta situação abria a possibilidade de uma derrota política e militar de Israel. Diante desse perigo, começaram a promover o caminho da “negociação” que levaria aos Acordos de Oslo, assinados em 1993-1994 entre Yasser Arafat, presidente da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e o governo israelense, com a intervenção de Bill Clinton, então presidente dos EUA.[1]

Por esses acordos, a OLP reconheceu a legitimidade da existência do Estado sionista e assinou “a paz” com ele. Na realidade, foi uma verdadeira traição à luta do povo palestino. Uma traição que o regime egípcio já havia cometido com os acordos de Camp David, em 1979[2] e o regime jordano, em 1984.

O exército israelense, supostamente se retirava dos territórios ocupados e os entregava a um “governo palestino”: a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que os administraria. Arafat e Al Fatah (a principal corrente política da OLP) defenderam estes acordos dizendo que este era o primeiro passo de um caminho que, no futuro, levaria à constituição de um pequeno Estado palestino independente com o critério de “dois Estados”. Em diversas ocasiões, debatemos esta “falsa solução” à luta dos palestinos para recuperar todo seu território histórico[3].  

A ANP é uma administração colonial

Mas mesmo que se aceite a estratégia desta falsa solução, a realidade foi completamente diferente: Gaza e a Cisjordânia nunca tiveram autonomia de Israel. Em primeiro lugar, porque foram “cercadas” e suas fronteiras ficaram sob controle militar israelense, tanto na passagem dos palestinos para Israel como para, e desde, o exterior (fronteira com a Jordânia). O mesmo ocorre com seu comércio exterior.

A Faixa de Gaza ficou comprimida e isolada entre Israel e o mar. Enquanto isso, a Cisjordânia foi “cortada em pedaços”, em três categorias de áreas: A, sob controle civil e policial da ANP; B, sob controle conjunto da ANP e militares israelenses; e C, sob controle militar e civil exclusivo de Israel. Esta última zona é a única com continuidade territorial e rodeia e fragmenta as zonas A e B. Isto significa que, inclusive para ir de uma zona própria a outra, os palestinos devem atravessar controles israelenses. Em fins de 2010, havia 99 postos de controle israelense e 505 obstruções de vários tipos em rodovias que dificultam a livre circulação dos palestinos na Cisjordânia.

O mesmo acontece com qualquer tipo de desenvolvimento econômico autônomo, que é subordinado e controlado por Israel. Basta dizer que a moeda de uso corrente na Cisjordânia é o shekel israelense. Em 2022, a economia palestina ocupava a posição 157 em um ranking de 197 países, com uma dinâmica descendente. Nesse quadro, as condições de sobrevivência e emprego são muito difíceis. Os índices de desemprego são altos, especialmente entre a juventude[4].

Não é por acaso que, em 2022, 130.000 palestinos da Cisjordânia viram-se obrigados a irem trabalhar todos os dias em construções, agricultura e inclusive em fábricas no território apropriado pelo estado sionista[5]. Para isso, devem obter permissões das autoridades israelenses e atravessar os lentos e rigorosos controles de fronteira que às vezes demoram horas. Muitas vezes, é a única alternativa de emprego que têm e além disso, obtêm melhores salários que na Cisjordânia. Um filme recente (A 200 metros), escrito e dirigido pelo palestino Ameen Nayfeeh, mostra um pouco desta realidade[6].

Por fim, Israel continuou roubando propriedades palestinas, tanto urbanas em Jerusalém Oriental como terras de uso agrícola. Nelas, se instalaram os novos imigrantes judeus de origem russa, chegados a partir de 1990, após a queda da ex União Soviética. Estima-se que já haja 800.000 destes “colonos” (200.000 deles em Jerusalém Oriental).

Como se tudo isso fosse pouco, Israel começou a construir uma “barreira de separação” entre seu território e a Cisjordânia, um alto e grosso muro de cimento na maior parte de sua extensão, já quase totalmente construído. A construção deste muro não só teve efeito de isolamento e controle da Cisjordânia. Por um lado, deixou Jerusalém Oriental e as “colônias” apropriadas “dentro” de Israel. Por outro, tal como assinalam a própria ONU e a Anistia Internacional significou a demolição de moradias palestinas, a destruição de oliveiras e de terras de cultivo palestinas, maiores dificuldades ao movimento entre bairros palestinos, aumento dos controles do exército israelense, e efeitos negativos na demografia e na economia da Cisjordânia[7]. Inclusive houve famílias palestinas que ficaram divididas e separadas pelo muro[8].

