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segunda-feira, junho 17, 2024

Apontamentos sobre quatro estratégias da esquerda política

As empresas de comunicação, com toda sua venalidade e simplismo, caracterizaram a atual situação latino-americana como a “segunda onda” da esquerda (a primeira seria no período de 2002-2013). Uma série de governos de “esquerda” ganharam as eleições no subcontinente, as cinco principais economias estão nas “mãos da esquerda” (Brasil, México, Argentina, Chile e Colômbia) que convivem de forma problemática com as ditaduras (Cuba, Nicarágua e Venezuela) e com os casos híbridos (Bolívia, Honduras).

Por: Roberto Herrera

A maioria desses governos surge do fracasso do capitalismo latino-americano e dos governos de direita para enfrentar a decomposição do capitalismo (pandemia de COVID, guerra na Ucrânia). São “votos de protesto” para que saia quem esteja governando. Diferente da onda anterior, não nascem de mobilizações populares que derrubam governos (Argentina 2001, Bolívia 2005), nem abrem processos constituintes (Venezuela, Equador); a mídia é menos radical política e socialmente e os compromissos com a burguesia são mais intensos (Lula ao lado de Alckmin, seu antigo rival), os perfis de seus dirigentes se aproximam mais de tecnocratas inteligentes (Arce) do que de dirigentes políticos e populares (Evo Morais).

A existência desses governos, embora busque estabilizar o capitalismo após o aprofundamento da crise civilizatória, não implica que a direita não tente golpes de Estado, destituições parlamentares ou use o aparato judiciário e policial para enfrentar o governo; ou seja, a situação está aberta entre a “gasolina” dos movimentos populares, a estabilização dos “governos de esquerda” e a direita autoritária. Esses governos têm uma relação problemática, ora justificando, ora confrontando, com as três ditaduras (Cuba, Nicarágua e Venezuela) e a repressão que elas exercem sobre seus próprios povos.

Em meio a esse quadro parece que a esquerda se agrupa em torno de quatro estratégias:

1) “A ocupação do Estado”, proveniente da onda anterior e da via institucional para o socialismo chileno. Esta estratégia assume que a estrutura profunda do Estado burguês, que o Estado burguês e dependente latino-americano é “neutro” e não tem um caráter de classe. Assume que o Estado pode ser utilizado como tal pelos revolucionários e pelo povo.

Nessa estratégia, se o Estado está ocupado por funcionários de direita, o Estado é “de direita”, se o Estado está cheio de revolucionários, então o Estado é revolucionário. Esta estratégia assume que o Estado burguês e dependente latino-americano é “a institucionalidade democrática”, assume que a “separação de poderes” é real e que a direita não colonizou todas as instituições (juízes, promotores, alta e média burocracia). Implica que “a imprensa livre” não é a ideologia dos grandes latifúndios de comunicação. É uma atitude que rapidamente pode ser assediada pelos inimigos de classe e que obriga a sempre se aliar à “direita moderada” contra a “direita das cavernas”. Nessa aliança, como em qualquer outra, quem impõe o programa de ação é quem está mais à direita.

2) A estratégia de “fortaleza sitiada” é a estratégia de Díaz Canel, Ortega e Maduro (resta saber se Arce), uma estratégia que, mais do que Lenin (como dizem os ideólogos democráticos), é apoiada por San Ignacio de Loyola. A metáfora consiste em garantir que, dentro da fortaleza sitiada, os ataques recebidos (independentemente de serem de setores populares, da oposição política ou dos Estados Unidos) são todos uma conspiração.

Essa perspectiva supõe a militarização do espaço político: através do controle do exército, da polícia e dos paramilitares, a situação é controlada militarmente, para depois concentrar todo o poder político e econômico no exército e nos partidários do ditador. Sua política é “enterrar, prender e banir” a oposição e seu “socialismo de características chinesas” é a ideologia para encobrir o grupo capitalista-militar que dirige o país.

3) A estratégia dos pequenos “mundos-outros”. Setores que se inspiraram no zapatismo e que sofreram/enfrentaram os “governos progressistas” tiraram corretamente a conclusão do fiasco da primeira onda “progressista”, mas chegaram à conclusão de que, diante do fracasso da civilização capitalista, é preciso apoiar-se nos restos de outras civilizações, principalmente as originárias. Apoiados nas mobilizações zapatista, mapuche e da MINGA, sustentam que um “outro mundo” é possível, rejeitando o capitalismo atual e estabelecendo um comunismo comunitário, imediato e convivendo em pequenos lugares.

O capitalismo poderia ser derrotado sem uma revolta e sem tirar o poder central do Estado, seria uma estratégia semelhante a uma doença que “infecta” partes do corpo até que finalmente o corpo morre (na metáfora o capitalismo seria o corpo). O problema da estratégia comunitária é que ela não indica o que fazer em setores onde não há alta densidade originária (que na América Latina abrange dezenas de milhões de setores populares) e também assume que o capitalismo não tentará hostilizar e destruir essas experiências comunitárias locais, que de alguma forma as respeitarão ou que não perceberá que está sendo “infectado” pelo poder comunitário. Nessa estratégia o poder é um erro, não uma condensação das relações sociais.

4) A quarta estratégia, compartilhada pelo autor desta nota, assume que o Estado não é neutro, é um instrumento de classe, que a dominação do capital é omnipresente e que não respeita a “separação de poderes”, domina o mundo do privado e do público. Além disso, acredita que as oligarquias latino-americanas são particularmente violentas e sanguinárias com qualquer esforço mínimo para democratizar a vida política e social.

Portanto, a maneira pela qual a esquerda política pode sair vitoriosa é retornar a estratégia leninista-trotskista que fornece o caminho para a vitória por meio de uma insurreição popular que destrua e paralise o poder do Estado burguês e seu coração, o exército e a polícia. Esta estratégia indica que, após o processo de insurreição popular, crescerá um organismo de frente única de todos os explorados e oprimidos, servindo como embrião de um novo Estado, de uma democracia dos trabalhadores e camponeses.

Tradução: Tae Amaru

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