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Sri Lanka| O dia em que os trotskistas paralisaram o país

julho 27, 2022

“A estruturação da direção do LSSP…foi melhor demonstrada durante a Hartal (greve geral) de agosto de 1953. A direção do LSSP…apareceu como uma equipe realmente revolucionária na direção das massas insurgentes, lutando nas ruas simultaneamente por ganhos materiais imediatos para as massas empobrecidas e pela derrubada socialista do regime capitalista”. Ernest Mandel

Por: Ruwan Munasinghe

Na década de 1950, o Lanka Sama Samaja Party (LSSP), o maior e mais bem sucedido partido trotskista do sul da Ásia, foi crescendo sucessivamente enquanto liderava uma ação massiva para parar a ilha. Depois cometeu múltiplos erros políticos e isso esgotou a possibilidade imediata de construir um partido revolucionário da classe operária. Os revolucionários sérios que se esforçam em construir o poder da classe trabalhadora deveriam prestar muita atenção nas lições deste ascenso e queda.

Não é possível entender a história do Sri Lanka sem conhecer a influência do trotskismo e as figuras trotskistas na ilha. O LSSP, talvez o partido mais formidável afiliado à Quarta Internacional que jamais apareceu no sul da Ásia, foi iniciado por um pequeno grupo de militantes de origem social privilegiada, com educação universitária, muitos dos quais estudaram na Grã Bretanha e nas universidades do Sri Lanka.

Apesar das raízes formadoras do partido, o grupo rapidamente se converteu em parte integrante das lutas da classe trabalhadora, inclusive do movimento operário organizado. Além disso (e também criticamente) houve lutas pelo bem estar dos veteranos da Primeira Guerra Mundial, as vítimas da malária, os desnutridos e o movimento para acabar com o apoio aos esforços imperialistas da Grã Bretanha na Segunda Guerra Mundial, junto com a luta pela independência da Grã Bretanha.

De fato, o LSSP foi um dos primeiros grupos a pedir a independência do Sri Lanka e desempenhou um papel de destaque na luta [1]. Esta é uma das razões pela qual, diferente da Índia, as forças capitalistas não apoiaram completamente o fim da colonização.

No início da década de 1950, o país havia conquistado a independência do Império Britânico, e estava experimentando grandes ganhos comerciais (particularmente na exportação de borracha) como resultado da Guerra da Coreia. O LSSP naquele momento demonstrou ser bastante hábil para mobilizar dezenas de milhares de trabalhadores e pobres rurais e se tornou um partido político formal e participava como a seção do Sri Lanka da Quarta Internacional.

Alguns líderes do LSSP que se exilaram na Índia durante o domínio britânico puderam retornar. Os que retornaram foram recebidos por 12.000 entusiasmados simpatizantes. O LSSP decidiu capitalizar esta situação e iniciou uma das maiores greves do século dirigida por trotskistas.

A Hartal

Com o impulso da demanda de matérias primas durante a Guerra da Coreia, o Sri Lanka experimentou um auge das exportações, o que permitiu ao governante Partido Nacional Unido (UNP) manter um subsídio para o arroz. Em 1953, o UNP decidiu cortar o subsídio ao arroz, e o preço deste alimento básico subiu quase 300%. Este foi o maior impulso para a Hartal (ação de greve).

Apesar de certa crença de que o subsídio ao arroz foi acordado simplesmente por altruísmo e que o corte do subsídio se deveu simplesmente a conflitos econômicos, isto não é totalmente verdadeiro. O Sri Lanka sempre teve uma inclinação esquerdista. A primeira constituição do Sri Lanka anunciou o país como uma “República Socialista Democrática” (que continua sendo o título do país)[2]. Um subsídio ao arroz, junto com outros diversos benefícios sociais, era, e é, o mínimo que o país podia fazer para estar à altura de seu autoproclamado “socialismo”. Além disso, o corte não foi devido a uma forte recessão econômica. O Sri Lanka não estava realmente em uma crise econômica completa; no entanto estava ganhando bastante riqueza com a exportação de matérias primas (por exemplo, à China pós revolucionária).

O verdadeiro motivo do corte foi político e econômico. Buscando novos sócios comerciais quando a Guerra da Coreia estava chegando ao seu fim, o Sri Lanka evitou a pressão dos Estados Unidos e assinou um importante acordo comercial com a China. Isto provocou a fundo as forças reacionárias anticomunistas em Washington.