Com base em tudo o que analisamos, a ANP não significou nenhum passo para a constituição de um verdadeiro governo palestino nos territórios. Pelo contrário, se transformou em um agente do domínio colonial israelense sobre esses territórios, cujo aparato e forças policiais estão a serviço desse domínio. A partir da vitória do Hamas nas eleições de 2006 e sua ruptura com a ANP, a situação da Faixa de Gaza passou a ser totalmente diferente da situação da Cisjordânia[9].

Surge uma nova burguesia palestina

A questão da ANP não é apenas seu papel político. É mais profundo que isso, já que, baseada nesta política de “agente colonial”, inclusive nas terríveis condições gerais da Cisjordânia, foi surgindo uma burguesia palestina que encontra espaços de desenvolvimento e se “entrelaça” com a ANP e Al Fatah.

Esta nova burguesia palestina surge pelos diversos caminhos que a “situação colonial” permite. O primeiro é a administração dos fundos e das instituições que a ANP gerencia (que lhe são entregues por Israel) como um “banco palestino”, hospitais, escolas, universidades, correios, etc. Além dos trabalhadores que estas instituições empregam, é gerado um “clientelismo” e uma dependência de uma parte da população da ANP.

Em segundo lugar, setores econômicos tradicionais, como o cultivo de oliveiras e a produção de azeite de oliva, exportam seus produtos a Israel ou através deste país e, para isso, se associam cada vez mais ao Estado e a empresas israelenses[10].

Alguns destes “novos empresários “palestinos cruzam barreiras sem problemas. O já citado filme A 200 metros mostra os intermediários que, na Cisjordânia, contratam trabalhadores palestinos que vão trabalhar em Israel e lhes facilitam obter as permissões necessárias.

Mas, sem dúvida, o limite mais repugnante que cruzaram tornou-se público ao irromper o escândalo sobre vários ministros da ANP e empresários palestinos que interviram em operações comerciais de venda de 420.000 toneladas de cimento egípcio a Israel, destinadas à construção do Muro da Separação. “Os supostos implicados ajudaram empresas palestinas a ganhar somas milionárias com essas vendas a companhias construtoras de Israel que participam dessas obras[11].

Um único caso, porém, emblemático, desta burguesia palestina é o de Munib al Masri, de 79 anos, que reconhece ter uma fortuna de bilhões de dólares e um holding de 35 empresas, com investimentos em países árabes e outras regiões do mundo. Vive em uma luxuosíssima mansão em Nablus, cópia de uma villa italiana. Mais além de seu caráter excepcional, é interessante saber que foi grande amigo de Yasser Arafat e “se encontra com dirigentes de todo o mundo”. Masri promove ativamente “a paz entre Israel e os palestinos, através da política dos “dois Estados”[12].  É evidente que hoje Masri apoia a ANP presidida por Mahmoud Abbas e Al Fatah.

A resistência continua e Abbas se enfraquece politicamente

No marco da comprovação do verdadeiro significado dos Acordos de Oslo, a resistência palestina na Cisjordânia, em especial entre a juventude, se manteve permanentemente através de diferentes expressões. Ao mesmo tempo, cresceram o desprestígio e os questionamentos à ANP e Abbas. Um processo parecido ocorria entre a juventude palestina no exílio na Jordânia, Líbano e outros países.

E a Segunda Intifada, desenvolvida entre 2000 e 2004, expressava esse questionamento da juventude à política da ANP: esses jovens saíram para enfrentar as forças e os colonos israelenses com métodos “mais duros” que os da Primeira Intifada. Israel respondeu com uma sangrenta repressão: estima-se que houve mais de 4.000 palestinos assassinados. Por sua vez, a ANP, uma vez finalizada a Intifada, buscou cooptar seus participantes mais ativos e integrá-los nas suas forças policiais.

Em 2011, no calor do impacto da chamada “Primavera Árabe”, ocorreu um fato inédito: jovens ativistas palestinos nos territórios e no exílio organizaram uma jornada em memória da nakba e “perfuraram” as fronteiras israelenses. O fizeram de “fora para dentro” porque tinham melhores condições para isso. Enfrentaram obstáculos e a repressão dos governos árabes no Líbano, Síria, Jordânia e Egito. Assim, chegaram às fronteiras e as cruzaram, e ali se encontraram com alguns jovens da Cisjordânia que se mobilizaram para recebê-los. Naquele momento dissemos que “esta mobilização e seu resultado foi uma espécie de ‘esboço’ de como a luta dos palestinos contra Israel pode e deve se desenvolver”[13].

Depois da atual situação na Faixa de Gaza se iniciar, foram realizadas grandes mobilizações em várias cidades da Cisjordânia, em apoio aos seus irmãos de Gaza, em repúdio a Israel, e com críticas à ANP por sua inação ante o ataque genocida israelense[14].

