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sexta-feira, março 29, 2024

Paraguai: um 2022 com muitos dissabores

O ano que se encerra em nosso país foi, como os anteriores, um período em que a crise para o povo trabalhador continuou a se agravar. Ainda que tenha sido diferente pela superação dos efeitos mais dramáticos da pandemia, os efeitos posteriores da pandemia foram fortemente sentidos, especialmente na esfera econômica.

Por: PT-Paraguai

Quanto à dinâmica da luta de classes, ela continua desfavorável para a classe trabalhadora, que não só permanece na defensiva, como também não dá sinais de uma reação imediata. As disputas interburguesas continuaram acirradas, expressando-se no interior do principal aparato político da burguesia nacional, o Partido Colorado.

O agravamento da crise econômica no horizonte

Todos os números que mostram uma ligeira recuperação na balança de pagamentos com relação às importações, a queda insignificante da inflação, a relativa recuperação das PYMEs (Pequenas e Médias Empresas) devem ser analisados sob a ótica de um processo de recuperação mínima após uma contração pronunciada da economia. Em outras palavras, o que estamos experimentando é um efeito rebote depois de uma profunda queda em decorrência da pandemia, circunstância que ocorre em todo o mundo.

Os dados macroeconômicos apresentados pelas organizações financeiras nacionais e internacionais (BCP, FMI, BM, BID, etc.) refletem fundamentalmente os interesses e projeções dos grandes capitalistas no país e na região, sem ter nenhuma repercussão real embaixo.

Nesse sentido, todas as instituições que avaliam a dinâmica econômica global não só são cautelosas em suas previsões, mas também preveem uma conjuntura mundial desfavorável. De fato, o FMI aponta que é muito provável que na América Latina, como no resto do mundo, ocorra uma nova recessão econômica, com todos os efeitos que isso acarreta, atingindo de forma desigual os diferentes países.

As vendetas interburguesas durante todo o ano

O ano de 2022 foi atravessado por uma atmosfera eleitoral em termos gerais, e vários dos eventos políticos mais importantes podem ser explicados pelas disputas internas, basicamente na ANR (Associação Nacional Republicana) [1].

Os ataques e contra-ataques dentro do principal aparato mafioso da burguesia, o Partido Colorado, significaram não apenas um clima de maior hostilidade entre os representantes das duas principais facções, mas, ao mesmo tempo, geraram a queda efetiva de elementos ligados aos mais criminosos desses grupos, bem como a intervenção do próprio imperialismo através da embaixada dos EUA.

Nesse sentido, a queda e a perseguição dos clãs ligados ao tráfico de drogas (deputado Osorio, deputado Erico Galeano, o empresário Alberto Koube, entre outros pesos pesados) ou setores descaradamente corruptos (ex-governador Hugo Javier, Ramón González Daher, entre outros) fazem parte deste cenário de confrontos.

A acusação dos mandachuvas não atrapalha de forma alguma o funcionamento da máfia colorada; caem os circuitos comprometidos com uma ou outra facção, geralmente aqueles que agem de forma muito descarada devido à impunidade de que gozam há tantos anos.

O que não pode ser ignorado é que a postura da embaixada dos EUA a Cartes [2] e Velázquez [3] não se limitam apenas à eventual extradição de ambos os gângsteres para julgamento nos EUA, mas nas repercussões que isso teria não apenas no futuro imediato para o aparato do partido Colorado, mas também para o futuro desse partido, já que poderíamos estar diante de uma mudança na política ianque no sentido de apoiar a dita estrutura burguesa, a fim de colocar suas fichas em outro setor burguês tradicional, que ofereça maior previsibilidade e não entre em conflito com os interesses imperialistas na região.

A degradação das instituições do regime liberal tem seu correlato na maior inserção da máfia ligada ao tráfico de drogas e outros crimes, refletida no aumento dos pistoleiros contratados, que há vários anos não se limitam às áreas de fronteira.

No contexto das eleições internas do partido Colorado, a polarização entre os dois setores se intensificou, a tal ponto que o “abraço republicano”, se acontecer, será aparentemente uma mera fachada considerando os antecedentes e as repercussões dos ataques.

Na realidade, tal abraço é necessário se a ANR pretende disputar seriamente as próximas eleições, mas nesta fase os acordos de negócios conjuntos que podem ser repartidos parecem ser uma possibilidade distante. A verdade é que a continuidade de sua divisão coloca a oposição em melhores condições para uma vitória.

A oposição, uma alternativa burguesa neoliberal, mas que seria significativamente mais fraca.

