qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

EUA| Entendendo a investigação do Comitê de 6 de janeiro

O motim “Stop the Steal” (“Pare o Roubo”) no edifício do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 não serviu para romper o controle que Donald Trump tem sobre o Partido Republicano ou sua base. O “Comitê Seleto para Investigar o Ataque ao Capitólio dos Estados Unidos” (o Comitê 6J) se formou contra a oposição dos principais partidários de Trump no Congresso, e apenas dois representantes do GOP (Grand Old Party, ou seja, o Partido Republicano, Ndt.) decidiram participar, Liz Cheney (republicana de Wyoming) e Adam Kinzinger (republicano de Illinois).

Por: John Leslie

A direita utilizou a falta de participação do GOP na comissão como argumento para atacar a legitimidade de qualquer investigação sobre o motim do Capitólio, enquanto que os democratas encenaram a investigação principalmente para respaldar sua estratégia eleitoral da metade do mandato de utilizar o ataque, e o ascenso da extrema direita, para assustar os trabalhadores e os oprimidos para que votem, mais uma vez, no “mal menor”.

O caminho para o 6 de janeiro

No início de sua campanha de reeleição em 2020, Trump começou a colocar em dúvida a segurança das eleições, a legitimidade dos votos por correio, se os “estrangeiros ilegais” votariam e a falar de uma possível fraude eleitoral. Em 19 de julho de 2020, Trump disse a Fox News que “o voto por correio vai fraudar as eleições”. Isso, apesar dos estados usarem o voto pelo correio nas eleições por anos, sem que ocorressem incidentes importantes de fraude eleitoral. À medida que as eleições se aproximavam, as afirmações de Trump sobre eleições fraudadas se tornaram mais estridentes nos comícios e através do Twitter.

Estas declarações se intensificaram após as eleições, e Trump e seus partidários apresentaram 62 demandas em estados e tribunais federais. Trump perdeu cada uma delas, com a exceção de uma decisão da Pensilvânia que afirmava que “os eleitores tinham 3 dias depois das eleições para proporcionar uma identificação adequada e ‘curar’ suas cédulas”. Os partidários de Trump também compuseram listas alternativas de eleitores e apresentaram a ideia de que as legislaturas estatais controladas pelo Partido Republicano poderiam “intervir” e enviar estas listas alternativas para que fossem certificadas em 6 de janeiro pelo vice-presidente Pence. Em última instância, a sessão do Congresso de 6 de janeiro para certificar o resultado das eleições se transformou no ponto chave para a tentativa de Trump de anular as eleições.

As alegações de fraude eleitoral não são novidade. Em 2016, Trump afirmou que Ted Cruz tinha roubado os caucus[1] de Iowa, declarando: “baseando-nos na fraude cometida pelo senador Ted Cruz durante os caucus de Iowa, uma nova eleição deveria ser realizada ou anular os resultados de Cruz”. Mais tarde, Trump colocou em dúvida os resultados dos caucus* de Colorado. Mais tarde, Trump fez declarações sem fundamento sobre a fraude generalizada dos eleitores nas eleições de meio mandato de 2018.

O dia em que a terra parou

Em 6 de janeiro, muitos de nós vimos com assombro um distúrbio transmitido diretamente do edifício do Capitólio dos Estados Unidos. Antes, Trump se dirigiu a um comício de simpatizantes, entre os quais se encontravam os Proud Boys (“os garotos orgulhosos”) e os Oath Keepers (“os guardiões do juramento”) da extrema direita, denunciando Pence por não lhe entregar as eleições e instando seus partidários a marchar para o Capitólio para mostrar sua presença: “Lutamos. Lutamos como o demônio e se não lutais como o demônio, já não tereis um país. Assim que caminhemos pela Avenida Pensilvânia”.

Cerca de 15.000 manifestantes marcharam para o Capitólio, e alguns deles atacaram a polícia do Capitólio, e uma multidão de cerca de 2.000 rompeu a segurança do edifício e entrou. A polícia do Capitólio e os agentes federais evacuaram a Câmara e o Senado. Assegurar o edifício para que os membros do Congresso pudessem voltar levou quatro horas. Mais de 900 pessoas foram acusadas de diversos delitos, inclusive o de sedição. Mais de 400 dos acusados se declararam culpados. Embora muitos dos partidários de Trump no Partido Republicano e no Congresso condenaram sua tentativa de anular as eleições e os distúrbios no Capitólio, a maioria deles se alinhou com Trump e agora repetem a narrativa de eleições fraudadas ou roubadas.