Posteriormente, os EUA lançaram uma campanha de sabotagem econômica, que incluía táticas como a interferência do transporte transoceânico de matérias primas.

Além disso, o Banco Internacional para a Reconstrução e o Fomento (com sede em Washington D.C.) publicou um relatório sobre a situação econômico da nação. O relatório defendia o que chamou de “políticas econômicas sólidas” e “gestão hábil do orçamento do governo”. Em simples palavras, o relatório pedia para cortar o dinheiro para satisfazer as necessidades básicas dos pobres e da classe trabalhadora. Esta situação pressagiava a crise do Banco Mundial e do FMI na história mais contemporânea: a exportação das ideologias neoliberais e fundamentalistas do “consenso de Washington”, com consequências de austeridade nos povos do Terceiro Mundo.

Como o historiador E.F.C. Ludowyk escreve: “Foi precisamente esta ‘política sensata’ a que precipitou a crise de 1953, quando, seguindo o conselho do Banco Central, o Primeiro Ministro decidiu reduzir o subsídio ao arroz importado e assim aumentar o preço do arroz racionado”. Além da redução dos subsídios ao arroz, o governo interrompeu igualmente os serviços de almoço gratuito nas escolas, elevaram as tarifas postais e subiram os preços das roupas e dos cigarros baratos. O LSSP liderou a oposição a esta política e convocou uma paralisação nacional.

O período anterior à Hartal foi prodigioso da natureza da próxima ação. Em um lapso de apenas duas semanas, alguns quadros do LSSP coletaram 70.000 assinaturas em uma petição de protesto pelas medidas de austeridade do governo. Em 21 de julho, no dia seguinte à entrada em vigor do aumento do preço do arroz, uma ação espontânea dos camponeses de um povoado de Balapitiya bloqueou o tráfego com êxito.  Este protesto se estendeu a outros povoados e o proletariado urbano durante aquela semana. Nas semanas seguintes, os trabalhadores de base pressionaram seus chefes e líderes sindicais a tomarem decisões sobre a greve.

O Partido Comunista estalinista não respondeu adequadamente ao chamado à ação, mas finalmente apoiou a Hartal. O Partido da Liberdade de Sri Lanka (SLFP), de centro esquerda, também a apoiou, mas só depois da ação explodir. O apoio do SLFP provavelmente se deveu mais à oposição ao governante Partido Unido (UNP) do que a preocupação pelos trabalhadores e camponeses. O LSSP trotskista desempenhou um papel fundamental na organização da aliança operário camponesa que se veria em 12 de agosto[3].

Por sua vez, militares, polícias, a imprensa e o próprio governo da UNP iniciaram distintas ações. Os trabalhadores do governo foram intimidados e ameaçados para impedi-los de participar na próxima ação. As forças de repressão mostraram publicamente sua força. A Polícia entrou em confronto com estudantes perto da Universidade de Peradeniya, em 11 de agosto. A imprensa começou a publicar propaganda contra a Hartal e permaneceu firmemente contra durante todo o processo.

A manhã de 12 de agosto de 1953 foi assombrosa. Vale a pena citar extensamente Colvin R. de Silva:

“A manhã do dia 12 amanheceu em Colombo com os dirigentes do LSSP do lado de fora das portas dos mais importantes centros de trabalho governamentais e privados. Os portos pararam; as Oficinas Ferroviárias de Ratmalana se declararam em greve; os bondes foram paralisados; a fábrica de PWD em Kolonnawa também; as Oficinas de Carpintaria DI aderiram, o mesmo fizeram as fábricas de fiação e tecelagens de Wellawatte, a oficina de Walker, os trabalhadores da indústria de fósforos e os caminhoneiros. Juntaram-se uma grande quantidade de locais de trabalho menores que se declararam em greve. Foi como uma grande onda expansiva de ação grevista”.

Apesar de sua extensão, a lista enumerada por De Silva nem sequer se aproxima da lista completa de grupos participantes na Hartal: tal lista seria muito longa para este artigo! As ruas e os locais de trabalho ficaram vazios. Inclusive os trabalhadores que não planejavam entrar em greve, não puderam chegar aos seus locais de trabalho ou simplesmente não apareceram. Todo o transporte público parou quase por completo. As comunicações paralisaram. Na Prefeitura de Colombo, ocupada por sacerdotes budistas em jejum, ondeava uma bandeira negra de protesto. As táticas iam desde protestos não violentos até a sabotagem direta organizada da propriedade da classe capitalista. A ilha estava paralisada[4].

