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Itália

Uma revolução traída. 1943-1948: a resistência operária na Itália

junho 28, 2023

1. O primeiro golpe real no fascismo: as greves operárias

Geralmente, a crise do fascismo é apresentada como produto da derrota militar infligida pelos Aliados e da crise interna do regime. De fato, a partir de julho de 1943, os anglo-americanos conquistam a Sicília e começam a subir lentamente a península; e em 25 de julho, o Grande Conselho do fascismo aprovou por maioria a agenda Bottai-Grandi-Ciano que liquidou Mussolini, preso poucas horas depois por ordem do rei que o substituiu por Badoglio. Uma tentativa de salvar o regime usando Mussolini como bode expiatório. Uma tentativa apoiada não só pela monarquia e pelas hierarquias militares e do Vaticano, mas também e sobretudo por aqueles patrões (Agnelli, Pirelli etc.) que depois de haverem obtido gigantescos lucros graças ao regime fascista, tentam mudar os cavalos durante a corrida. Badoglio, já destacado como exterminador durante a agressão colonial contra a Abissínia, comandante das gangues fascistas na Espanha, substitui Mussolini.

Por: Francesco Ricci

Este primeiro governo de Badoglio durou 45 dias e procura reivindicar a velha estrutura fascista (na qual permanece a maioria dos dirigentes, apesar de o Partido Nacional Fascista estar formalmente dissolvido) mantendo o seu caráter antioperário (reprime sangrentamente as manifestações pela queda de Mussolini: mortos e centenas de feridos por toda parte). O novo governo, ao proclamar a sua fidelidade aos nazis, iniciou negociações com os Aliados, que conduziriam à assinatura do armistício (a 3 de setembro, mas tornado público em 8 de setembro) e à fuga precipitada do governo e do rei para Puglia, deixando todo o aparato do Estado e as forças armadas rompendo-se diante das tropas alemãs que ocupavam o país enquanto os generais fogem, ou preferem entregar as armas aos invasores do que aos trabalhadores. Esses operários que organizaram a primeira barreira e que tentaram defender várias cidades, desde Roma a Piombino (que resistiu vários dias, infligindo 600 mortes aos alemães) até Nápoles, onde o proletariado deu vida aos “quatro dias” – de setembro 27 – que libertam a cidade antes da chegada das tropas do imperialismo anglo-americano.





Mas a historiografia predominante tende a minimizar o peso que tiveram as greves operárias e que na realidade foram decisivas para a queda do governo de Mussolini (tanto do real, queremos dizer, quanto do republicano).
Referimo-nos às greves (intermitentes) iniciadas em 5 de março de 1943 na Fiat de Turim. Em Mirafiori, onde se concentravam 21.000 operários e começou a primeira greve contra o custo de vida e pela paz. Duas semanas depois, a greve se estendeu a Milão (Falck e Pirelli) e aos principais centros operários do Norte.
O regime primeiro tenta enfraquecer a luta com dura repressão (800 trabalhadores presos, espancamentos) e depois, não conseguindo, o governo e os patrões concedem aumentos salariais, esperando acabar com a luta. Mas as greves continuaram em novembro de 1943 e novamente em março de 1944, quando, de 1 a 8 do mês, houve uma greve geral em toda a Itália ocupada pelos alemães.
Foram as greves da primavera de 1943 que deram a primeira sentença de morte ao regime; e foram as greves de outono de 43 e 44 que fortaleceram a Resistência e prepararam a insurreição de abril de 45.

Não houve greves “espontâneas” (ao contrário do que costumamos ler e como atesta o fato de que a polícia fascista já havia alertado três semanas antes para os panfletos clandestinos que circulavam na fábrica): o protagonismo nelas foi desempenhado pelos quadros do PCI que, desde 1942, vinha sendo reconstruído em grande parte das províncias do país (a partir de julho de 1942 foi retomada a publicação da Unità) e que, sobretudo, reorganizava os núcleos operários nas fábricas: a espinha dorsal da greve foram os 80 militantes que o PCI tinha em Mirafiori. Embora o apoio de massas às greves fosse a resposta da classe trabalhadora não só a Mussolini e seu regime antioperário e anticomunista, mas também àquela grande burguesia que ao longo de vinte anos viu multiplicar seus próprios lucros enquanto os salários caíram mais de 20% do poder de compra.
O fascismo foi – como Trotsky o analisou e definiu – um movimento de massas da pequena burguesia empobrecida pela crise (portanto não uma invenção da grande burguesia) que, na ausência de hegemonia proletária, foi usada pela grande burguesia (que foi para ele como um enfermo com dor de dente vai para o dentista) como um aríete contra as organizações do movimento operário, sobrepondo o confuso (ou melhor, inexistente) programa do fascismo ao programa dos Agnelli e Pirelli na Itália, dos Krupp e as grandes famílias do capitalismo alemão na Alemanha.
Assim, quando em 9 de setembro foi instituída a República de Salò, um protetorado alemão liderado por Mussolini (libertado em 12 de setembro pelas SS), que incluía todo o norte e inicialmente incluía o Lácio e o norte da Campania, nasceram as primeiros bandos partisanos.
As primeiras centenas a pegar no fuzil são em grande parte operários. As diferentes brigadas (Garibaldi, dirigida pelo PCI; Matteotti, dirigida pelo PSI; Justiça e Liberdade, dirigida pelos acionistas -1) chegarão a incluir, juntos, cerca de 250.000 militantes. A grande maioria formada por operários (mas com forte presença também de camponeses assalariados); entre eles, uma nítida maioria era composta por comunistas (incluindo não apenas militantes do PCI, mas também militantes de outras organizações ou simpatizantes) e quase todos eles (com exceção das poucas brigadas ligadas a partidos burgueses) se reconhecem nos partidos de esquerda e de forma mais geral (com vários graus de confusão, é lógico) acredita no socialismo.
Em suma, os operários – este é o sentido da nossa introdução – foram a espinha dorsal da chamada Libertação. Foram os comunistas (não apenas os do PCI, como veremos mais adiante) e mais geralmente os trabalhadores que lutaram pelo socialismo que escreveram a história do país de 1943 a 25 de abril; e depois novamente de ’45 a ’48. E a maioria desses combatentes estava convencida, de uma forma ou de outra, de que a Resistência era apenas o começo da revolução.  

