Antivacinas: entre as fantasias reacionárias e a desconfiança no capitalismo
Neste momento, no contexto da persistência da pandemia da Covid-19, manifesta-se uma profunda contradição no mundo. Por um lado, a metade da população mundial não foi vacinada e os maiores números ocorrem nos países mais pobres, onde novas cepas se originam e depois se espalham para o resto do mundo[1]. Por outro, nos países onde sobram vacinas, há movimentos muito ativos contra a vacinação obrigatória, especialmente nos EUA e Europa, que inclusive promovem mobilizações, algumas das quais são reprimidas pelos governos. O que origina estes movimentos? Como devemos agir frente a eles e frente à repressão?
Por: LIT-QI
O debate tornou-se mais intenso já que, por um lado, porque a forte onda atual gerada pela variante Ômicron também contagiou pessoas completamente vacinadas e por outro, pela repercussão que teve o recente caso do famoso tenista sérvio Novak Djokovic que se negou publicamente a ser vacinado e, por isso, foi impedido de disputar o torneio Aberto da Austrália, e foi expulso do país depois de uma decisão dos tribunais australianos [2].
Os negacionistas de direita
O que leva essas pessoas de diferentes classes sociais a ter esta postura, mais de 200 anos depois do surgimento do moderno conceito científico de vacina e de sua incorporação ao combate de diversas doenças? Nossa análise é que, embora acabem em uma atitude semelhante, confluem raciocínios e enfoques diferentes. Vejamos alguns deles.
O primeiro é um setor que sempre negou a existência da pandemia (os “negacionistas”). Como marco mais geral, considera que a ciência é uma conspiração de grupos secretos para dominar o mundo. Um exemplo extremo deste setor é a organização Q-Anon que ficou famosa durante o assalto ao Congresso dos EUA, em 6 de janeiro de 2021.
Para este setor, a pandemia da Covid-19 foi uma grande invenção da mídia para avançar nesse objetivo. Por exemplo, o recentemente falecido (possivelmente pelo coronavírus) “filósofo” brasileiro de extrema direita Olavo de Carvalho (ideólogo do governo de Jair Bolsonaro) declarou, em maio de 2020, que :“O medo de um suposto vírus mortífero não passa de uma estória de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel” [3].
Uma variação deste negacionismo anticientífico apela para enfoques religiosos. Por exemplo, toda uma série de igrejas evangélicas neopentecostais, com forte presença nos EUA e Brasil. Por exemplo, o pastor estadunidense Ralph Drollinger (muito próximo a Donald Trump), declarou, em 2020, que “Deus enviou o vírus à humanidade porque está bravo com a homossexualidade e o pecado”. No Brasil, o pastor Silas Malafaia (muito próximo a Bolsonaro) expressou opiniões semelhantes. A conclusão é que as pessoas não deviam ser vacinadas e “aceitar o castigo divino” [4].
É evidente que nenhum debate sério pode ser feito com aqueles que promovem esses enfoques, porque seus argumentos são completamente reacionários e retrógrados. Entretanto, devemos estar cientes de que, nesta e em outras questões, influenciam faixas da classe operária e do povo que seguem suas orientações (por exemplo, nas congregações neopentecostais) e de que é necessário “explicar pacientemente” para combater essa influência negativa.
“Direito democrático” de não ser vacinado?
Outras pessoas não negam a pandemia e, inclusive, apoiam uma campanha de vacinação massiva e gratuita a cargo do Estado. Mas são contra que seja obrigatória e defendem que negar-se a tomar a vacina é um direito individual. Por exemplo, nos EUA, a semana do aniversario do assassinato do líder negro pelos direitos civis Martin Luther King, centenas de pessoas fizeram passeata, em Washington, em direção ao local onde ele pronunciou seu famoso discurso“ Eu tenho um sonho” com a consigna de que não ser vacinado era um direito de “liberdade médica”[5].