A retórica de Trump no período anterior às eleições e depois, encorajou um setor da extrema direita que assumiu suas alegações como se fossem a verdade. Grupos protofascistas como os Oath Keepers, a milícia dos 3% e os Proud Boys se mobilizaram para o 6 de janeiro e atuaram como uma vanguarda disciplinada neste distúrbio. Nas semanas anteriores à revolta, estes grupos supostamente concordaram sobre a unidade operacional no dia da revolta.  A líder de Oath Keepers, Kelly Meggs, publicou no Facebook em dezembro de 2020 que “esta semana organizei uma aliança entre Oath Keepers, Florida 3%ers e Proud Boys…Decidimos trabalhar juntos e encerrar este [palavrão] …”.

O que o Comitê J6 encontrou?

O Comitê apresentou provas de que Trump buscou a anulação dos resultados das eleições de 2020 apesar de saber que tinha perdido. Trump pressionou pessoalmente os funcionários eleitorais estatais e os legisladores do estado neste esforço. Descobriram que assessores e membros do Congresso participaram desta artimanha, e que Trump tentou usar o Departamento de Justiça no esforço. Durante a campanha pós-eleitoral “Stop the Steal”, Trump arrecadou mais de 250 milhões de dólares em doações de seus partidários para pagar os gastos legais para anular os resultados das eleições presidenciais de 2020, que foram canalizados para o Save America (“Salve a América”) PAC (Comitê de Ação Política, pela sigla em inglês) de Trump e depois distribuídos para grupos políticos pró-Trump.

Em sua última reunião, a Comissão emitiu uma citação para que Trump comparecesse perante o organismo, mas não está nítido se a cumprirá. Na última reunião do Comitê não foram apresentadas novas provas, mas foram repetidas as apresentadas anteriormente mediante uma apresentação em vídeo.

A investigação também revelou que as agências federais, o Serviço Secreto e o FBI, suspeitavam antes dos atos de 6 de janeiro que poderia ter um potencial de violência e que havia ameaças contra figuras políticas concretas, incluindo o vice-presidente Pence. Há dúvidas sobre se as mensagens de texto do Serviço Secreto desse dia foram apagadas.

Isso importa?

Os socialistas entendem que o Estado, inclusive uma “democracia” burguesa, funciona como “um instrumento para a exploração da classe oprimida”, como Lênin escreveu em “Estado e Revolução”. O Estado não é uma entidade neutra que existe para o benefício de todos, mas a expressão do domínio de uma classe sobre outras. A democracia burguesa é uma tela para ocultar a verdadeira natureza do Estado capitalista. Concede direitos aos “cidadãos”, mas reserva o direito de exploração e violência à classe dominante. Lênin escreveu: “Marx captou esplendidamente esta essência da democracia capitalista quando, ao analisar a experiência da Comuna, disse que se permite aos oprimidos, uma vez a cada poucos anos, decidir quais representantes particulares da classe opressora os representarão e reprimirão no parlamento!” (“Estado e revolução”, cap. 5).

Apesar disso, os socialistas entendem que temos que defender as conquistas em matéria de direitos democráticos, arrancadas graças às lutas dos oprimidos e explorados. Entre estes direitos encontra-se o direito ao voto, que atualmente é objeto de um ataque acordado por parte da direita. Isto demonstra que uma ala da classe dominante pode ter perdido a confiança na capacidade da democracia burguesa para defender seus interesses e pode precisar de medidas mais autoritárias para manter seu controle do poder.

Nos estados com assembleias legislativas controladas pelos republicanos e governadores do Partido Republicano, foram aprovadas leis que tiram o poder sobre as eleições das juntas eleitorais ou dos Secretários de Estado eleitos. Os estados aprovaram leis que restringem o direito de voto. Segundo o Centro Brennan, “19 estados promulgaram 33 leis que dificultarão o voto dos estadunidenses”. Os negacionistas das eleições que apoiam Trump se apresentaram às eleições, inclusive as juntas eleitorais e as legislaturas estatais, o que abre as portas para outra possível tentativa posterior às eleições de anulá-las em 2024.