2. A “mudança de marcha de Salerno” foi concebida em Moscou

Pode-se dizer que o andaime de toda a historiografia da marca PCI gira em torno da “Svolta di Salerno” [“mudança de marcha de Salerno”]. Os próprios herdeiros dessa histórica escola de falsificação continuaram a defender (mesmo quando, tendo abandonado sua roupagem reformista, migraram para o Partido Democrata) a suposta “originalidade” da “mudança de marcha” de Togliatti. Assim, ocorre que hoje um historiador stalinista impenitente, como Luciano Canfora, e um ex-stalinista histórico que entrou no Partido Democrata, como Giuseppe Vacca, concordam na tentativa de ainda defender o mito de uma ruptura inovadora do togliatismo com relação ao stalinismo.

Os trotskistas sustentaram por décadas que não se pode falar de uma “mudança de marcha”, mas do desenvolvimento da política stalinista na Itália. O togliattismo não foi apenas um intérprete (talvez astuto, como gostariam os diversos Canforas, que saúdam Togliatti que atenuou realisticamente a política de Stalin e até se opôs a ela), mas o artífice do stalinismo na Itália. A política seguida pelo PCI – defendemos há anos – era a continuação lógica da política das “frentes populares” e, de forma mais geral, do trabalho incessante e gigantesco que o stalinismo fez para impedir a revolução em outros países. A novidade, após o colapso do stalinismo e a abertura dos arquivos de Moscou, foram os milhares de documentos que provaram que os fatos históricos davam razão aos trotskistas (o que, escusado será dizer, não significa que stalinistas ou ex-historiadores stalinistas não continuem escrevendo como se nada tivesse acontecido, fingindo não ter notado).
Dentre o farto material publicado em italiano, limitamos a nos referir à leitura de Togliatti e Stalin de Aga Rossi e Zaslavsky e Dagli archivi di Mosca [Dos arquivos de Moscou], editados por Pons e Gori (2). O primeiro tem uma abordagem reacionária, o segundo é dirigido por diretores do Instituto Gramsci (primeiro dirigido pelo PCI, agora pelo PD): mas além da diferente abordagem e leitura dos fatos, ambos apresentam dezenas de documentos recuperados dos arquivos russos que agora provam, sem sombra de dúvida, que a “mudança de marcha de Salerno” foi uma invenção  propagandista de Stalin.
Já em dezembro de 1941, na reunião entre Stalin e o chanceler britânico Eden, foi decidido que após a guerra a Itália permaneceria sob a esfera de influência ocidental. Esta posição do país foi confirmada nas conferências mais notórias em Teerã (novembro-dezembro ’43), Yalta (fevereiro ’45) e Potsdam (julho-agosto ’45). Durante anos, os stalinistas negaram, contra todas as evidências, que nessas reuniões o mundo foi dividido em zonas de influência.

No entanto, quando Stalin e Churchill se encontram em outubro de 1944, este último pede garantias sobre a orientação do PCI. Stalin responde que não há nada a temer: Togliatti “é um homem prudente, não um extremista” e por isso, continuam as taquigrafias do secretário que assistiu à conversa, “não se aventurará” (3).
Além disso, hoje sabemos exatamente que a linha da chamada “mudança de marcha” foi meticulosamente definida pelo próprio Stalin. É Pons quem o reconhece (4): «O passo decisivo da “mudança de marcha” foi dado não só com o consentimento de Stalin (…) mas através da sua intervenção». Pons refere-se ao fato de que Togliatti, embora compartilhasse da linha geral (voltaremos a isso em breve), havia inicialmente articulado a linha com algumas diferenças: não pensava em levar seu partido a ponto de apoiar Badoglio e a monarquia; pensava em impor a abdicação do rei e a substituição de Badoglio por uma figura burguesa menos comprometida com o fascismo. Esta era a linha que ele enviou com um texto a Dimitrov (secretário do Comintern) e que este mostrou a Molotov (vice-primeiro-ministro).

Então, na noite de 3 para 4 de março de 1944, Stalin concedeu uma audiência a Togliatti, na presença de Molotov, e foi aí que caiu o preconceito antimonarquista. O rascunho escrito por Togliatti foi jogado fora e outra estruturação da mesma linha de compromisso de classe com a burguesia foi acertada. Uma linha que, na sua articulação (apoio a Badoglio e adiamento da questão institucional relacionada com a monarquia) colocou inicialmente em apuros os dirigentes do PCI na Itália, que se viram obrigados a modificar precipitadamente a atitude seguida até então.