O desprestígio da ANP e de Abbas é muito grande. Uma pesquisa realizada em 2015 pelo pesquisador palestino Khalil Shikaki concluiu que 57% dos palestinos já não acreditava na “solução dos dois Estados”, que 2/3 queriam a renúncia de Abbas e que 42% tinha a opinião que “só uma luta armada tornaria possível a criação de um Estado palestino independente”[15]. Em 2021, as forças de segurança da ANP reprimiram duramente manifestações que pediam a renúncia de Abbas[16].

Os processos políticos da juventude palestina

É muito importante acompanhar os processos da juventude palestina (especialmente a cisjordana) pelo seu impacto na dinâmica da luta contra Israel. Tentamos fazê-lo e, como parte disso, realizamos pesquisas jornalísticas.

Encontramos um extenso e interessante artigo de 2018[17]. Nele se informa que 40% da juventude palestina (entre 15 e 29 anos) participava de novos movimentos como Nabd ou Jabal Al Mukabir Local Youth Initiative (da Cisjordânia) e inclusive de Gaza Youth Breaks Out (GYBO). Todas tinham origem no processo de 2011 e faziam parte de uma permanente formação de “numerosos coletivos, comitês e associações”.

Os pontos comuns eram sua aspiração de “unidade do povo palestino” e uma dura crítica aos velhos dirigentes, especialmente à ANP e Al Fatah. Um estudante de sociologia, de 20 anos, disse que “Fatah e a Autoridade Palestina só oferecem gesticulações simbólicas à juventude. É qualquer coisa menos uma atuação política séria. O regime não pretende promover uma mobilização coletiva que realmente possa dar frutos. Teme que uma politização da juventude leve, em primeiro lugar, a uma revolta contra eles”.

Por isso, além de sofrer a repressão israelense também sofrem a perseguição da ANP. Por exemplo, o ativista Issa Ambro, responsável pelo movimento A Juventude contra as Colônias (com sede em Hebron) foi preso em 2016 pelo exército israelense e libertado em 2017 devido à pressão de uma grande campanha internacional, à qual inclusive Bernie Sanders aderiu. Nesse mesmo ano, foi preso (depois libertado) pela ANP por criticá-la no Facebook. Em 2018, estava organizando uma palestra debate na Universidade de Hebron sobre a questão das colônias israelenses e foi convocado para ser interrogado pelos serviços de segurança palestinos.

Muitos outros ativistas viveram essa dupla perseguição: a prisão israelense (alguns ainda estão nelas) e o “aperto” da ANP. No marco desta “pinça de repressão”, um analista palestino estima que vários desses movimentos “se encerram em si mesmos, com o risco de alguns girarem para a ação violenta”. Frente a essas ações, outros ativistas “afirmam que compreendem estes atos desesperados e se negam a condená-los”.

A Toca dos Leões

É muito possível então que ativistas provenientes destes movimentos se uniram com os provenientes de outras vertentes para formar “A Toca dos Leões”, uma “nova milícia armada de jovens que enfrenta a ocupação israelense” formada em 2022[18]. Esta organização protagonizou permanentes ações contra o ocupante israelense. Um analista palestino a descreve como “Um grupo de jovens palestinos descontentes com as facções políticas existentes na Cisjordânia ou Gaza”. O exército israelense já assassinou vários deles.

É muito difícil saber quantos combatentes efetivos a integram, mas é evidente que desde os 10 fundadores de Nablus cresceu rapidamente. O chamado que fizeram a partir do seu canal de Telegram já tem 130.000 seguidores. Em um contexto mais amplo, “uma pesquisa realizada em dezembro pelo Centro Palestino para a Pesquisa de Políticas e Sondagens entre os residentes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, mostra que mais de 70% apoia a formação de grupos armados independentes como a Toca dos Leões”. Outro centro de autodefesa e resistência armada palestina está no acampamento de Jenin[19]. Por isso, a Toca dos Leões passou a ser um objetivo prioritário da repressão israelense. Mas também preocupa, e muito, a ANP e Fatah, porque os membros e adeptos desta organização acreditam que “a ANP está politicamente quebrada e não pode alcançar a independência política por meios pacíficos”. Por isso, o caminho é a luta através da resistência armada, com a simpatia da maioria da população palestina.

 “Os principais líderes da ANP e Fatah não estão contentes com o grupo por muitas razões”. Aparentemente, “tomaram uma decisão estratégica para tentar cooperar com o grupo ao invés de desmantelá-lo pela força”. Na mesma linha de cooptação que tiveram para com os líderes das Intifadas, “a ANP tentou dissuadir o grupo para que abandonasse o militarismo armado e se unisse aos serviços de segurança palestinos”. Com essa política “conseguiram ganhar alguns membros, mas os líderes do grupo se negaram a entregar suas armas e insistiram em continuar lutando até o final”.

