qua set 27, 2023
quarta-feira, setembro 27, 2023

França: façamos balanço da mobilização

Entrevista realizada pela redação da página web do Partido de Alternativa Comunista (PdAC) Itália

O 6 de junho será uma nova jornada de mobilizações e greves contra a “reforma” da previdência e contra Macron. Fabiana Stefanoni, dirigente da LIT-Quarta Internacional e diretora do website alternativacomunista.org, reuniu-se em Paris com Michaël Lenoir, companheiro da LIT na França, que participou ativamente nas mobilizações dos últimos meses (particularmente em seu setor de trabalho, o da educação, mas não somente ali). Nesta entrevista, Michaël tenta fazer um balanço da luta e, sobretudo, de suas atuais direções políticas e sindicais.

Michaël, em primeiro lugar queríamos pedir que você contasse aos nossos leitores como foi o Primeiro de Maio aqui em Paris e em toda a França.

Foi um Primeiro de Maio de grandes mobilizações de massa, apesar do temor dos ativistas sobre um possível descenso dos protestos. E quanto à participação, chegamos aproximadamente aos níveis já vistos em 19 de janeiro passado. Como sempre, há diferentes avaliações em relação aos números – a política dá números inferiores aos dos sindicatos – mas nossa impressão é que voltamos a alcançar os imponentes números de janeiro.

No final do dia, houve enfrentamentos com a polícia, em particular na Place de la Nation de Paris, com uma forte repressão. Dois companheiros, com os quais estivemos lado a lado nas mobilizações dos últimos meses, foram detidos e levados presos pela polícia sem terem feito nada. Há uma técnica policial repressiva que funciona assim: cercam os manifestantes, golpeiam violentamente e depois os levam à delegacia por 24 ou 48 horas, tentando tirar-lhes informação. Em teoria, deveriam justificar este modo de agir, mas nunca o fazem.

A mobilização se limitou só a Paris ou também houve grandes manifestações em outras cidades? A participação operária foi significativa? E a estudantil?

Houve grandes manifestações em todas as principais cidades da França, inclusive enfrentamentos com a polícia, por exemplo, no norte do país, em Rennes e outras cidades. Mas também no sul, como em Marselha. Houve uma significativa participação operária, e também de estudantes. A juventude está agora muito mais presente que no início do movimento.

Falemos um pouco sobre as direções atuais do movimento. Por exemplo, como a Intersindical está atuando?

A Intersindical [a coordenação de todos os sindicatos franceses, confederados e de base, ndr.] está agindo da pior forma imaginável. Não deram nenhuma perspectiva à mobilização, além da convocação de uma nova jornada de protesto em 6 de junho (um mês depois!), centrando efetivamente toda sua ação em uma perspectiva parlamentar, ou seja, em um texto com o que alguns parlamentares de centro rejeitam a lei de Macron. Ademais, a única ação que as direções nacionais dos sindicatos realizam, inclusive da CGT, é tentar que o texto seja aprovado no parlamento. O governo está tentando impedir o debate sobre este texto, afirmando que a discussão seria inconstitucional, o que é uma mentira. A verdade é que o governo quer impedir qualquer discussão sobre a “reforma”, para assegurar que a lei seja aplicada a partir de setembro. Mas o governo está isolado nisto, quase sem nenhum apoio entre a população.

Do nosso ponto de vista, é grave que os sindicatos tenham decidido que já não vale a pena lutar, empurrando seu apoio unicamente à iniciativa parlamentar, ao “papel dos políticos” e blá, blá, blá…Assim, deixam os trabalhadores sem nenhuma perspectiva de luta. Há setores de trabalhadores muito determinados e haveria razões muito boas para chamar à luta, por exemplo, a questão do custo de vida ou, no que diz respeito ao meu sindicato, a questão das escolas profissionais.

Diga-nos o que o governo pretende fazer em relação à formação profissional e quais protestos estão sendo realizados.

A questão da formação profissional está ligada à questão das pensões/aposentadorias, porque Macron quer dar como certa a aprovação da lei previdenciária e, por isso, passa ao ataque em outras frentes, por exemplo, os serviços públicos, inclusive a educação, que é um dos setores mais afetados. Estão tentando desmantelar o sistema público da educação profissional, que interessa aos operários e futuros trabalhadores do país: estão fechando muitos setores de formação e, em consequência, demitindo muitos professores. O ministro da Educação declarou, provocativamente, que, se estes professores perderem seus empregos, poderão fazer outras coisas nos jardins de infância ou outros âmbitos educativos que não têm nada a ver com sua formação! Também estão tentando acompanhar este processo com uma espécie de “anistia” para os estudantes matriculados nestas escolas, permitindo-lhes estagiar em empresas…para que os patrões tenham à sua disposição uma força de trabalho muito barata: para estes estágios em empresas estamos falando de compensações que oscilam entre 1,50 e 2,50 euros por hora. Infelizmente, os jovens proletários são tão pobres que muitos tendem a ver isso como uma oportunidade para ganhar alguma coisa.