3. Voltas e reviravoltas do stalinismo

É interessante notar como os documentos e as evidências daquele encontro noturno na Rússia entre Togliatti, Stalin e Molotov inutilizam, repitamos, centenas de livros escritos por historiadores da área do PCI há décadas, desfazendo o mito de um Togliatti criador do “caminho italiano para o socialismo”, inspirado em Gramsci, etc.
Pelo contrário, como sempre sustentaram os trotskistas, a origem da política do PCI na Itália (o mesmo se poderia dizer do PCF francês etc. (5) deve ser procurada vários anos antes, em 1935, no VII Congresso da Internacional Comunista, agora um dócil instrumento de Stalin.
Depois da política do “socialfascismo”, que abriu as portas a Hitler, como disse Trotsky em seu momento, política que consistia em colocar a social-democracia e o fascismo sob o mesmo signo e portanto rejeitar qualquer frente defensiva com os socialistas contra os fascistas, o stalinismo experimentou o mais abrupto e decisivo de seus ziguezagues. Justamente naquele congresso da Internacional Comunista, o relatório Dimitrov inverteu a linha e, pretendendo voltar à “frente única” da memória leninista (que, no entanto, era uma tática de frente de classe, destinada a desmascarar os reformistas), a “estendia” para incluir pela primeira vez a possibilidade de comunistas apoiarem governos burgueses. Claro, isso não foi uma “correção”, mas uma inversão exata das posições de Lenin e, de fato, uma negação do próprio fundamento de Marx da independência de classe do proletariado da burguesia e de seus governos como pré-requisito para qualquer política revolucionária. Dimitrov ataca “os dois oportunismos”: aquele definido como “direita”, que sempre pretendeu governar com a burguesia; e… a “esquerda”, ou seja, aqueles que acreditam que os comunistas só podem entrar no governo depois da revolução e da tomada do poder.

Para… contrapor estes dois oportunismos (o primeiro coincidiu efetivamente com o reformismo que, em todas as épocas, prega a colaboração do governo com a burguesia; o segundo foi simplesmente a descrição… do leninismo), Dimitrov (e Stalin) teorizam o início das “frentes populares”: ou seja, a consagração do stalinismo como agente da reintrodução do reformismo e do menchevismo no movimento operário. Para os países europeus, as posições mencheviques da revolução são revividas em etapas: primeiro a revolução “democrática”, depois, em um futuro indeterminado, a “etapa” socialista.
A linha do VII Congresso constituiu o eixo subjacente de toda a política stalinista (e, portanto, também togliatiana) dos anos seguintes, mesmo nas idas e vindas impostas, na superfície, pelo stalinismo, para suas necessidades imediatas. De fato, a linha de colaboração de classes presidiu tanto o período (de 1935 a 1938) em que a URSS de Stalin identificou o imperialismo alemão como o principal inimigo; como o período (de agosto de 1939 a 1941) em que assinou o pacto Molotov-Ribbentrop com Hitler e identificava a França e a Grã-Bretanha como seus principais inimigos. Da mesma forma, o resultado final não mudou quando, após a agressão de Hitler contra a Rússia, foi tomada a decisão de aliar-se às “potências democráticas amantes da paz” (Grã-Bretanha e Estados Unidos) para dar vida à “coalizão de povos livres” em luta não mais contra o capitalismo e a burguesia, mas apenas contra o fascismo. Até chegar, em maio de 1943, depois de ter usado a Internacional como instrumento para impor essa linha de capitulação aos PCs de todo o mundo, para dissolvê-la como sinal de pacificação com o imperialismo “democrático”.
Imediatamente após o VII Congresso, começaram os Processos de Moscou, nos quais o stalinismo tentou acabar com o que restava da direção bolchevique e, em particular, com o perigo mais temido porque se reconhecia como  única potência alternativa: o bolchevismo da época., encarnado em Trotsky e na corrente internacional por ele dirigida.
O promotor nesses julgamentos era Vyshinsky, um ex-menchevique, autor do mandado de prisão contra Lenin solicitado pelo governo provisório em 1917, depois se passou para os vitoriosos bolcheviques e depois ascendeu aos mais altos escalões do Ministério de Relações Exteriores com a tarefa particular de seguir o desenvolvimento do PCI.  

4. O que foi a “mudança de marcha” de Salerno?

De volta à Itália (em 27 de março de 1944), Togliatti teve que reorientar o partido: um pouco como Lênin quando voltou da Suíça para a Rússia na primavera de 1917. Mas enquanto Lênin, com as Teses de Abril, reafirmava a plena independência de classe dos bolcheviques da burguesia e, portanto, oposição ao governo burguês de “esquerda”, Togliatti, ao contrário, alinhou o partido na defesa do governo burguês do ex-fascista Badoglio. Além disso, este governo já havia recebido o reconhecimento da Rússia (o primeiro país a fazê-lo) em 13 de março de 1944, em continuidade lógica com o que foi decidido na reunião noturna entre Togliatti e os líderes russos mencionados.
Assim, em 24 de abril de 1944, o PCI entrava no segundo governo de Badoglio (que governava o chamado Reino do Sul com o apoio do PCI, PSI, acionistas, DC e liberais), depois de que já na Unitá Togliatti resumiu a linha da seguinte forma: «(…) hoje não podemos ser inspirados por um chamado interesse estreito de partido, ou por um interesse de classe dito estreito (…). É o PC, é a classe trabalhadora que deve levantar a bandeira dos interesses nacionais que o fascismo e os grupos que lhe deram o poder traíram» (6).
Concretamente, a mudança de marcha significou uma orientação precisa em relação à Resistência que se formava na parte do país ocupada pelos nazistas e submetida ao governo de Mussolini em Saló. As diretivas que Togliatti enviou às formações do PCI no verão de 1944 não deixaram margem para dúvidas: a luta partidária não tinha por objetivo “impor transformações sociais e políticas em sentido socialista e comunista, mas visando a libertação nacional e a destruição do fascismo»(7).
Esta não foi, como veremos, uma linha fácil de impor: porque a Resistência estava se movendo em uma direção muito diferente.

5. Desviar a Resistência para preservar os interesses da burocracia

Mas por que o stalinismo precisou impor essa linha de capitulação?

Talvez, como já foi dito muitas vezes, como um obséquio para a “teoria” da revolução em um único país, apresentada por muitos como “mais realista” em comparação com as supostas utopias de revolução mundial de Trotsky? Este não é o lugar para aprofundar o assunto. Basta dizer aqui que essa pretensa “teoria” (da qual o próprio Stálin, junto com toda a direção bolchevique, teria rido até poucos meses antes de proclamá-la, sendo em termos marxistas uma bestialidade) foi a capa teórica dos interesses da casta burocrática crescida na Rússia no período de refluxo da revolução. Essa casta (da qual Stálin acabou sendo apenas um intérprete) legou seus próprios privilégios materiais ao isolamento da revolução russa.