Do outro lado do cenário burguês, o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) com Efraín Alegre [4] na cabeça, acabou ratificando sua preponderância na oposição. Deve-se reconhecer que Alegre tem sido o chefe visível da denúncia contra a máfia de Cartes e, é a força motriz por trás do aparato mais forte da oposição. A dupla com Soledad Núñez [5] é a alternativa burguesa ao sinistro partido Colorado.

Essa dupla liberal lidera a conciliação com outros setores da direita e parte da esquerda reformista, é o rearmamento, não mais, de uma frente popular, mas de um projeto burguês alternativo. É um programa liberal do começo ao fim, que se projeta como um setor de capital mais ligado a institucionalidade burguesa e que concentra a maior parte da burguesia não colorada que tem mais chances de vencer as eleições do próximo ano.

Por outro lado, o setor majoritário da Frente Guasu [6] decidiu apoiar o projeto burguês e representante de um setor da Maçonaria, Euclides Acevedo, que sempre atuou como quinta coluna do partido Colorado. Acevedo vem do setor da social-democracia (PRF), setor do qual foi afastado e tem como antecedente imediato ter ocupado dois ministérios no atual governo corrupto de Mario Abdo Benítez.

Após as prévias internas, os líderes da FG que apoiam Euclides afirmaram que “é necessário pensar na necessidade de unidade não apenas no âmbito da conciliação, mas como uma oposição como um todo“, por enquanto Efraín não mostra muito interesse em negociar nada com eles.

Euclides sempre foi identificado como um charlatão, oportunista e corrupto, e hoje arrasta atrás de si membros desmoralizados do campo popular, entre eles Bernardo Rojas (CUT-A) [7]. O grosso da Frente Guasu, sem lugar na conciliação liderada por Efraín Alegre, acabou nos braços de Acevedo numa tentativa de negociar com Alegre um acordo para unificar toda a oposição, uma perspectiva até agora distante, dada a decisão de Acevedo, pelo menos até agora, de manter sua candidatura até o fim.

A outra candidatura independente, com alguma relevância, é o projeto de Payo Cubas à presidência. O projeto de Cubas tem um alto conteúdo nacionalista e populista. Apesar do destaque que obteve na sua bancada no Senado, ele não foi capaz de se articular com nenhum setor devido ao seu individualismo excessivo e de suas propostas, muitas delas delirantes. Sua irreverência perante os poderes conquistou grande simpatia nos setores populares, mas seu grau de desequilíbrio e excentricidade também gera desconfiança.

De acordo com algumas opiniões de figuras da oposição, Cubas teria um fluxo maior nas intenções de voto que Euclides Acevedo. Os expoentes da Conciliação propuseram conversações com este projeto com vistas à unidade da oposição.

A classe trabalhadora desmoralizada e sem direção

A realidade da classe trabalhadora em nosso país é que ela está profundamente atingida, sem nenhuma referência real. A maioria dos setores da esquerda está completamente adaptada ao regime liberal e não é uma alternativa para apoiar as lutas.

Ao longo do ano, houve derrotas em todas as áreas. No campo, não só o capital agropecuário avança e se consolida cada vez mais, mas o campesinato que resiste o faz absolutamente desamparado, com seus líderes presos ao eleitoralismo atrás de opções burguesas que não geram a menor esperança.

No setor urbano, os setores sindicais também permanecem em letargia. A maioria de seus representantes está na arena eleitoral e não tem outro horizonte que não sejam as demandas econômicas e outras reivindicações democráticas isoladas.

Os sindicatos do setor público não conseguiram sequer reverter a violação de seus contratos de coletivos de trabalho, obtendo algumas migalhas compensatórias que beneficiam apenas os burocratas de plantão. Outros baixaram os braços na esperança de uma reprogramação do orçamento no meio do ano.

A maioria da direção sindical não só é profundamente prebendaria, corrupta e burocrática, mas nos últimos tempos, aqueles setores que mantinham pelo menos uma identificação mais ou menos classista acabaram sendo cooptados pelo governo, sendo exemplos nítidos, uma grande parte da Comissão Executiva de um dos mais importantes sindicatos do país, o SITRANDE [8] e a na central sindical da qual fazem parte, a CUT-A.

O resto do sindicalismo que mantém uma posição consciente de classe e combativa é profundamente atomizado (CCT [9], ASC [10], CSC [11]), sem possibilidade imediata de constituir uma alternativa para mobilizar os trabalhadores e romper com as velhas estruturas da burocracia sindical.

Um rasgo de esperança

Ao longo do ano, ganhou especial destaque os múltiplos problemas enfrentados pelos segurados do Instituto de Previdência Social (IPS) face ao colapso do sistema de saúde como resultado da corrupção ligada a licitações fraudulentas e superfaturamento de vários serviços, aqueles negociados em torno do fornecimento de medicamentos e do desabastecimento como uma de suas consequências, a crescente precariedade do atendimento, levando à negligência médica criminosa em muitos casos.