Certamente, os democratas foram defensores ineficazes dos direitos democráticos, inclusive o direito ao voto. Preferem apelar à “decência” dos opositores políticos porque estão vinculados à classe capitalista e uma verdadeira defesa da chamada democracia exigiria uma ruptura com os ricos governantes. Ao usar as audiências do Comitê 6J como um elemento de suporte para sua estratégia a médio prazo, os democratas, mais uma vez, estão levando uma faca para um tiroteio.

Os democratas participaram voluntariamente do regime de encarceramento massivo, na desorganização e violência do COINTELPRO[2] contra os dissidentes, e apoiaram o crescimento do Estado de Segurança Nacional. Embora um punhado de democratas “progressistas” se pronunciaram, o principal impulso das ações reais dos democratas foi reforçar a natureza antidemocrática do sistema. Os “socialistas” e “progressistas” da casa existem principalmente para encurralar os trabalhadores e oprimidos para que votem nos democratas como um “mal menor”. Isto se reflete na ênfase de meio de mandato no direito ao aborto e no ataque ao Capitólio, já que os democratas chamam estas eleições, mais uma vez, “as mais importantes da história”. Os democratas fazem esta afirmação apesar de terem fracassado repetidamente na codificação do direito ao aborto na lei e de sua ineficácia na defesa dos direitos democráticos.

O que o 6 de janeiro revela é a crescente polarização da política burguesa estadunidense. A extrema direita continuou consolidando posições dentro do Partido Republicano, à medida que a retórica direitista da guerra cultural e as questões de discussão dos nacionalistas brancos se tornam a principal corrente dentro do GOP. Enquanto isso, os democratas continuam demonstrando sua incapacidade para oporem-se à marcha da direita.

O 6 de janeiro foi uma ação armada mal planejada e executada em apoio a uma medida legislativa antecipada para negar a certificação do resultado eleitoral. Em qualquer contexto, o motim do Capitólio pode ser considerado uma tentativa de golpe de Estado por parte de Trump. Apenas o fato de que ele não teve um apoio chave no exército e na classe dirigente fez com que este esforço fracassasse. A direita afirma que não foi uma ação armada porque supostamente não levaram armas de fogo ao protesto. Entretanto, a NPR (Rádio Pública Nacional) salienta que 15 manifestantes detidos levavam diversas armas, como tacos de beisebol, mastros, spray de pimenta e extintores. Um manifestante foi acusado de golpear um agente com uma haste metálica.  Em 6 de janeiro, a polícia confiscou uma dúzia de armas de fogo, milhares de cartuchos, uma besta, uma pistola paralisante e 11 coquetéis molotov. No julgamento por conspiração sediciosa contra cinco Oath Keepers, entre eles o líder de Oath Keepers, Stewart Rhodes, foi revelado que o grupo havia armazenado um fornecimento de armas de fogo e munição em um hotel situado do outro lado da fronteira, no estado da Virgínia, para sua rápida distribuição entre os manifestantes.

Os anos de Trump normalizaram a presença de ultradireitistas armados nos protestos. Milicianos armados e outros entraram nos edifícios dos governos estatais durante os protestos contra o bloqueio nas casas dos estados. Desde o 6 de janeiro, os membros da milicia, os Oath Keepers e os Proud Boys continuaram se organizando e construindo, e alguns assistiram aos conselhos escolares como parte dos protestos contra a Teoria Racial Crítica ou em protesto contra os livros que são objeto das tentativas da direita de proibi-los.

O crescimento das formações direitistas armadas é paralelo à crescente influência do nacionalismo branco e do nacionalismo cristão no Partido Republicano. Atualmente, o seguidor de Trump, Michael Flynn, está organizando uma série de comícios “ReAwaken America” (“Desperta America”), que são uma combinação de comícios políticos de extrema direita e ressurgimento de tendas de campanha. Os oradores desses comícios usam a imagem da batalha para descrever as tarefas que têm pela frente. Segundo a Associated Press, “desde inícios do ano passado, a ReAwaken America Tour levou sua mensagem de um país assediado para dezenas de milhares de pessoas em 15 cidades e bairros pobres. O tour serve como espetáculo itinerante e ferramenta de recrutamento para um movimento nacionalista cristão em ascenso que se envolveu em Deus, o patriotismo e a política e cresceu em poder e influência dentro do Partido Republicano”. A direita está se preparando para a guerra civil enquanto a maior parte da chamada esquerda vai atrás dos democratas, mendigando migalhas.