Inicialmente não era culpado desse isolamento: este havia sido determinado pela traição da social-democracia que tinha feito fracassar as revoluções na Itália (no «biênio vermelho») e na Alemanha (em 1818 e no início da década de 1920).  Tornou-se então um ativo defensor desse isolamento porque, nascido no isolamento, somente no isolamento a burocracia parasitária poderia proliferar. É daqui (e não de um erro ou de um suposto “realismo”) que nasceu a posterior política da Rússia e da Internacional dominada pelo stalinismo: toda voltada para a demolição de cada processo revolucionário para preservar os interesses antioperários das castas burocráticas que encontraram seu alimento no estado burocratizado russo e gradualmente encontrariam, em relação aos partidos comunistas stalinistas do resto do mundo, seu alimento na preservação do Estado burguês de seus respectivos países.
A burocracia do PCI (assim como dos demais partidos stalinistas) agiu em estreita solidariedade de interesses, numa fase inicial, com a burocracia de Moscou. Togliatti, um dos principais dirigentes stalinistas europeus (além de diretor em Moscou da propaganda sobre os Julgamentos de Moscou, inspirador da política stalinista de massacre do POUM na Espanha, responsável ora diretamente, ora indiretamente pelo assassinato dos melhores quadros revolucionários do mundo, e entre eles Pietro Tresso) fazia parte desse tumor burocrático. A partir dos anos da reconstrução do Estado burguês na Itália, então, a burocracia do PCI cresceu alimentando seus próprios interesses intimamente ligados aos do capitalismo italiano. Quanto mais cresciam esses interesses, independentes da Rússia, mais se afastava do stalinismo russo a ponto de participar do progressivo processo de social democratização do PCI (que também se iniciou, como vimos, já em meados da década de 1930 com a aceitação da colaboração de classe e do governo com a burguesia). Um processo de social-democratização que mais tarde se tornou, após o colapso da URSS stalinista, uma evolução até a chegada de um partido plenamente liberal e burguês (o Partido Democrático), uma vez cortadas as raízes operárias. 

Isso porque para impor a linha de colaboração de classes decidida pelo stalinismo para manter o isolamento da revolução russa e assim preservar a burocracia da onda de outras revoluções que a teriam varrido, o PCI teve que desviar o trem da Resistência para um beco sem saída. Também o fez usando a autoridade e o prestígio da URSS.

Antes de tudo, era necessário amordaçar a Resistência, tentando por todos os meios suavizar seu caráter de classe. E dado o predomínio absoluto dos sentimentos comunistas entre os partisanos, a simbologia das brigadas foi mesmo atenuada: diretivas precisas convidam a usar menos lenços vermelhos, menos estrelas vermelhas, a não usar nomes que remetam à tradição comunista, a não cumprimentar uns aos outros com o punho cerrado. As próprias brigadas Garibaldi são chamadas assim porque a referência ao Risorgimento (Ressurgimento) está mais de acordo com a orientação que querem impor: certamente não poderiam ser chamadas de brigadas Marx ou brigadas Lenin.

Na Rinascita (que começou a ser publicada em junho de 1944) os ensinamentos dos “mestres”, nomeadamente Marx-Engels-Lenin-Stalin (sic), foram “enriquecidos” com referências ao Risorgimento italiano: de Garibaldi a Pisacane. Para legitimar a política de colaboração de classe com os católicos da DC, o “partido novo” de Togliatti revaloriza a cultura católica (8).

Obviamente, o trabalho a fazer não é apenas sobre símbolos e aspectos culturais: paradoxalmente, é necessário libertar-se do papel “excessivo” que o partido conquistou no campo da Resistência: por isso é o PCI que pretende que a direção do CLN (que, em votos proporcionais, ganhou em quase todos os lugares) se reparta igualmente entre todos os partidos, incluindo as formações burguesas, que praticamente não existem no terreno.

6. As oposições à linha de Togliatti

A colaboração de classes, que o PCI já praticava, como vimos, muito antes da “mudança de marcha de Salerno”, já havia estimulado o nascimento de vários grupos de oposição desde o final de 1943.

A oposição mais vociferante é a que nasceu em Nápoles em outubro de 1943, quando a federação napolitana se dividiu em duas e uma parte substancial do partido formou uma federação oposta à oficial: a federação Montesanto (pelo nome da área em que tinha sede) com posições genericamente classistas, embora confusas. A cisão durará apenas dois meses e já em dezembro a maioria dos separatistas retornará ao PCI: deixando marcas em setores de militantes que depois se organizarão de diferentes formas.

Algo semelhante aconteceu em Turim onde dois mil militantes (um pouco menos da metade da federação do PCI), na maioria trabalhadores da Fiat (onde Stella Rossa acabaria por organizar cerca de 500 trabalhadores), romperam com o partido em maio de 1944 e deram vida a Stella rossa, que se caracteriza por uma rejeição da frente interclassista buscada pelo partido e consagrada pela “mudança de marcha de Salerno” algumas semanas antes. Solicita-se uma linha que enfrente não apenas o fascismo e o ocupante alemão, mas também aquela burguesia que usou o fascismo como mão de ferro contra os operários. Não acreditem nos burgueses, está escrito no jornal de Stella Rossa, eles nos enganam falando de pátria e concórdia nacional; sabemos que eles só querem continuar a exploração de classe. Essa divisão também será reabsorvida logo depois (no início de 1945, poucos meses depois do assassinato – provavelmente pelas mãos dos stalinistas – de Vaccarella, o principal líder).

