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sexta-feira, abril 19, 2024

Ditadura chinesa retrocede em sua política de combate à COVID-19

Ao responder ao súbito surto de Covid-19, colocamos o povo e suas vidas acima de tudo, trabalhamos para evitar tanto casos importados quanto ressurgências domésticas, e tenazmente seguimos uma política dinâmica de “Covid zero”. Ao lançar uma guerra popular para deter a propagação do vírus, protegemos a saúde e a segurança do povo na maior medida possível e fizemos conquistas tremendamente encorajadoras tanto na resposta à epidemia quanto no desenvolvimento econômico e social.

Por Marcos Margarido

Estas foram as palavras de Xi Jinping no 20º Congresso do Partido Comunista da China. Um mês depois, são letra-morta. O povo chinês levantou-se contra essa “saúde e segurança” fornecida pelo governo chinês e deu um recado claro: não quer que a ditadura do PCCh coloque “o povo e suas vidas acima de tudo”, mas sim que lhe devolva suas vidas para que ele próprio decida o que fazer com elas.

E fez isso da melhor forma possível. Deu o recado saindo às ruas e desafiando a onipotência de um partido e um Estado (alguns preferem dizer partido-estado) sem recorrer, como queria a polícia que depois interrogou alguns dos manifestantes, aos “canais competentes”. E o povo descobriu que não, não são onipotentes.

O governo teve que retroceder em algumas das mais odiadas restrições de sua campanha de “COVID zero” após as manifestações que varreram as principais cidades da China (ler a matéria A China vive dias turbulentos de desafio ao governo) no fim de novembro. As pessoas infectadas não serão mais levadas a campos de confinamento, elas poderão fazer quarentena em suas casas. A exigência de testes PCR negativos para entrar em locais públicos foi relaxada, bem como para viajar dentro do país. 

Além disso, não se fará confinamento de cidades inteiras ou bairros, eles serão mais localizados, como em edifícios com focos de COVID ou mesmo apenas andares. E serão cancelados se não houver novos casos em cinco dias.

Esta foi uma vitória do movimento, mesmo que parcial, que pode injetar novo ânimo nas massas chinesas contra o governo ditatorial. Mas, é claro, isso não esgota a questão, pois a China vive um surto da doença, mesmo com todas as medidas restritivas. São cerca de 30 mil novos casos por dia, que deverão aumentar com o relaxamento das medidas e sobrecarregar a rede hospitalar, que não está preparada para um aumento muito grande de casos.

Os motivos dos protestos

Muitos podem perguntar: se os casos aumentarão, por que a população rebelou-se? Não há resposta fácil para isso, mas alguns exemplos do que aconteceu por quase 3 anos de aplicação da política de “COVID zero” podem ajudar.

Quase 530 milhões de pessoas – quase 40% da população – estavam sob alguma forma de confinamento no final de novembro, de acordo com uma estimativa. Pessoas morreram por causa do atraso na assistência médica, ou passaram fome.

A cidade de Haizhu, ao sul de Cantão, uma das regiões mais industrializadas da China, centro da indústria têxtil, ficou em confinamento total em outubro. As consequências para os trabalhadores foram trágicas. A desaceleração da economia já havia levado milhares ao desemprego, obrigando-os a trabalhar por peça e recebendo a metade do que antes da pandemia. O confinamento em centros de quarentena levou-os a perder até essa minguada fonte de renda. Era uma prisão, mas sem o fornecimento de refeições nem ajuda financeira, fazendo-os a passar fome.

Após a detecção de um caso em Xiasha, um bairro populoso de Shenzhen, o governo ergueu barreiras que impediam os moradores de sair. Mesmo depois da retirada das barreiras, eram exigidos testes de COVID a cada 24 horas. As pessoas que entravam no bairro tinham que apresentar prova de residência. As autoridades monitoravam os movimentos das pessoas através de seus telefones celulares. Uma agência estatal de notícias afirmou que a monitoração das atividades era feita por um funcionário público para cada 250 moradores. Como disse um deles, “o Estado está em todos os lugares”.

Essa combinação da redução da atividade econômica com as medidas restritivas e a presença ostensiva de um Estado policial controlando suas vidas levou a população a rebelar-se e exigir mudanças, e até a queda do governo em cidades como Xangai.

O que fazer?