Os democratas estão tentando escandalizar Trump e seus aliados políticos dando ênfase em seus vínculos com a extrema direita e as milícias supremacistas brancas, mas resta saber se as figuras de alto escalão, incluindo Trump, sofrerão algum castigo. Diferente de escândalos presidenciais anteriores, a classe dirigente não cerrou fileiras contra Trump. Trump é tão influente como antes e tem um firme controle de sua base. Nisto difere de Nixon, que renunciou em desgraça e terminou seus anos na obscuridade.

Nenhum dos partidos têm muito a oferecer à classe trabalhadora e aos oprimidos, já que enfrentamos múltiplas crises que derivam do sistema econômico e social no qual vivemos. Nós trabalhadores e os oprimidos precisamos de um partido próprio, um partido que rompa com a lógica do mal menor e pelo poder dos trabalhadores. Esse partido será construído nas ruas, nos campus universitários e nas salas dos sindicatos. O caminho que temos pela frente é duro, mas temos a obrigação de resgatar a humanidade das garras do capitalismo.

Foto: José Luis Magana / AP


[1] Caucus: nos EUA designa-se por “caucus” o sistema de eleger delegados em dois estados (Iowa e Nevada), na etapa das eleições primárias ou preliminares na qual cada partido decide quem irá ser nomeado, pelo partido, para a presidência, ndt.

[2] Programa de Contra Inteligência- em 1956 o FBI começou o COINTELPRO—redução para Counterintelligence Program—para interromper as atividades do Partido Comunista dos Estados Unidos. Nos anos 1960s, foi ampliado para incluir um número de outros grupos domésticos, como a Ku Klux Klan, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o Partido dos Panteras Negras, ndt.

EUA | Entendendo a investigação do Comitê de 6 de janeiro

O motim “Stop the Steal” (“Pare o Roubo”) no edifício do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 não serviu para romper o controle que Donald Trump tem sobre o Partido Republicano ou sua base. O “Comitê Seleto para Investigar o Ataque ao Capitólio dos Estados Unidos” (o Comitê 6J) se formou contra a oposição dos principais partidários de Trump no Congresso, e apenas dois representantes do GOP (Grand Old Party, ou seja, o Partido Republicano, Ndt.) decidiram participar, Liz Cheney (republicana de Wyoming) e Adam Kinzinger (republicano de Illinois).

Por: John Leslie

A direita utilizou a falta de participação do GOP na comissão como argumento para atacar a legitimidade de qualquer investigação sobre o motim do Capitólio, enquanto que os democratas encenaram a investigação principalmente para respaldar sua estratégia eleitoral da metade do mandato de utilizar o ataque, e o ascenso da extrema direita, para assustar os trabalhadores e os oprimidos para que votem, mais uma vez, no “mal menor”.

O caminho para o 6 de janeiro

No início de sua campanha de reeleição em 2020, Trump começou a colocar em dúvida a segurança das eleições, a legitimidade dos votos por correio, se os “estrangeiros ilegais” votariam e a falar de uma possível fraude eleitoral. Em 19 de julho de 2020, Trump disse a Fox News que “o voto por correio vai fraudar as eleições”. Isso, apesar dos estados usarem o voto pelo correio nas eleições por anos, sem que ocorressem incidentes importantes de fraude eleitoral. À medida que as eleições se aproximavam, as afirmações de Trump sobre eleições fraudadas se tornaram mais estridentes nos comícios e através do Twitter.