Entre os muitos grupos que se separaram do PCI ou se formaram à sua esquerda, o mais interessante é sem dúvida o Movimento Comunista de Itália (McdI) ou Bandeira Vermelha, do órgão que publica. Bandiera rossa nasceu em Roma e chegou a reunir cerca de 2.500 ativistas na capital, ou seja, tantos quantos a federação do PCI (em 1945 se espalhou por todo o Sul, abrindo também seções no Centro-Norte e organizando alguns milhares de ativistas).

Bandeira vermelha, organização mista, com grupos provenientes do PCI, do anarquismo, do socialismo, defende posições de classe e entende a Resistência como o início da revolução. Participa na primeira fila da Resistência: basta dizer que durante as ocupações nazis de Roma deixou cerca de 200 mortos no terreno (ou seja, o triplo do número sofrido pelo PCI na capital); e que dos 335 massacrados nas Fosas Ardeatinas, 52 pertenciam a esse movimento. A maioria dos militantes retornará ao PCI um ou dois anos após a Libertação.

É evidente que a historiografia da marca PCI sempre tirou ou dedicou pouco espaço a estas formações porque sua própria existência contrasta com a leitura que se pretende dar: estas organizações e a sua consistência são a prova, com efeito, de que a linha de colaboração de classes foi imposta pelo PCI, desviando a inclinação de classe que o proletariado estava assumindo na luta contra os fascistas. Togliatti e o PCI tiveram que desviar o rio de combate de seu curso natural.

Todas essas organizações e militantes individuais tiveram que se chocar não apenas com o fascismo e os patrões, mas também com os métodos do stalinismo: que incluíam a delação (com nomes e sobrenomes publicados na imprensa do partido e, portanto, entregues à polícia fascista) e a calúnia. Todos aqueles que não se curvam à linha da colaboração de classes são acusados ​​de “trotskismo” ou “bordiguismo”: essas duas palavras são usadas como sinônimos de “espiões do fascismo” (Il sinistrismo, maschera della Gestapo [“esquerdismo, máscara da Gestapo»] é o significativo título de um artigo de Pietro Secchia, dezembro de 1943). Bordiga, principal dirigente do PCD’I em seus primeiros anos, depois de expulso em 1930, ainda é descrito por Togliatti em Lo Stato Operaio como um “canalha trotskista, protegido pela polícia e pelos fascistas” (9).

Na verdade, tanto a cisão napolitana quanto a de Turim, e outras organizações menores que não temos espaço para citar aqui, apesar de terem entre suas fileiras alguns militantes bordigistas ou mais ou menos trotskistas, na maioria das vezes se inspiram, para dizer a verdade, em Stálin! De fato, há uma convicção generalizada de que a “mudança de marcha” de Togliatti rompe com a linha traçada pela URSS de Stalin. A própria Bandeira Vermelha (McdI), apontado por muitos como trotskista, aliás, no melhor dos casos, tinha posições confusas ao confirmar que entre as indicações de leitura para os militantes estavam as obras de Stalin, mas também… A História da Revolução Russa de Trotsky!

Falaremos dos verdadeiros trotskistas no próximo capítulo, pois para Bordiga, apesar de solicitado por vários militantes, permanece passivo, convencido de que devemos esperar uma mudança na situação objetiva… A mesma razão que, anos antes, o levaram a criticar o processo de construção da Quarta Internacional. Por isso, embora continue à distância e cultivando relações individuais, não adere à Fração de Esquerda que se organiza desde 1944 na Campania e depois no Sul, que também se inspira visivelmente nas suas ideias e que (a partir de uma leitura equívoca do “derrotismo” de Lênin diante da guerra) mantém uma atitude de não participação na Resistência. A Fração de Esquerda fundiu-se em 1945 com o Partido Comunista Internacionalista, uma formação bordeguista ativa no norte da Itália (Bruno Maffi, Onorato Damen e vários outros dirigentes participaram da reunião, incluindo o próprio Bordiga).

7. Os trotskistas sem partido

Este não é o lugar para reconstruir a história do trotskismo italiano: tarefa que nos comprometemos a cumprir em um dos próximos números desta revista.

O leitor interessado pode consultar utilmente os panfletos de Giachetti e Casciola para os quais fornecemos as referências bibliográficas no arquivo correspondente nestas páginas [de Trotskismo oggi, ndr.], bem como o livro de Peregalli para o qual também fornecemos detalhes.

Aqui basta lembrarmos que os primeiros passos do trotskismo italiano foram dados por Tresso e os demais expulsos do PCI em 1930 e pelo grupo que eles deram vida, a Nova Oposição Italiana. A NOI terá uma vida curta (e vários confrontos internos) e Tresso em particular continuará a sua atividade, durante o fascismo, na organização trotskista francesa, até ser assassinado pelos estalinistas franceses em 43 (sobre Tresso, que este ano se celebra o septuagésimo aniversário da sua morte, remetemos para outra parte deste número, onde publicamos um artigo seu). Paradoxalmente, os fios do trotskismo serão recolhidos… por alguns soldados estadunidenses e britânicos que faziam parte do contingente que invadiu a Itália. Na verdade, eram dirigentes trotskistas que estavam cumprindo o serviço militar e que foram inestimáveis ​​para colocar em contato o grupo organizado em torno de Nicola Di Bartolomeo (ex-bordigista que se juntou ao trotskismo, líder de um esforço de entrismo no Partido Socialista) e o grupo dirigido em Puglia por Romeo Mangano (vindo do Pcd’I) que afirmava fazer parte da Quarta Internacional, apesar de não ter nenhuma ligação com ela. No final de 1945, os dois grupos foram unificados no Partido Operário Comunista -bolchevique-leninista, ao qual também adeririam Libero Villone e um setor da Fração de Esquerda.