A política do governo está conduzindo a um retorno ao século XIX: ao mesmo tempo que paga os jovens trabalhadores com salários de fome, obriga os idosos a permanecer mais tempo no trabalho com a “reforma” das pensões/aposentadorias.

Há alguma luta em curso para contrapor tudo isto?

Há uma escola profissional que está à frente da resistência nesse processo, a esperança é que possa converter-se em uma referência também para outras. Os professores desta escola secundária não estão em greve, mas estão bloqueando todos os exames. O bom é que há muitos pais de alunos que apoiam estes bloqueios e por sua vez convidam seus filhos a boicotar os exames.

A resistência operária também continua?

Sim, evidente, por exemplo, no setor da energia, que sempre foi um dos mais radicais na luta contra Macron, os trabalhadores tentam boicotar as ações do governo. Dou-lhe alguns exemplos divertidos: em abril, Macron realizou uma visita a uma empresa na Alsacia – a primeira visita oficial de Macron desde a aprovação da lei da previdência – e os operários do setor energético emitiram um comunicado no qual proclamavam que Macron e sua camarilha (a “macronia”, como a chamamos aqui), precisavam de “sobriedade energética” …e bloquearam o fluxo de energia, para que Macron e sua comitiva permanecessem no escuro.

Outro exemplo: Macron foi visitar uma escola, onde pronunciou um discurso muito agressivo sobre a questão da educação: houve uma greve de docentes e os trabalhadores do setor energético os apoiaram apangando todas as luzes, sempre com o chamado à “sobriedade energética”. Acontece frequentemente aos deputados do partido de Macron e seus colaboradores ficarem sem luz…

Deve-se acrescentar que não são só os trabalhadores do setor elétrico que realizam ações efetivas de rebelião. Com frequência, temos visto coletivos militantes serem formados ao calor das lutas. Em muitas zonas do país têm surgido grupos muitos radicais de ativistas, muitas vezes sobre a base da unidade de ação entre diferentes setores trabalhistas e inclusive entre diferentes gerações. É um fenômeno destinado a deixar traços. Ações audazes estão sendo realizadas. Uma das mais bem sucedidas e, do ponto de vista de classe, mais prazerosa, foi a recente ação noturna que provocou o fechamento da sede da Medef [ a associação dos industriais francesa, ndt.] em Lyon: emparedaram a porta com ladrilhos e concreto, impossibilitando a entrada.

Sim, sem dúvida, muito prazerosa! Uma última pergunta sobre o 6 de junho: como está sendo organizado este dia?

Será uma jornada de greve e manifestações nacionais, convocadas pela Intersindical, que, no entanto, ao mesmo tempo, está iniciando um diálogo com o governo, ao contrário do que havia dito anteriormente. Não podemos prever o que acontecerá nas ruas, mas uma coisa é certa: a Intersindical está tentando fazer passar este dia como um dia de apoio, nas ruas, aos parlamentares que assinaram a moção contra a lei de aposentadorias/pensões.

As perspectivas parlamentares dos reformistas e das direções sindicais certamente têm a possibilidade de chocar-se com a lógica cada vez mais autoritária (às vezes ditatorial) do governo de Macron. Mas, que carta estas direções jogarão depois de tudo isso? É urgente e necessário preparar uma saída de classe que permita ao nosso campo social recuperar terreno, diante da covardia e incoerência dos aparatos burocráticos.

Em 6 de junho, independentemente das intenções dos burocratas, creio que voltaremos a ter muita gente nas ruas, porque a base sindical é combativa. Agora a questão central é construir uma direção alternativa à da Intersindical. Há duas tarefas fundamentais: fortalecer o protagonismo e a auto-organização das bases e, ao mesmo tempo, pressionar suas direções dentro dos sindicatos, exigindo-lhes que mudem sua ação, a partir da organização de uma verdadeira grande greve geral e de massas.

Tradução do italiano para o espanhol: Natalia Estrada.

Tradução do espanhol para o português: Lilian Enck

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