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sexta-feira, março 29, 2024

Davos: uma cúpula desvalorizada e sem respostas

Acaba de ser realizada uma nova reunião anual do Fórum Econômico Mundial (FEM), conhecido como Fórum de Davos, pela cidade suíça na qual as reuniões são realizadas. Por um lado, foi uma cúpula com muitas ausências dos mais importantes líderes burgueses mundiais. Por outro, repetiu a falta de respostas dos últimos anos aos gravíssimos problemas internacionais debatidos.

Por: Alejandro Iturbe

Lembremos que o FEM Davos foi fundado em 1971 por iniciativa do economista alemão Klaus Martin Schwab, para realizar reuniões anuais dos CEOs das grandes empresas e bancos do mundo, os líderes políticos das principais potências, os presidentes dos organismos financeiros internacionais como o FMI, o Banco Mundial e o BCE. A eles se juntaram economistas, analistas políticos e intelectuais. Como diz um artigo que publicamos no ano passado, as elites mais ricas e poderosas (La crème de la crème) do capitalismo mundial se reuniam para analisar os problemas mais graves que o sistema capitalista enfrentava e elaborar propostas para responder a eles [1].

Se haviam dúvidas de que o FEM Davos está a serviço da defesa dos interesses e necessidades do capitalismo imperialista no mundo, sua própria página oficial informa que “O Fórum é financiado com as contribuições de cerca de mil empresas membro. A empresa membro comum é uma empresa global com mais de cinco bilhões de dólares de faturamento”[2].

O início de sua crise

Nesse contexto, a crise econômico financeira internacional que começou em 2007-2008, e suas sequelas, provocou o início da crise do próprio FEM Davos como “farol” do capitalismo imperialista, pela sua incapacidade de elaborar propostas viáveis e efetivas. Os banqueiros, os chefes dos organismos financeiros internacionais e os economistas ortodoxos deixaram de ser “estrelas” a quem todos queriam ouvir e passaram a estar cercados de desprestígio. Assim, na reunião de 2010 ocorreu uma mudança no caráter do FEM. O lema desse ano foi “Dominando a Quarta Revolução Industrial”.

O marco continuou sendo o exclusivo e caríssimo centro internacional de esqui. Mas o FEM passou a ser uma espécie de Shark Tank[*] de luxo em que alguns “inovadores tecnológicos” incipientes economizavam durante anos para poder pagar os 20.000 dólares que a inscrição básica custava, uma quantidade à qual se soma o custo de um hotel de faixa média, a bebida, a comida e a roupa adequada para o frio podendo chegar até os 40.000 dólares. Um investimento para poder oferecer suas ideias e conseguir investidores entre as grandes empresas.

Os “jovens brilhantes”

Neste ano, a situação de crise do FEM se manteve e se acentuou. Por um lado, foi notória a ausência de importantes líderes mundiais como o estadunidense Joe Biden, o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. Várias potências europeias (como Grã Bretanha e França) e Japão enviaram apenas representantes. A figura política mais importante presente foi o chanceler alemão Olaf Scholz que expôs a posição de seu país sobre a guerra na Ucrânia.

Na falta de líderes de peso, foi notória a presença de “jovens brilhantes”, a partir da chamada Comunidade de Líderes Jovens do Mundo, criada pelo FEM em 2005. Atualmente, inclui empresários, figuras políticas e inclusive ativistas de certas causas, abaixo dos 40 anos[3]. Algo assim como dizer “se os líderes históricos ‘não têm uma ideia’ para resolver os problemas do mundo, vejamos se a nova geração tem algumas para contribuir”.

Vejamos alguns jovens que tiveram seu espaço nesta última reunião. Esteve presente Greta Thunberg (20 anos), a ativista sueca que se transformou na principal figura do combate à mudança climática provocada pela contaminação ambiental e da exigência de medidas por parte dos governos para atenuá-la. No FEM 2023 apresentou sua reivindicação a vários dos líderes presentes. Como veremos, não obteve nenhuma resposta. Houve também alguns atos e manifestações de protesto em frente ao local de reunião[4].

Outro, foi Gregorio Werthein, um empresário argentino (39 anos), CEO da poderosa holding familiar (uma das mais fortes do país), proprietário de explorações agropecuárias, um banco, uma companhia de seguros, uma empresa de telefonia, empresas de alimentos e bebidas, de energia, prestadoras de saúde, e investimentos em projetos imobiliários. Gregorio, além disso, como jovem nascido em “berço de ouro” soube praticar equitação e inclusive representou seu país nos jogos olímpicos de Atenas (2004). Ou seja, a imagem do jovem empresário “bom e saudável” que o FEM nos propõe como paradigma.