Mas o POC tinha uma relação muito fraca com o trotskismo e as posições majoritárias eram bordigistas (rejeição das táticas e resoluções do III e IV Congressos da Internacional Comunista; caracterização da URSS como estado capitalista; mecanicismo; etc.). Por esta razão, o II Congresso da IV Internacional (abril de 1948) o expulsou de suas fileiras (Di Bartolomeo, o mais próximo do trotskismo, havia falecido em 1946), enquanto reorganizava uma nova seção em torno da revista Quarta Internacionale, animada por Libero Villone, Livio Maitan e um grupo vindo das fileiras socialistas (incluindo Giorgio Ruffolo, Gaetano Arfè etc.). A nova organização (1949) se chamará Grupos Comunistas Revolucionários (e com este nome permanecerá até o final da década de 1970, tornando-se mais tarde a Liga Comunista Revolucionária).

Essa indicação já é suficiente para entender como o trotskismo de fato não existiu de forma organizada no período que nos interessa aqui, ou seja, de 1943 a 1948.

Esta será (mas voltaremos a ela na conclusão) a principal razão, a nosso ver, do fracasso da revolução italiana.

8. A restauração e expulsão do governo

Em janeiro de 1945, as formações partisanas foram unificadas e formalmente colocadas sob o comando militar do governo real e diretamente sob o general Cadorna, cujos vices eram Longo (Pci) e Parri (Justiça e Liberdade). Foi esse ato que formalizou, por assim dizer, o compromisso com a reconstrução do estado burguês. O compromisso direto da esquerda também se confirmou com a participação nos governos burgueses que se seguiram ao segundo governo Badoglio (ao qual já haviam dado apoio): o governo Bonomi, no poder de junho a dezembro de 1944, apoiado por todas as forças do CLN, e o subsequente governo Bonomi, no cargo até junho de 1945, governado pelo DC, pelos liberais e pelo PCI (com Togliatti como vice-primeiro-ministro).

Para permitir a reconstrução dos órgãos da democracia burguesa, parlamento, províncias e municípios, os CLN (já transformados de potenciais órgãos de classe em instrumentos de colaboração de classe, como vimos acima)

Acima de tudo, é o PCI que tem que desempenhar um papel de liderança no desarmamento da Resistência. Em maio de 1945, foi publicado em todos os quartéis comunistas um apelo da direção do PCI para a devolução das armas: porém, apenas a sucata [o ferro velho] foi devolvida e o restante foi escondido em armazéns clandestinos, com a ingênua convicção de que em um determinado momento o partido convocaria à luta.

Mas a contribuição mais importante para a reconstrução do pleno poder burguês deu-se no campo econômico: depois de evitados ou circunscritos os episódios de expropriação das fábricas nas áreas que iam gradualmente ficando sob o controle da Resistência, as fábricas foram entregues aos patrões. E mais: eles são convidados com urgência a voltar. Cada edição da Unità, a partir da Libertação, é salpicada de apelos aos operários para aumentar a produção (Stakhanov, o “herói” russo do trabalho, é exaltado em todos os artigos) e aos patrões para retomar “seu lugar”. Emilio Sereni (presidente do Cln lombardo, líder do PCI) em assembleia pública em setembro de ’45 retoma o que será o leitmotiv do período: «Seria muito confortável para as classes dominantes que levaram a Itália à catástrofe poder dizer aos trabalhadores: agora consertem-se sozinhos… Os trabalhadores não cairão na armadilha, eles souberam exigir que os representantes da propriedade assumam sua parcela de responsabilidade na reconstrução» (10).

E as expectativas de uma revolução? Se movem… para frente; relacionados com a futura Constituição. É então que começa a retórica em torno desse papel, uma retórica que continua a fascinar a esquerda reformista até hoje, apesar de os últimos quase setenta anos terem mostrado que as revoluções não se fazem com leis: muito menos com leis escritas. junto com a burguesia (11).

A outra face do compromisso dos partidos de esquerda, encabeçados pelo PCI, de entregar todo o poder aos patrões, reside em seu papel de reprimir toda atitude e toda luta que possa atrapalhar esse projeto. O papel de Togliatti é bem conhecido: como Ministro da Justiça no governo Parri e no subsequente governo De Gasperi, ele não apenas concedeu anistia aos fascistas – ciente de que um expurgo sério também envolveria inevitavelmente a burguesia e reacenderia a luta – mas também consentiu à reconstrução do aparato repressivo burguês baseado justamente no antigo pessoal fascista. E foi novamente o ministro Togliatti quem convidou os magistrados a concluir rapidamente os processos enchendo as prisões (de onde os fascistas haviam saído) com trabalhadores que participaram de greves e manifestações (12).

O PCI recupera posições de liderança nos governos de reconstrução: também nos principais ministérios da economia: Ministério da Agricultura no segundo governo Bonomi; de Agricultura e Finanças no terceiro governo Bonomi, no governo Parri e no primeiro governo De Gasperi; de Fazenda e Transportes no segundo governo de De Gasperi.

Apesar desse empenho diligente, em 1947 o PCI foi expulso do governo. No entanto, como afirma uma resolução do partido de maio de 1947: “Os comunistas continuarão a defender um programa de reconstrução que, sem oprimir as forças produtivas saudáveis ​​com excessiva intervenção do Estado, restaure a confiança de todos no futuro” (13).

Um futuro capitalista, como sabemos, com a promessa não explícita e as alusões a um futuro ««segundo tempo», o da redenção dos trabalhadores.

9. Julho de 1948: a maior onda operária da história italiana

É justamente nesse “segundo período” que acreditaram os milhões de trabalhadores que retomaram as praças e fábricas após 14 de julho de 1948. Naquele dia, ao deixar o parlamento, Togliatti foi atingido pelas balas de um fanático.

Minutos depois que a notícia começou a circular pelo país, uma insurreição estourou. É, por assim dizer, “espontânea”: não no sentido literal do termo (não há lutas completamente “espontâneas”, sem a intervenção de setores de vanguarda ou vanguardas individuais não existem), mas no sentido de que foi certamente não foi desejada pelas direções do Pci ou Psi ou da CGIL. No entanto, foi alimentada pelos quadros de base e intermediários daquelas forças, por aqueles partisanos que haviam deixado de lado as melhores armas.