Estas declarações se intensificaram após as eleições, e Trump e seus partidários apresentaram 62 demandas em estados e tribunais federais. Trump perdeu cada uma delas, com a exceção de uma decisão da Pensilvânia que afirmava que “os eleitores tinham 3 dias depois das eleições para proporcionar uma identificação adequada e ‘curar’ suas cédulas”. Os partidários de Trump também compuseram listas alternativas de eleitores e apresentaram a ideia de que as legislaturas estatais controladas pelo Partido Republicano poderiam “intervir” e enviar estas listas alternativas para que fossem certificadas em 6 de janeiro pelo vice-presidente Pence. Em última instância, a sessão do Congresso de 6 de janeiro para certificar o resultado das eleições se transformou no ponto chave para a tentativa de Trump de anular as eleições.

As alegações de fraude eleitoral não são novidade. Em 2016, Trump afirmou que Ted Cruz tinha roubado os caucus[1] de Iowa, declarando: “baseando-nos na fraude cometida pelo senador Ted Cruz durante os caucus de Iowa, uma nova eleição deveria ser realizada ou anular os resultados de Cruz”. Mais tarde, Trump colocou em dúvida os resultados dos caucus* de Colorado. Mais tarde, Trump fez declarações sem fundamento sobre a fraude generalizada dos eleitores nas eleições de meio mandato de 2018.

O dia em que a terra parou

Em 6 de janeiro, muitos de nós vimos com assombro um distúrbio transmitido diretamente do edifício do Capitólio dos Estados Unidos. Antes, Trump se dirigiu a um comício de simpatizantes, entre os quais se encontravam os Proud Boys (“os garotos orgulhosos”) e os Oath Keepers (“os guardiões do juramento”) da extrema direita, denunciando Pence por não lhe entregar as eleições e instando seus partidários a marchar para o Capitólio para mostrar sua presença: “Lutamos. Lutamos como o demônio e se não lutais como o demônio, já não tereis um país. Assim que caminhemos pela Avenida Pensilvânia”.

Cerca de 15.000 manifestantes marcharam para o Capitólio, e alguns deles atacaram a polícia do Capitólio, e uma multidão de cerca de 2.000 rompeu a segurança do edifício e entrou. A polícia do Capitólio e os agentes federais evacuaram a Câmara e o Senado. Assegurar o edifício para que os membros do Congresso pudessem voltar levou quatro horas. Mais de 900 pessoas foram acusadas de diversos delitos, inclusive o de sedição. Mais de 400 dos acusados se declararam culpados. Embora muitos dos partidários de Trump no Partido Republicano e no Congresso condenaram sua tentativa de anular as eleições e os distúrbios no Capitólio, a maioria deles se alinhou com Trump e agora repetem a narrativa de eleições fraudadas ou roubadas.

A retórica de Trump no período anterior às eleições e depois, encorajou um setor da extrema direita que assumiu suas alegações como se fossem a verdade. Grupos protofascistas como os Oath Keepers, a milícia dos 3% e os Proud Boys se mobilizaram para o 6 de janeiro e atuaram como uma vanguarda disciplinada neste distúrbio. Nas semanas anteriores à revolta, estes grupos supostamente concordaram sobre a unidade operacional no dia da revolta.  A líder de Oath Keepers, Kelly Meggs, publicou no Facebook em dezembro de 2020 que “esta semana organizei uma aliança entre Oath Keepers, Florida 3%ers e Proud Boys…Decidimos trabalhar juntos e encerrar este [palavrão] …”.

O que o Comitê J6 encontrou?

O Comitê apresentou provas de que Trump buscou a anulação dos resultados das eleições de 2020 apesar de saber que tinha perdido. Trump pressionou pessoalmente os funcionários eleitorais estatais e os legisladores do estado neste esforço. Descobriram que assessores e membros do Congresso participaram desta artimanha, e que Trump tentou usar o Departamento de Justiça no esforço. Durante a campanha pós-eleitoral “Stop the Steal”, Trump arrecadou mais de 250 milhões de dólares em doações de seus partidários para pagar os gastos legais para anular os resultados das eleições presidenciais de 2020, que foram canalizados para o Save America (“Salve a América”) PAC (Comitê de Ação Política, pela sigla em inglês) de Trump e depois distribuídos para grupos políticos pró-Trump.

Em sua última reunião, a Comissão emitiu uma citação para que Trump comparecesse perante o organismo, mas não está nítido se a cumprirá. Na última reunião do Comitê não foram apresentadas novas provas, mas foram repetidas as apresentadas anteriormente mediante uma apresentação em vídeo.