O governo do UNP, espantado pela imensidão da Hartal, viu-se obrigado a se reunir em um edifício no porto de Colombo. Decidiu colocar o país em “estado de emergência”. Após esta decisão, em 13 de agosto, o governo buscou esmagar o povo, como sempre, com o punho forte. A Polícia teve um papel importante nisto: houve mandados de busca em locais que abrigavam literatura trotskista, mandados de busca em moradias, tiroteios policiais, espancamentos e detenções em massa. O governo usou todas as táticas ao seu alcance para tentar silenciar o LSSP. Eventualmente, o “estado de emergência” começou a prejudicar a imprensa e a própria classe empresarial. O grande suborno do governo foi um fracasso.

Os anos posteriores para o LSSP

Nos anos seguintes à Hartal, o LSSP fracassou em questionar a campanha do SLFP ao apresentar Sirimavo Bandaranayke para primeiro ministro que ganhou com o slogan racista de “idioma cingalês somente”. Isto distanciou os tâmeis do LSSP. O partido que historicamente pediu o status de paridade para os idiomas cingalês e tâmil, e tinha um histórico de organização de trabalhadores tâmeis, perdeu um bloco importante de seus seguidores.

Na década de 1960, o LSSP entrou em uma coalizão governamental plena com o SLFP; ou seja, o grande partido trotskista de Sri Lanka decidiu governar o país em aliança com um partido capitalista de centro. Se a capitulação anterior ante o SLFP tinha separado os tâmeis do LSSP, esta decisão separou o resto dos revolucionários sérios. Muita gente saiu do LSSP e procurou criar seus próprios partidos revolucionários; outros foram para o sindicalismo. Nadaeajah Janagan escreve, “com a entrada do LSSP, em 1964, em um governo de coalizão com o Partido da Liberdade do Sri Lanka, a história do movimento de esquerda do país se converteu em uma história de oportunismo”.

O LSSP foi imediatamente expulso da Quarta Internacional trotskista. O movimento de esquerda em Sri Lanka (talvez o mais militante e sem dúvida o mais formidável politicamente na região do sul da Ásia) havia sido ferido irreparavelmente.

O fato de que o partido não cumpriu com sua postura sobre a autodeterminação tâmil como com sua oposição à colaboração de classes e, ao invés disso, capitulou às forças do nacionalismo cingalês/budista e à política capitalista, foram erros que demonstraram ser prejudiciais para o país em seu conjunto. A ilha mergulhou em uma brutal guerra civil pela criação de um estado tâmil na região norte. A Guerra Civil de Sri Lanka durou desde 1983 até 2009. Quase tão destrutivo foi o lento movimento para as políticas econômicas neoliberais, especialmente sob a presidência de Rajapaksa.

A grande Hartal de 12 de agosto de 1953 merece não ser esquecida neste 65º.aniversário. A força das classes operárias e camponesas ficou demonstrada pela sua capacidade para controlar o país naquele dia e literalmente enviar o governo ao mar.

Notas:

[1]  “O imperialismo britânico se desestabilizou no Sri Lanka devido às lutas travadas pelo LSSP durante o período de guerra. As greves realizadas pela classe trabalhadora urbana por um lado, e no setor das plantações na Província Central por outro, se estenderam até a Badulla [Conferência]”, escreve Nadarajah Janagan.

[2]  A constituição propõe “realizar os objetivos de uma democracia socialista, inclusive os direitos e privilégios fundamentais de todas as pessoas e que se converterá na lei fundamental de Sri Lanka, derivando seus poderes unicamente do povo”

[3]  Colvin R. de Silva escreve sobre os motivos do LSSP para essa frente única: “Este chamado foi feito, entretanto, também como continuação do chamado do LSSP para uma frente única no âmbito do acordo alcançado; ou seja, na tarefa interna de criar uma frente ampla de todas as forças antiUNP e anti-imperialistas em Sri Lanka, com uma classe operária unida como núcleo e como direção, com o objetivo de estabelecer um governo sob a direção da classe operária”.

[4] A principal deficiência da Hartal foi o fato de que nem todos os trabalhadores das plantações pararam de trabalhar.

Tradução para o espanhol: Marcelo Korman

Tradução espanhol/ o português: Lílian Enck

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