O movimento que nasceu é o maior desde o “biênio vermelho” de 1919-1920: na verdade, é um pouco maior do que ele. São centenas de municípios onde as massas desarmam a polícia e os carabineiros e assumem o controle. As metralhadoras são montadas nos telhados das fábricas. Na Fiat Valletta, executivos são sequestrados.

Barricadas defendidas por metralhadoras são erguidas em todas as grandes cidades. Até Roma está totalmente paralisada.

E é aqui que o governo burguês e os patrões exigem os serviços do PCI: que por sua vez já tinha tomado medidas para apagar o incêndio. Todo o grupo dirigente central, de Togliatti (que recomenda: “mantenha a calma” enquanto o levavam para do hospital) a Secchia (a quem nos anos seguintes uma lenda injustificada – aceita também pela extrema-esquerda – apresentou como o mais inclinado a retomar armas), espalha-se pelas praças, improvisa comícios para convidar… para acalmar, para depor as armas. O chefe da CGIL, o Togliattista Di Vittorio, dirige-se a De Gasperi com o chapéu na mão para invocar… um retorno à ordem. Ordem que o governo não pode garantir e para a qual espera ajuda dos dirigentes do PCI.

A greve geral não foi convocada por ninguém: a própria CGIL terá que aderir para poder tomar o controle da situação.

O historiador Mammarella (certamente não com simpatias comunistas) resumiu as coisas assim: “um sinal da direção do PCI teria bastado para que a greve geral se transformasse em insurreição aberta. Mas o sinal não vai chegar (…)» (14).

Di Vittorio liga para Gênova, Milão e Turim: ordena que tudo se detenha.

Nos anos seguintes, a versão oficial do PCI é que se tratava de parar uma aventura, evitar um banho de sangue e repressão. Na realidade, o PCI não só deteve a insurreição (que, para dizer a verdade, não teria encontrado grandes obstáculos, já que o movimento de massas havia retirado o aparelho repressivo burguês como um galho), mas evitou por todos os meios manter vivo o conflito, para pelo menos arrebatar (desde que não quisessem fazer uma revolução) alguma conquista em um momento certamente favorável.

Não, a direção do PCI (mas o mesmo vale para o restante da esquerda) sufocou o conflito operário e voltou a salvar o Estado burguês e a propriedade capitalista, exatamente como o PSI havia feito em setembro de 1920 (razão que tinha justamente induzido os comunistas do PSI a se dividirem no Congresso de Livorno e construírem o Pcd’I). Uma vez que a luta retrocedesse, a repressão burguesa (e até a vingança) não faltaria. Houve dezenas de milhares de processos e condenações. E o PCI os apoiou e de fato começou a caça aos “extremistas”, aos “trotskistas”, dentro do movimento operário (e dentro de suas próprias fileiras), ou seja, para todos aqueles que não entendiam por que a luta tinha que terminar, mais uma vez com a vitória do adversário, apesar da indubitável superioridade de força demonstrada pelas massas, pela classe trabalhadora.

.10. Por que não acabou na Plaza Loreto

Chegados à conclusão da nossa análise, convém rever os argumentos que o PCI e toda a historiografia reformista forneceram durante décadas para apagar dos livros (depois de o terem feito na realidade) a revolução que era possível na Itália no período de 1943 a 1948:

1) o movimento partisano teria pouca consistência e, em todo caso, o componente comunista não teria tido um peso absoluto;

2) a força do aparato estatal burguês e do sistema social e econômico capitalista teria sido insuperável;

3) A presença de tropas anglo-americanas primeiro, e a possibilidade de sua intervenção nos anos seguintes, teria impedido qualquer movimentação.

Só de ler estes argumentos, à luz do que escrevemos nas páginas anteriores, compreende-se como são mais vacilantes do que uma mesa carcomida.

O argumento número um é demolido, às vezes sem querer, por toda a historiografia, inclusive a de uma orientação também muito hostil à revolução. Sabe-se que foi precisamente o movimento partisano que libertou a Itália dos ocupantes e dos fascistas, enquanto as tropas dos “libertadores” (imperialismo anglo-americano) chegaram depois do fato. Quanto ao peso maioritário, não só dos comunistas, mas também mais genericamente dos simpatizantes, organizados de várias formas, numa perspectiva comunista, já o dissemos.

O argumento número dois não resiste ao teste de qualquer exame sério dos fatos históricos. O aparato do estado burguês havia claramente entrado em colapso em 1943. Um estado unitário não mais existia, e tanto no Sul (reino) quanto no Centro-Norte (república de Mussolini) as massas demonstraram a capacidade de quebrar os dois aparatos com sua força. após o armistício. A Resistência no Norte é mais conhecida; mas também no Sul as massas proletárias e os camponeses pobres foram protagonistas de lutas grandiosas contra os patrões e as tropas reais (e contra as máfias que colaboraram com os “libertadores” anglo-americanos numa função anticomunista). Pense nos muitos episódios ocorridos na Sicília: na insurreição que em janeiro de 1945 começou em Ragusa e se estendeu a Comiso, Agrigento etc., contra o chamado do rei para recrutar. L’Unità (9 de janeiro de 1945) definiu esta revolta como o produto de “ressurgimentos da reação fascista”: mas os historiadores mais sérios mostraram que não há vestígios de fascistas ali, pelo contrário, entre os rebeldes existem vários militantes e quadros intermediários do PCI. Ou ainda olhar novamente para a história de Piana degli Albanesi, onde em 31 de dezembro de 1944, a bandeira vermelha foi hasteada sobre o município e uma “república popular” foi proclamada, que conseguiram reprimir apenas dois meses depois com carabineiros e tropas alpinas que eles lançaram aos milhares contra as massas. E a lista pode continuar e continuar.