Para dialogar com este argumento, é necessário abordar um ponto muito profundo: a vacinação obrigatória entra no campo da saúde pública, ou seja, dos interesses e necessidades do coletivo social. Estas necessidades são superiores à liberdade de escolha individual e se impõem a ela se entrar em contradição. Porque se um trabalhador se nega a ser vacinado, essa é uma decisão que não apenas afeta a ele, mas também aos seus companheiros de trabalho, àqueles que compartilham com ele o transporte público, à sua família, aos seus amigos e aos seus vizinhos, porque é uma fonte potencial de transmissão e contágio.
Salvando as diferenças, o argumento do “direito individual” aplicado à vacinação contra a Covid-19, é muito semelhante ao usado pelo reacionário e negacionista presidente do Brasil, Jair Bolsonaro: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar a vacina…Se alguém não quer ser tratado, que não seja…[se não quero ser vacinado] o problema é meu”[6].
Por trás destas posturas se esconde o problema de fundo: o verdadeiro direito que não está garantido para o conjunto dos trabalhadores e povos do mundo, é o acesso à vacinação completa, ao conjunto das medidas de prevenção, a priorizar a saúde sobre os lucros dos capitalistas, a uma saúde pública de qualidade, o direito de não sermos vítimas de um verdadeiro genocídio capitalista com milhões de mortos em todo o mundo como vem acontecendo.
A desconfiança no capitalismo
Algumas faixas da classe trabalhadora e do povo expressam uma desconfiança muito justificada (e inclusive ódio) em relação ao capitalismo, mas que os leva a ver apenas uma parte da realidade. É totalmente verdadeiro que os governos e os capitalistas usaram a necessidade do combate à pandemia para avançar nas medidas repressivas e no controle policial da sociedade. Também é verdadeiro que os grandes conglomerados farmacêuticos e médicos ganharam fortunas com as vacinas e a venda dos meios técnicos necessários para atender os contagiados, e que essas vacinas e medicamentos contra a Covid-19 se encontram ainda em uma fase de aperfeiçoamento. Finalmente, também é verdadeiro que a burguesia usou a desculpa da pandemia para descarregar o custo da crise econômica sobre as costas dos trabalhadores e, mais ainda, para atacar o salário e os direitos trabalhistas.
Algumas correntes de esquerda elevaram estes elementos ao nível de uma análise política global da realidade mundial. Desde o início da pandemia, sustentam que a magnitude da pandemia do coronavírus e seu impacto foram intencionalmente exagerados e “inflados” pela mídia a serviço do que caracterizaram como “a contrarrevolução covid”, que foi lançada em todas as frentes pelo capitalismo imperialista, as burguesias nacionais e seus governos[7]. A partir daí, aquelas organizações que, como a LIT-QI, considera que a pandemia significa um gravíssimo problema para a humanidade e a classe trabalhadora e levanta um programa de combate ao capitalismo que tem, como um de seus eixos, a luta por um verdadeiro combate contra ela, somos considerados capituladores (ou cúmplices) frente a esta ofensiva contrarrevolucionária.
Os processos que enunciamos até aqui são totalmente verdadeiros. Mas eles não negam a existência da pandemia como fato objetivo e o impacto profundamente negativo que teve na saúde e no nível de vida dos trabalhadores e do povo, que agrava ao extremo sua já dura vida cotidiana. Por isso, é imprescindível combatê-la. Trata-se de avançar seriamente neste combate, através da vacinação massiva e gratuita, a reconstrução e o fortalecimento dos deteriorados sistemas de saúde pública, e outras medidas que propusemos em inúmeros artigos. Para nós, a luta contra a pandemia deve ser parte de um combate ao capitalismo que a gerou e a deixou crescer, e agora usa a necessidade da vacinação ou de cuidados sociais e restrições de forma reacionária.