Os apologistas da ditadura capitalista chinesa, como os partidos comunistas e movimentos castro-chavistas, defendiam a totalidade das medidas restritivas sem nenhuma crítica. Agora, defendem a abolição das medidas feita pelo governo da mesma forma, sem crítica. Não passam de mímicos do “guia supremo”. Mas, causam um dano enorme à classe operária ao afirmar que todas as políticas do governo chinês estão baseadas no marxismo e que fazem parte do “socialismo com características chinesas”, o eufemismo utilizado pelo Partido Comunista da China para justificar a restauração capitalista da economia chinesa no fim da década de 1970.

Porém, há uma política marxista para enfrentar uma epidemia? Vamos recorrer a um exemplo, ocorrido durante a guerra civil que assolou a Rússia logo depois da tomada do poder pela classe operária, em 1917. Havia uma epidemia de tifo, que se espalhou pela Europa durante a I Guerra Mundial, mas que se agravou na Rússia devido às péssimas condições de vida da população rural causadas pelo cerco dos chamados exércitos brancos, financiados pelas potências imperialistas.

“Entre 1918 e 1922, estimava-se que cerca de 20% a 25% de toda a população fora infectada, com um número de mortes de cerca de 2,5 milhões (taxa de mortalidade 10 a 12%). Entre 1919 e 1920, 4.000 médicos da saúde pública contraíram a doença e 800 (20%) morreram. De 1918 a 1920, 1.183 de 3.500 médicos do Exército Vermelho contraíram tifo e 235 destes (19,9%) morreram. A invasão estrangeira, a guerra civil, o colapso econômico, a fome e doenças concomitantes como a cólera, a pandemia de influenza de 1918-19, e a maior epidemia de febre causada por piolhos (o transmissor do tifo) já registrada, tudo isso agravou a miséria da população soviética e tornou o combate ao tifo muito mais difícil”.[1]   

O governo dos Sovietes tratou dessa situação apelando às bases dos sovietes, para a população fosse organizada em torno ao objetivo de combater a epidemia. No VII Congresso Nacional dos Sovietes da Rússia, os delegados presentes ouviram um discurso memorável de Lenin:

Um terceiro flagelo está nos atacando, os piolhos e o tifo, que está ceifando as vidas de nossos soldados. Camaradas, é impossível imaginar a terrível situação nas regiões da epidemia, onde a população está alquebrada, enfraquecida, sem recursos materiais, onde toda a vida, toda a vida pública cessa. A isto respondemos: Camaradas, devemos concentrar tudo neste problema. Ou os piolhos vão derrotar o socialismo, ou o socialismo vai derrotar os piolhos! E aqui também, camaradas, usando os mesmos métodos que em outras situações, estamos começando a ter sucesso. Há ainda alguns médicos, é claro, que têm noções preconcebidas e não têm fé no domínio dos operários, que preferem cobrar consultas dos ricos em vez de lutar a dura batalha contra o tifo. Mas estes são uma minoria, e são cada vez menos; a maioria vê que o povo está lutando por sua própria existência, eles percebem que por sua luta o povo deseja resolver a questão fundamental de preservar a civilização. Estes médicos estão se comportando neste árduo e difícil assunto com não menos devoção do que os especialistas militares. Eles estão dispostos a colocar-se a serviço do povo trabalhador. Devo dizer que estamos começando a emergir também desta crise. O camarada Semashko me deu algumas informações sobre este trabalho, de acordo com notícias da frente, 122 médicos e 467 assistentes tinham chegado à frente em 1º de outubro. Cento e cinquenta médicos foram enviados de Moscou. Temos razões para acreditar que até 15 de dezembro outros 800 médicos terão chegado à frente para ajudar na batalha contra o tifo. Devemos prestar muita atenção a esta aflição.”

Apelo aos operários e camponeses, apelo aos médicos, apelo aos soldados, democracia operária. Esse era o método ao qual Lenin se referiu em seu discurso, o método da classe operária. Essa é política marxista, e não o estabelecimento de um Estado policial, o que poderia ter sido facilmente ocorrido, pois o país estava inteiramente mobilizado para a guerra civil.

Derrubar a ditadura

Por isso, não há nada mais urgente do que a derrubada dessa ditadura capitalista, comandada por Xi Jinping, pelas mãos da classe operária chinesa e de seus aliados, os camponeses pobres, os trabalhadores dos grandes centros urbanos, as nacionalidades oprimidas e as mulheres trabalhadoras e camponesas oprimidas pelo machismo. A união desses setores e o apoio da classe operária internacional criarão as condições para a construção de um verdadeiro partido marxista revolucionário na China, para dirigir a revolução que porá abaixo estes lobos em pele de cordeiro.


[1]     K. David Patterson, Typhus and its control in Russia, 1870-1940, Medical History, 1993, 37: 361-381.

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