Essa indubitável capacidade revolucionária das massas também teve sua mais completa verificação novamente em julho de 1948, como vimos, onde mais uma vez foi apenas a intervenção do PCI que salvou a burguesia e seu Estado. O mesmo pode ser dito da força econômica da burguesia: as fábricas estavam nas mãos dos operários (como em setembro de 1920) e foi o stalinismo (isto é, Togliatti e o grupo dirigente do PCI) quem as devolveu, às vezes pegando de surpresa a burguesia que esperava outro tratamento.

Quanto ao argumento anglo-americano, já mostrava sua fragilidade quando foi utilizado pela primeira vez em meados da década de 1940. É bem evidente que se todo o movimento da Resistência não tivesse sido, dia após dia, desde seu início, desviado e cortado, ninguém poderia detê-lo, nem os anglo-americanos poderiam deter um processo revolucionário que acontecia simultaneamente em vários países europeus (por exemplo, na França e na Grécia, no mesmo período, assim como na Iugoslávia : onde a relação de forças no campo mudou as decisões tomadas na mesa de Yalta) e que só o stalinismo, através do Comintern-Kominform, foi capaz de desarmar.

A realidade é então muito diferente do que ainda lemos nos livros de história hoje. Na Itália daquela época, podia-se não apenas derrotar o fascismo (o que não exigia nenhuma aliança com a burguesia ou seus setores), mas também realizar uma revolução socialista, lidando com o sistema socioeconômico que gerou o fascismo, o capitalismo. Além disso, de certa forma esse foi o rumo que os acontecimentos tomaram e essa foi a enorme força intrínseca da Resistência.

Esse curso foi deliberadamente desviado com um gigantesco esforço ativo por parte do stalinismo, que trabalhou conscientemente para impedir (ou melhor, derrotar) a radicalização de classe da Resistência.

E isso aconteceu porque eles não tinham um partido e uma Internacional revolucionária com influência de massas capaz de desafiar os stalinistas pela hegemonia; porque não havia um partido de tipo bolchevique e a Internacional revolucionária, a Quarta Internacional, nascida alguns anos antes (1938) ficou em minoria graças aos golpes cruzados que sofreu nas mãos dos estados burgueses (parlamentares democráticos ou fascistas) e os stalinistas.

Em suma, por isso, só a construção do partido revolucionário que faltou em 1943-1948 e que ainda falta hoje, poderá reescrever a história (e não só nos livros) e poderá redimir o sacrifício de tantos jovens operários, de tantos partisanos, fazendo essa revolução que lhes foi impedida.

Referências

(1) Além das Brigadas Garibaldi, em novembro de 1943 o PCI criou os Gaps (Grupos de Ação Patriótica) que atuam nas cidades; e depois os SAP (Equipes de Ação Patriótica) formados por trabalhadores que permanecem em seus empregos e realizam sabotagens e ações colaterais.

(2) E. Aga Rossi e V. Zaslavsky, Togliatti e Stalin, Il Mulino, 1997; S. Pons – F. Gori, Dos arquivos de Moscou. A URSS, o Cominform e o PCI, 1943-1951, Carocci, 1998.

(3) Citado de Pons-Gori, op. cit., p. 48.

(4) Ibidem, pág. 35.

(5) É interessante notar que foi o próprio Togliatti, de volta de Moscou, quem trouxe as diretrizes secretas de Dimitrov ao PCF: unidade nacional, desarmamento da Resistência, etc.

(6) Ver l’Unità de 2 de abril de 1944: o arquivo de l’Unità (muito útil) também pode ser consultado no site http://archivio.unita.it/.

Trata-se do que Togliatti já havia dito em várias intervenções e, em particular, do que dirá, mais ou menos com as mesmas palavras, em seu discurso aos quadros do PCI napolitano em 11 de abril (ver P. Togliatti, “Per la salvezza del nostro Paese”, Einaudi, 1946).

(7) Diretiva Ercoli [nome de batalha de Togliatti] de 6 de junho de 1944, no Arquivo PCI da Fundação Instituto Gramsci, Roma, citado por Aga Rossi e Zaslavsky, op. cit.

(8) A este respeito, ver o artigo de F. Stefanoni, «“Partito nuovo” e “democracia progressiva”: due strumenti del compromesso di classe», disponível no site www.alternativacomunista.org, na secção «teoria e treinamento”.

(9) Citado de A. Peregalli, The other Resistance. O PCI e as oposições de esquerda, 1943-1945, Graphos, 1991, p. 88.

(10) Citado de G. Galli, Storia del Pci, ed. Schwarz, 1958, p. 236.

(11) Para o nosso julgamento mais argumentado sobre a Constituição, nos referimos ao nosso «Popolo villa o popolo rosso? Perché i comunistas non defendo la Constituzione e si battono per un’altra democrazia”, disponível no site http://www.alternativacomunista.it/content/view/1435/47/

(12) Neste quadro, o PCI reprime ao mesmo tempo os atos de rebelião dos bandos partisanos que no período da Libertação de 48 são periodicamente tentados a pegar em armas e voltar para as montanhas; e ao mesmo tempo tolera (e em parte usa como válvula de escape) ações contra fascistas individuais: como é o caso das execuções de fascistas perpetradas pelo Volante Rossa de Milão, ativo desde o verão de 45, no qual Referência é feita a C. Bermani, La Volante Rossa, Ed. Colibrì, 2009.

(13) Véase política comunista do V ao VI Congresso, resoluções e documentos coletados pelo secretário do PCI, 1948.

(14) G. Mammarella, Itália depois do fascismo, 1943-’68, Il Mulino, 1970, p. 204.

Artigo original em italiano, extraído de www.partitodialternativacomunista.org, 18/4/2023.-

Tradução: Nea Vieira

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