A investigação também revelou que as agências federais, o Serviço Secreto e o FBI, suspeitavam antes dos atos de 6 de janeiro que poderia ter um potencial de violência e que havia ameaças contra figuras políticas concretas, incluindo o vice-presidente Pence. Há dúvidas sobre se as mensagens de texto do Serviço Secreto desse dia foram apagadas.

Isso importa?

Os socialistas entendem que o Estado, inclusive uma “democracia” burguesa, funciona como “um instrumento para a exploração da classe oprimida”, como Lênin escreveu em “Estado e Revolução”. O Estado não é uma entidade neutra que existe para o benefício de todos, mas a expressão do domínio de uma classe sobre outras. A democracia burguesa é uma tela para ocultar a verdadeira natureza do Estado capitalista. Concede direitos aos “cidadãos”, mas reserva o direito de exploração e violência à classe dominante. Lênin escreveu: “Marx captou esplendidamente esta essência da democracia capitalista quando, ao analisar a experiência da Comuna, disse que se permite aos oprimidos, uma vez a cada poucos anos, decidir quais representantes particulares da classe opressora os representarão e reprimirão no parlamento!” (“Estado e revolução”, cap. 5).

Apesar disso, os socialistas entendem que temos que defender as conquistas em matéria de direitos democráticos, arrancadas graças às lutas dos oprimidos e explorados. Entre estes direitos encontra-se o direito ao voto, que atualmente é objeto de um ataque acordado por parte da direita. Isto demonstra que uma ala da classe dominante pode ter perdido a confiança na capacidade da democracia burguesa para defender seus interesses e pode precisar de medidas mais autoritárias para manter seu controle do poder.

Nos estados com assembleias legislativas controladas pelos republicanos e governadores do Partido Republicano, foram aprovadas leis que tiram o poder sobre as eleições das juntas eleitorais ou dos Secretários de Estado eleitos. Os estados aprovaram leis que restringem o direito de voto. Segundo o Centro Brennan, “19 estados promulgaram 33 leis que dificultarão o voto dos estadunidenses”. Os negacionistas das eleições que apoiam Trump se apresentaram às eleições, inclusive as juntas eleitorais e as legislaturas estatais, o que abre as portas para outra possível tentativa posterior às eleições de anulá-las em 2024.

Certamente, os democratas foram defensores ineficazes dos direitos democráticos, inclusive o direito ao voto. Preferem apelar à “decência” dos opositores políticos porque estão vinculados à classe capitalista e uma verdadeira defesa da chamada democracia exigiria uma ruptura com os ricos governantes. Ao usar as audiências do Comitê 6J como um elemento de suporte para sua estratégia a médio prazo, os democratas, mais uma vez, estão levando uma faca para um tiroteio.

Os democratas participaram voluntariamente do regime de encarceramento massivo, na desorganização e violência do COINTELPRO[2] contra os dissidentes, e apoiaram o crescimento do Estado de Segurança Nacional. Embora um punhado de democratas “progressistas” se pronunciaram, o principal impulso das ações reais dos democratas foi reforçar a natureza antidemocrática do sistema. Os “socialistas” e “progressistas” da casa existem principalmente para encurralar os trabalhadores e oprimidos para que votem nos democratas como um “mal menor”. Isto se reflete na ênfase de meio de mandato no direito ao aborto e no ataque ao Capitólio, já que os democratas chamam estas eleições, mais uma vez, “as mais importantes da história”. Os democratas fazem esta afirmação apesar de terem fracassado repetidamente na codificação do direito ao aborto na lei e de sua ineficácia na defesa dos direitos democráticos.

O que o 6 de janeiro revela é a crescente polarização da política burguesa estadunidense. A extrema direita continuou consolidando posições dentro do Partido Republicano, à medida que a retórica direitista da guerra cultural e as questões de discussão dos nacionalistas brancos se tornam a principal corrente dentro do GOP. Enquanto isso, os democratas continuam demonstrando sua incapacidade para oporem-se à marcha da direita.