Contudo, o debate no interior da Toca dos Leões sobre o que fazer frente à ANP continua em aberto. Um analista palestino considerou que, por ora, tenta não se chocar frontalmente, porque “ir contra a ANP te coloca em conflito direto com todo o público palestino ou com uma grande parte dele. Acredito que estão tentando evitar isso”. Lembremos a “dependência” para sua sobrevivência de toda uma parte da população palestina, à qual já nos referimos.

Algumas considerações finais

Qual é a proposta da LIT-QI para o povo palestino e sua juventude frente à ANP? Para nós, o ponto de partida é a necessidade de romper com os Acordos de Oslo e a estratégia dos “dois Estados” com os quais quiseram se justificar. Deve ser retomado o objetivo da Palestina laica, democrática e não racista da fundação da OLP, e a necessidade de destruir o Estado de Israel para recuperar todo o território do Mandato Britânico da Palestina.

Como “filha” dos Acordos de Oslo, a atual ANP de Abbas é um obstáculo nesse caminho. Vemos como Abbas atua como um agente colonial de Israel. Hoje Israel está atacando a Faixa de Gaza e quer expulsar sua população, em um novo episódio da contínua nakba que o estado sionista realiza. Os palestinos de Gaza resistem como podem nesta guerra muito desigual contra o sionismo. E a ANP de Abbas permanece passiva sem mover um dedo por eles. É intolerável. Os palestinos da Cisjordânia também sofrem permanentemente a agressão do sionismo, o Muro da separação, a repressão de seus soldados e o roubo permanente de terras, e também resistem como podem. E Abbas também não move um dedo.

Compreendemos que, para sua dura sobrevivência, muitos palestinos da Cisjordânia aceitem a ANP como um “mal necessário”. Mas é preciso uma nova direção palestina, uma que não atue como um administrador colonial de Israel mas que seja uma base de apoio para a luta contra Israel, para o apoio à resistência de seus irmãos de Gaza e pela recuperação de todo o território palestino.

[1] https://litci.org/pt/2022/09/17/oslo-a-paz-dos-cemiterios-para-a-continua-nakba/

[2] https://litci.org/pt/2023/11/05/77889/ Egito: O impacto da situação de Gaza

[3] https://litci.org/pt/2023/07/10/palestina-sobre-a-falsa-solucao-dos-dois-estados/

[4] La situación de los trabajadores en los territorios árabes ocupados (ilo.org)

[5] https://www.europapress.es/internacional/noticia-israel-aumentara-20000-numero-permisos-trabajo-palestinos-cisjordania-20220615172507.html

[6] https://www.monitordooriente.com/20211214-a-200-metros-filme-sobre-familia-separada-pelo-muro-da-cisjordania-esta-na-netflix/

[7] United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs – occupied Palestinian territory | Home Page (ochaopt.org)

[8] O filme citado na referência 6 mostra esta situação.

[9] https://litci.org/pt/2023/10/30/nossos-acordos-e-diferencas-com-o-hamas/

[10] Israel concedió 600 permisos adicionales para que empresarios palestinos hagan negocios en el país – Infobae y Un israelí y un palestino hacen negocios en Hebrón pese a las barreras | Internacional | EL PAÍS (elpais.com)

[11] elmundo.es – La ANP investiga si palestinos venden cemento a Israel para construir el muro de Cisjordania

[12] https://elpais.com/elpais/2013/07/12/gente/1373648973_031212.html

y https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/09/01/mansoes-em-area-de-conflito-cisjordania-atrai-empreendimentos-de-luxo-em-meio-a-confrontos.ghtml

[13] Sobre este tema ver: https://litci.org/es/la-cuestion-palestina-punto-central-de-la-revolucion-arabe/?amp=1

[14] https://twitter.com/i/status/1714354218344034471

[15] Os resultados desta pesquisa foram publicados originariamente em http://www.pcpsr.org/en/node/619 (uma página que agora figura como “não disponível”) e foram citados em um artigo do jornalista britânico David Herst (http://www.middleeasteye.net/fr/opinions/une-nouvelle-intifada-pour-une-nouvelle-g-n-ration-2109668319) do qual extraímos.

[16] https://www.swissinfo.ch/spa/palestina-protestas_la-anp-reprime-duramente-en-cuarto-d%C3%ADa-de-protestas-pidiendo-dimisi%C3%B3n-de-ab%C3%A1s/46740552

[17] https://mondiplo.com/la-juventud-palestina-no-se-da-por-vencida

[18] https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-64916046

[19] Cisjordânia: ‘Havia dezenas de homens armados — agora há centenas’ – BBC News Brasil

Tradução: Lílian Enck

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