Aqueles que negam a pandemia parecem se colocar por fora dos sofrimentos que a mesma ocasiona em nossa classe. Ao mesmo tempo, negam o fato de que o capitalismo e seus governos começaram a promover (já desde junho de 2020) a criminosa política da “nova normalidade” e agora semeiam a ilusão de que logo acabará, transformando-se em uma “gripezinha”. O governo da Dinamarca, um pequeno país imperialista europeu já “decretou” que, a partir da semana, se definirá “o fim da situação da pandemia no país”[8]. Ou seja, caminhamos na dinâmica de que os governos eliminem todas as restrições a serviço de “normalizar” os níveis habituais de exploração e lucros[9]. Por que os capitalistas estariam apressados em declarar “o fim da pandemia” se ter exagerado (ou inventado) lhes trouxe tantas vantagens?
Ao mesmo tempo, a burguesia e seus governos aproveitam a existência deste setor antivacinas, minoritário, porém de peso, em especial nos países imperialistas, com fins políticos reacionários. Por um lado, lhes serve para esconder os dois fatores centrais da persistência da pandemia (a desigualdade da vacinação a nível mundial, o que origina o surgimento de novas cepas, e a criminosa política da nova normalidade) e jogar o peso da responsabilidade nos movimentos antivacinas. Por exemplo, o presidente estadunidense Joe Biden, lançou em dezembro passado algumas medidas para combater esta nova onda e em sua apresentação enfatizou a responsabilidade dos “não vacinados” e nos movimentos antivacina[10]. Por outro, o utilizam para justificar medidas repressivas e de controle policial da sociedade e, mais profundamente, para atacar a unidade e as conquistas dos trabalhadores, como o governo de Macron tentou fazer na França no ano passado.
Vimos que o movimento antivacina se mantém forte em vários países “ricos”. Em alguns deles, como na Alemanha, são a causa do índice de vacinação estar estancado em um pouco abaixo de 70% há vários meses[11] Nesse marco geral, é interessante ver algumas questões específicas. Alguns ativistas antivacina que se contagiaram com a Covid declararam estar arrependidos dessa posição. É o caso de Lorenzo Damiani, um dos líderes do movimento No Vax na Itália. Do hospital onde foi atendido, declarou: “Claramente minha visão mudou. Estou pronto para dizer ao mundo que é importante seguir coletivamente a ciência, a que te cura e te salva«[12]. Outros tomaram uma atitude suicida. Foi o caso da cantora checa Hana Horká, que se contagiou de propósito (para gerar anticorpos sem se vacinar) e acabou morrendo em sua casa [13].
As vacinas: uma ferramenta da ciência contra as doenças
Entretanto, a maioria permanece em sua posição. Agora incorporaram o argumento que, dado que pessoas vacinadas também se contagiaram com a cepa Ômicron, isto demonstra que as vacinas não servem porque “não imunizam”. Isto nos obriga a nos determos um pouco sobre o que são as vacinas e porque representam uma ferramenta imprescindível contra determinadas doenças (as de origem bacteriana ou viral).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que: “uma vacina é qualquer preparação destinada a gerar imunidade contra uma doença estimulando a produção de anticorpos”. Existem diversos procedimentos para produzir vacinas e o método mais habitual para aplicá-las é a injeção, embora algumas sejam administradas com um vaporizador nasal ou por via oral[14].
A era das vacinas modernas foi iniciada pelo médico britânico Edward Jenner em 1796, ao inocular fluido das pústulas de varíola bovina em pessoas e comprovar que não eram contagiadas nem tinham sintomas do perigosíssimo vírus da varíola humana, produtor de numerosas epidemias mortais na história. Algumas décadas depois, o médico e biólogo francês Louis Pasteur desenvolveu uma segunda geração de vacinas (entre outras, contra cólera e raiva), e introduziu o termo “vacina” em homenagem aos experimentos de Jenner.
