search
Polêmica

O papa e os hipócritas de esquerda

abril 26, 2025

Por: Francesco Ricci

Poderíamos ficar incrédulos diante da grande comoção com a qual grande parte da chamada esquerda política e sindical chora a morte do papa. Dos dirigentes da Refundação Comunista aos vários grupos neo-stalinistas, das direções dos sindicatos confederados até mesmo àqueles vários sindicatos de base, por todo lado se eleva um forte lamento pela morte do papa Francisco.

Igreja e poder

Poderíamos nos surpreender, se diria, se não se soubesse que, como parece ter afirmado no seu tempo Henrique de Navarra, convertendo-se ao catolicismo para se tornar o rei Henrique IV, “Paris bem vale uma missa”. Por séculos ninguém subiria ao poder sem beijar o anel de Pedro. Assim, é compreensível que dirigentes de uma “esquerda” que prestou serviço aos governos imperialistas, apoiando suas políticas antioperárias e de guerra social e militar, uma esquerda que aspira um dia voltar a vestir os trajes do mordomo de um governo patronal, que esta esquerda atenda ao som dos sinos que tocam para o morto.

Desse modo, por anos, as referências às palavras pronunciadas pelo pastor piedoso ressoaram nos congressos dessa esquerda mais frequentemente do que naquelas de Marx. O conhecimento das encíclicas papais oferece de fato, maiores garantias de confiança aos olhos do capital que o conhecimento do Capital.


Se um certo fervor místico é assim explicado, como se explica esse autêntico culto ao papa Francisco que derrota dezenas de batalhas, se não revolucionárias, ao menos laicas? Como é possível que nos esqueçamos do secular papel reacionário da religião em geral e, da católica em particular? De sempre ter sido um dos principais pilares do sistema capitalista e da sua barbárie?


Do papa Francisco, até onde lemos, foram apreciadas nestes ambientes algumas invocações pela “paz” em forma de sermões dominicais.


Certamente para apreciar é necessário remover o fato de que a “paz” da qual falava o papa defunto implica, como convém a quem promete o paraíso no além, a submissão no lado de cá. Uma paz entre as classes, entre imperialistas e povos oprimidos, entre exploradores e explorados. Sem prejuízo algum, se busca a possibilidade de uma oração ao Onipotente para que, com a ajuda do Filho e do Espírito Santo, formando a santíssima trindade, intervenham para amenizar os males do mundo. 


Males que, por toda parte, são suportados com espírito cristão. Assim como a mulher deve aprender a se sujeitar ao homem e a renunciar ao direito ao aborto (que o piedoso padre definia como “um homicídio”). Assim como os homossexuais não devem pecar de… “viadagem”, como deixou escapar um dia o santo homem (alguns caras de pau da esquerda ainda disseram que embora a expressão parecesse depreciativa, no fundo, revelava um traço de “autenticidade” do vigário de Cristo).

Mas, se de fato, provoca um certo desgosto ver o zelo com o qual certos dirigentes considerados de esquerda rezam o terço, esquecendo as campanhas lideradas pela Igreja contra os direitos civis; se é embaraçoso notar como esses novos ratos de sacristia retiram a natureza e o papel da Igreja, um dos Estados mais reacionários do mundo, que lucra com a pobreza possuindo um patrimônio bilionário, alimentado inclusive por financiamentos estatais de 8 por mil, das isenções fiscais, dos lucros com a saúde privada que com espírito piedoso oferece no lugar da saúde pública desmantelada pelos políticos crentes… se tudo isso provoca desgosto, o que é realmente insuportável é que se pretenda apresentar o falecido Francisco como um progressista.

O papa e a ditadura argentina

Não faria mal então buscar ler alguma coisa sobre a origem deste homem santo. Quando foi nomeado, por um breve período circularam algumas investigações jornalísticas, entre as quais recomendamos (principalmente aos espíritos piedosos) aquelas do jornalista argentino, e militante pelos direitos humanos, Horacio Verbitsky (1), que coloca luz sobre a cumplicidade da hierarquia católica com os torturadores argentinos e sobre o papel central que teve nisso Jorge Mario Bergoglio, que depois se tornou papa Francisco.

Todas informações disponíveis mas, muito rapidamente removidas não apenas pelas mídias de massa burguesas, mas também pelos apologetas de esquerda do “papa de esquerda”.

Todavia, Francisco, por quem hoje certa esquerda chora, durante a ditadura argentina era o número dois da Igreja católica naquele país, e assim como o seu superior direto (Pio Laghi), mantinha relações amigáveis e oferecia total apoio aos militares.

Além dessa evidente cumplicidade com o regime, Verbitsky escreve sobre alguns episódios específicos relacionados a Bergoglio. Documenta em particular quando o alto prelado teria entregue ao regime do qual era amigo, alguns padres indesejáveis da base porque apareciam como opositores, deixando claro aos militares que estes padres não gozavam mais da proteção da Igreja (beneplácito com o qual nenhum padre era tocado). Assim como, sempre segundo a investigação de Verbitsky, Bergoglio teria indicado diretamente para a repressão outros padres que não estavam dispostos a abençoar com o incenso os massacres do regime.  

Assim era o finado santo padre e esta é há séculos a função da santa madre Igreja: sempre fiel ao deus do lucro.

Por isso, há muito tempo atrás, um comunista (claro, pouco piedoso e nada temente a Deus) concluía o seu famoso livro escrevendo que papas e patrões “a história pregou neles a eterna vergonha da qual não conseguirão se redimir mesmo com todas as orações dos seus padres” (2).

Notas

(1) Por Horacio Verbitsky, autor de numerosos livros sobre a repressão durante a ditatura militar na Argentina, que provocou mais 40 mil vitimas (30 mil desaparecidos). Veja em especial o seu Il volo (1995, ed. italiana Fandango, 2006). Sobre o tema da cumplicidade da hierarquia católica em geral e de Bergoglio em particular com os torturadores argentinos se pode ler o documentado livro de Verbitsky A Ilha do silêncio. O papel da Igreja na ditadura argentina (a edição italiana foi publicada pela Fandango livros, 2006, última edição 2021).

(2) Se trata do pouco piedoso Karl Marx, que com estas verdadeiramente «imortais» palavras conclui o seu A guerra civil na França.

Tradução: Nívia Leão

Leia também