A raiva e a impotência geradas foram enormes em amplos setores da classe trabalhadora, com eco nos grandes meios de comunicação sobre os escândalos grosseiros relacionados ao sistema de previdência social.

No início do ano, um grupo de trabalhadores e aposentados decidiu não apenas realizar uma campanha de denúncias apontando a cumplicidade entre os administradores da Previdência, do governo e do setor privado que parasita a agência, mas também criar uma associação que reunisse trabalhadores ativos e aposentados para lutar.

O projeto rapidamente ganhou vida, avançando na organização e mobilização contra os responsáveis por toda a corrupção e tudo o que ela implica, expressa nas dificuldades dos trabalhadores e dos aposentados que recorrem à agência.

Apesar da associação promover mobilizações, greves e outras ações de protesto, elas resultaram bastante fracas, apesar da cobertura da mídia que conseguiram obter.

Produto da desorganização dos segurados e da debilidade dos sindicatos existentes, a Lei Samaniego[1] foi aprovada e promulgada com grande pompa, e com ela a execução de empréstimos milionários para pagar dívidas fraudulentas da indústria farmacêutica e, ao mesmo tempo, colocando em risco os fundos de aposentadorias/pensões.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a Lei Samaniego foi aprovada com a cumplicidade traidora das Centrais de Trabalhadores da CUT; CUT-A; CNT.

O nascimento da Associação Nacional de Segurados do IPS pode tornar-se um embrião de reorganização, não só dos trabalhadores segurados do IPS, mas pode ter o potencial de ser um polo de atração para outros setores do campo social e popular.

Derrotas significativas duras

O reflexo da situação descrita acima é a dura derrota que significa aspectos estratégicos para a classe trabalhadora para o presente e o futuro, entre eles, sem dúvida o mais significativo é a perda de soberania energética que está ocorrendo no âmbito das negociações para a renegociação do Anexo C[2].

A falta de reação do SITRANDE se deve a cooptação de parte de sua direção pelo governo, como indicamos acima. Era a única organização da classe trabalhadora com capacidade real para montar uma campanha de mobilização e luta para galvanizar o resto do movimento e ser um dique de resistência contra o entreguismo do governo.

No campo, as coisas não são melhores, foi aprovada a Lei Zavala-Riera, que aumentou a estrutura punitiva do conceito de “invasão de propriedade alheia”, convertendo assim as ocupações de terra de delitos em crimes, o que endurece a lei penal que agora é usada como um garrote muito mais eficaz contra as organizações camponesas e indígenas que foram duramente desalojadas, processadas e presas ao longo do ano.

As principais lideranças camponeses, com verdadeiro peso e capacidade de mobilização, estão fundamentalmente engajadas nas eleições, levando para segundo plano as lutas pela terra, deixando-as para serem resolvidas no campo judicial com a assistência fornecida pelas ONGs e outros.

A necessidade urgente de reorganização

Mais do que nunca é necessário reorganizar-se em torno de um programa político que promova a independência de classe, que invista incansavelmente na mobilização da classe trabalhadora como o único método para alcançar as reivindicações atuais e históricas e assim avançar em direção a um governo operário e revolucionário que vise como única solução alternativa a tanta barbárie, a construção de um modelo social diametralmente oposto àquele em que vivemos, uma sociedade socialista.

Notas:

[1] Associação Nacional Republicana – Partido Colorado.

[2] Horacio Cartes, ex-presidente da República. Empresário ligado a diversos setores, especialmente o setor de tabaco, considerado o principal expoente do contrabando e da lavagem de dinheiro no país.

[3] Hugo Velázquez, atual Vice-Presidente da República, membro do primeiro escalão do partido governista.

[4] Efraín Alegre, presidente do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), principal candidato da oposição para as eleições presidenciais de abril de 2023.

[5] Ex-ministro do ex-presidente Horacio Cartes.

[6] Frente dos partidos reformistas de esquerda, cuja figura principal é o ex-presidente Fernando Lugo.

[7] Bernardo Rojas é presidente da Central Unitária de Trabalhadores Autêntica (CUT-A).

[8] Sindicato dos Trabalhadores da Administração Nacional de Energia Elétrica

[9] Confederação da Classe Trabalhadora.

[10] Ação Sindical Classista.

[11] Corrente Sindical Classista.


[1] Lei, oriunda do deputado colorado Arnaldo Samaniego, que busca viabilizar a contratação de novos empréstimos para o Instituto de Assistência Social (IPS), ndt;

[2] Anexo C – parte do tratado de Itaipu Binacional que trata da comercialização de energia, ndt;

tradução: Rosangela Botelho

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