Desde então até hoje, foram desenvolvidas numerosas vacinas (contra doenças “antigas” ou “novas”) que permitem prevenir dezenas de infecções diferentes. Por exemplo, em 1980, foi declarado extinto o contágio de varíola por causas naturais; estima-se que a imunidade contra o sarampo salvou 23 milhões de vidas entre 2000 e 2018, especialmente crianças. Cabe agregar também o caso da poliomielite (ou paralisia infantil), com epidemias agudas nos séculos XIX e XX, que deixavam graves sequelas nas crianças que a contraíam. Graças às campanhas com a vacina desenvolvida pelo virologista polaco Albert Sabin, o impacto da doença foi primeiro reduzido, e esta foi considerada erradicada em 2019. Há décadas, se espera a vacina contra o vírus HIV (SIDA) que, em 2021 entrou em sua fase de experimentação reduzida em seres humanos[15].
Vejamos agora o argumento de que as atuais vacinas contra a Covid-19 não servem porque “não imunizam”. Em primeiro lugar, é necessário entender que sempre se considerou o desenvolvimento completo de uma vacina, desde seu início em laboratório até ser considerada eficaz e segura para sua aplicação em massa, requeria não menos de 10 anos [16]. Inclusive mesmo quando uma vacina já tenha sido autorizada, pode ser aperfeiçoada ou superada por outra. Por exemplo, antes da vacina desenvolvida por Sabin, a vacina Salk era utilizada, com bons resultados, porém de menor eficácia.
As vacinas contra a Covid-19 foram desenvolvidas em um prazo muito menor: menos de um ano. Isto significa que comprimiram e sobrepuseram etapas e que parte importante da comprovação sobre seus níveis de eficácia foram feitos depois de sua liberação[17].
É evidente que a rápida liberação e a aplicação em massa das vacinas era algo que uma ampla maioria dos trabalhadores e do povo desejava. Porém essa “pressa” em desenvolver estas vacinas foi, na realidade, resultado de uma demora de anos, responsabilidade do capitalismo. Porque uma vacina contra a Covid já poderia existir há anos dado que em 2002-2003 um forte surto se desenvolveu, focalizado na Ásia, gerado por um vírus semelhante. Mas os grandes conglomerados farmacêuticos privados não a desenvolveram porque, nessa época, não representava um lucro significativo para eles, apesar de muitos especialistas alertarem sobre o risco de uma pandemia global.
Um balanço objetivo sobre o resultado da vacinação
Por outro lado, a “corrida pela vacina” foi feita sem um plano de desenvolvimento cooperativo e centralizado internacionalmente, mas em uma brutal concorrência entre os grandes laboratórios privados e salvaguardando seus lucros através do “direito de patente”. O alto preço das vacinas deu lugar a uma profunda desigualdade nos níveis de vacinação no mundo. Em vários países com porcentagens muito baixas de vacinação surgiram novas cepas que se espalharam pelo mundo: algo que, somado à política da “nova normalidade”, gerou ondas recorrentes e, ao mesmo tempo, mostrou debilidades das vacinas existentes.
Com essa consideração, em função deste debate, é necessário fazer um balanço objetivo dos resultados da vacinação no combate contra a Covid-19. Um balanço que não pode ser feito baseado em considerações parciais, mas com base em “grandes números” e análise profunda dos dados. Eles indicam, em primeiro lugar, que as novas variantes foram originadas em países com menores níveis de vacinação, precários sistemas de saúde pública e condições sanitárias precárias para setores importantes da população (Delta na Índia, Ômicron na África do Sul).