A “policrise”  

Entretanto, nem mesmo estas mentes jovens contribuíram muito e o Fórum “terminou com as mesmas perguntas com que havia começado” segundo a análise da Agencia France 24[5]. Ou em “policrise” segundo outra mídia [6].

A verdade é que existem muitos, gravíssimos, problemas mundiais que requerem respostas. Um dos mais importantes é a dinâmica recessiva da economia mundial, situação que se agrava por uma altíssima inflação em todo o mundo. O Banco Mundial em seu último informe[7] faz um prognóstico que é compartilhado pelo FMI[8] e que foi confirmado por sua diretora gerente Kristalina Georgieva, que expressou que “não se pode descartar uma recessão nas grandes economias enquanto a inflação dispara em grande parte do mundo, arrastada pelo aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos básicos”.

Neste contexto, David Beasley, diretor do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, afirmou: “O mundo poderia enfrentar um problema de disponibilidade de alimentos nos próximos 10 ou 12 meses, e isso será um inferno na terra”. Enquanto a diretora geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, adiantou que “…a crise alimentar poderia prolongar-se até 2024”.

Frente a este gravíssimo panorama, a única proposta concreta foi apresentada por escrito pela Oxfam (uma ONG de ação internacional), através de um informe publicado em sua página e enviado ao FEM 2023. Nesse informe, a Oxfam “defende o aumento de impostos aos super ricos para recuperar parte dos benefícios obtidos por meio dos lucros excessivos durante a crise iniciada com a pandemia da Covid-19”[9]

Embora tenha sido a única proposta concreta para enfrentar esta “crise alimentar” que se avizinha, políticas como as que a Oxfam propõe de nada resolvem o problema de fundo. Em primeiro lugar, porque os super ricos nunca aceitarão devolver seus gigantescos lucros “por bem”. Em segundo lugar, porque quando medidas parecidas foram aplicadas parcialmente no passado, só serviram como uma leve atenuante de uma tendência ao crescimento da fome no mundo, como um flagelo endêmico do capitalismo imperialista[10]

Enquanto subsistir o capitalismo imperialista no mundo, a crise de alimentos e o aumento da fome, tal como a destruição da natureza e seus efeitos sobre a Humanidade, só continuarão crescendo e se agravarão. Por isso, pela sua impossibilidade de responder a estes problemas, o FEM Davos nos mostra sua decadência, em meio ao luxo. É como uma imagem simbólica da crise sem saída do capitalismo imperialista.

A realidade é que no mundo vemos, sim, respostas dos trabalhadores e das massas às consequências destes problemas, como a piora crescente de sua vida cotidiana. Vemos essas respostas nas grandes greves dos trabalhadores europeus, como na Grã Bretanha e França. Também vemos nas grandes rebeliões contra os governos, como em Sri Lanka, Irã e, atualmente, Peru.

Por isso, os trabalhadores e as massas devemos realizar nossa própria reunião internacional que permita coordenar, unificar e fortalecer cada uma destas lutas na perspectiva da imprescindível batalha contra o capitalismo imperialista e seus governos.


[1] https://litci.org/es/foro-de-davos-la-hipocresia-de-los-capitalistas/

[2] https://es.weforum.org/events/world-economic-forum-annual-meeting-2023

[3] Estos son los jóvenes líderes que están transformando el mundo – Alto Nivel

[4] Primeiro dia de Davos é marcado por manifestações e ausências | Repórter Brasil | TV Brasil | Notícias (ebc.com.br)

[5] https://www.france24.com/es/programas/econom%C3%ADa/20220528-foro-economico-davos-crisis-economica

[6] Davos em policrise – JOTA

[7] Perspectivas económicas mundiales: La desaceleración abrupta y prolongada golpeará con fuerza a los países en desarrollo (bancomundial.org)

[8] El duro pronóstico del FMI para la economía mundial: entrará en recesión en 2023, ¿cuándo logrará recuperarse? – El Cronista

[9] https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/a-sobrevivencia-do-mais-rico/?gclid=CjwKCAiA2rOeBhAsEiwA2Pl7Q8__xkDzwNtg0gDiXUG95qqhHK7-srr8XFZFR7JAODB7sBnXO6r5aRoC1fEQAvD_BwE

[10] Según la ONU, el hambre crece en el mundo y empeorará con el coronavirus (clarin.com)


[*] Shark Tank é uma série de game show norte-americana, que mostra empreendedores que vão ao programa apresentar as suas ideias de negócio a potenciais investidores a fim de obter financiamentos (Ndt).

Tradução: Lilian Enck

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