O 6 de janeiro foi uma ação armada mal planejada e executada em apoio a uma medida legislativa antecipada para negar a certificação do resultado eleitoral. Em qualquer contexto, o motim do Capitólio pode ser considerado uma tentativa de golpe de Estado por parte de Trump. Apenas o fato de que ele não teve um apoio chave no exército e na classe dirigente fez com que este esforço fracassasse. A direita afirma que não foi uma ação armada porque supostamente não levaram armas de fogo ao protesto. Entretanto, a NPR (Rádio Pública Nacional) salienta que 15 manifestantes detidos levavam diversas armas, como tacos de beisebol, mastros, spray de pimenta e extintores. Um manifestante foi acusado de golpear um agente com uma haste metálica.  Em 6 de janeiro, a polícia confiscou uma dúzia de armas de fogo, milhares de cartuchos, uma besta, uma pistola paralisante e 11 coquetéis molotov. No julgamento por conspiração sediciosa contra cinco Oath Keepers, entre eles o líder de Oath Keepers, Stewart Rhodes, foi revelado que o grupo havia armazenado um fornecimento de armas de fogo e munição em um hotel situado do outro lado da fronteira, no estado da Virgínia, para sua rápida distribuição entre os manifestantes.

Os anos de Trump normalizaram a presença de ultradireitistas armados nos protestos. Milicianos armados e outros entraram nos edifícios dos governos estatais durante os protestos contra o bloqueio nas casas dos estados. Desde o 6 de janeiro, os membros da milicia, os Oath Keepers e os Proud Boys continuaram se organizando e construindo, e alguns assistiram aos conselhos escolares como parte dos protestos contra a Teoria Racial Crítica ou em protesto contra os livros que são objeto das tentativas da direita de proibi-los.

O crescimento das formações direitistas armadas é paralelo à crescente influência do nacionalismo branco e do nacionalismo cristão no Partido Republicano. Atualmente, o seguidor de Trump, Michael Flynn, está organizando uma série de comícios “ReAwaken America” (“Desperta America”), que são uma combinação de comícios políticos de extrema direita e ressurgimento de tendas de campanha. Os oradores desses comícios usam a imagem da batalha para descrever as tarefas que têm pela frente. Segundo a Associated Press, “desde inícios do ano passado, a ReAwaken America Tour levou sua mensagem de um país assediado para dezenas de milhares de pessoas em 15 cidades e bairros pobres. O tour serve como espetáculo itinerante e ferramenta de recrutamento para um movimento nacionalista cristão em ascenso que se envolveu em Deus, o patriotismo e a política e cresceu em poder e influência dentro do Partido Republicano”. A direita está se preparando para a guerra civil enquanto a maior parte da chamada esquerda vai atrás dos democratas, mendigando migalhas.

Os democratas estão tentando escandalizar Trump e seus aliados políticos dando ênfase em seus vínculos com a extrema direita e as milícias supremacistas brancas, mas resta saber se as figuras de alto escalão, incluindo Trump, sofrerão algum castigo. Diferente de escândalos presidenciais anteriores, a classe dirigente não cerrou fileiras contra Trump. Trump é tão influente como antes e tem um firme controle de sua base. Nisto difere de Nixon, que renunciou em desgraça e terminou seus anos na obscuridade.

Nenhum dos partidos têm muito a oferecer à classe trabalhadora e aos oprimidos, já que enfrentamos múltiplas crises que derivam do sistema econômico e social no qual vivemos. Nós trabalhadores e os oprimidos precisamos de um partido próprio, um partido que rompa com a lógica do mal menor e pelo poder dos trabalhadores. Esse partido será construído nas ruas, nos campus universitários e nas salas dos sindicatos. O caminho que temos pela frente é duro, mas temos a obrigação de resgatar a humanidade das garras do capitalismo.


[1] Caucus: nos EUA designa-se por “caucus” o sistema de eleger delegados em dois estados (Iowa e Nevada), na etapa das eleições primárias ou preliminares na qual cada partido decide quem irá ser nomeado, pelo partido, para a presidência, ndt.

[2] Programa de Contra Inteligência- em 1956 o FBI começou o COINTELPRO—redução para Counterintelligence Program—para interromper as atividades do Partido Comunista dos Estados Unidos. Nos anos 1960s, foi ampliado para incluir um número de outros grupos domésticos, como a Ku Klux Klan, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o Partido dos Panteras Negras, ndt.

Tradução: Lilian Enck

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