Em segundo lugar, que as pessoas completamente vacinadas, embora se contagiassem, tendiam a ser assintomáticos ou a desenvolver sintomas leves, enquanto que os não vacinados apresentavam riscos muito maiores. Isto já havia se evidenciado na onda gerada pela Delta, nos EUA, no ano passado. Uma nota do New York Times informava: “Muitos dos pacientes com COVID-19 que agora chegam ao hospital, não só não estão vacinados, mas têm muito menos de 50 anos, uma clara diferença com relação aos pacientes frágeis e mais velhos que se contagiaram quando a pandemia surgiu pela primeira vez no ano passado. Os médicos dizem que os pacientes não vacinados entre 20 e 30 anos adoecem mais seriamente e com maior rapidez” [18]. Agora volta a manifestar-se nesta fortíssima onda Ômicron. Por exemplo, na Argentina, a subsecretária da Saúde da província de Buenos Aires, Alexia Navarro, baseada nos estudos dos casos daquele território, expressou que “as pessoas não vacinadas tem 36 vezes mais risco de estarem em terapia intensiva” [19]
Um debate final sobre a ciência
Queremos terminar esta parte do artigo com uma consideração. Para os marxistas, o desenvolvimento da ciência, seus avanços e descobrimentos representam um processo progressivo porque sua aplicação pode ajudar a satisfazer necessidades e melhorar a vida da Humanidade. Nossos mestres (Marx, Engels, Lenin e Trotsky) sempre estudaram e reivindicaram os avanços científicos de sua época e com isso enriqueceram o marxismo. Não é casual que, desde Marx, nos reivindiquemos como “socialistas científicos”.
Nesse marco, o capitalismo, em especial em sua época imperialista, aprisiona e deforma o desenvolvimento científico e o condiciona ao seu afã de aumentar seus lucros. Porque os avanços científicos deixam de ser um patrimônio a serviço de satisfazer as necessidades da humanidade e passam a ser exclusivamente uma mercadoria para obter lucro. Por isso, não promoveu o desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus em 2002-2003, e quando o fez, em 2020, a transformou em um grande negócio para os conglomerados farmacêuticos. Haveria muitos outros exemplos em diversos campos de aplicação, como o da telemática.
Ou seja, a ciência é uma ferramenta que pode ser utilizada de diversas formas, e que no capitalismo imperialista muitas vezes acabam sendo nocivas e destrutivas para a Humanidade. Os setores antivacinas “de esquerda” caem em um grave erro de enfoque: centralizam o combate contra o capitalismo em uma luta contra a ferramenta válida (a vacina) e não contra o uso que o sistema capitalista faz dessa ferramenta. Salvas as profundas diferenças, nos lembram dos ludistas, um dos primeiros movimentos de um setor da classe operária (os artesãos) que, em inícios do século XIX, na Inglaterra promoviam a destruição dos teares industriais das novas fábricas que começavam a serem difundidas.
Obrigatoriedade, “passe sanitário” e mobilizações antivacina
Em numerosos artigos afirmamos que o capitalismo imperialista, as burguesias nacionais e seus governos são os responsáveis pelo surgimento, a expansão e a persistência da pandemia. Defendemos a necessidade da vacinação massiva, gratuita e obrigatória e, em função disto, a quebra do direito de patente, assim como o fortalecimento dos sistemas de saúde pública, como medidas muito importantes (não as únicas) para um verdadeiro combate contra ela. Em primeiro lugar, exigimos a “obrigatoriedade” dos governos capitalistas que não a cumprem, ou seja, que não garantem o acesso do conjunto da população mundial ao esquema completo de vacinação e reforços. Ao mesmo tempo, como já dissemos, nos pronunciamos pela vacinação obrigatória rechaçando os argumentos falsos das liberdades individuais sobre as do conjunto. Mais recentemente, denunciamos e chamamos a combater a política e as medidas que integram o “fim da pandemia” [20]. Nesse marco, consideramos que os movimentos antivacina, considerados em seu conjunto, são negativos porque vão contra uma necessidade imperiosa dos trabalhadores e dos povos do mundo, em especial dos países mais pobres.
Nesse contexto, se realmente houvesse um combate global contra a pandemia, estaríamos a favor de controles sanitários, que não apenas deveria contemplar a vacinação, mas também o conjunto de medidas sanitárias que os governos deveriam garantir de forma gratuita como os testes massivos e permanentes. Por outro lado, em vários países já existem documentos que podem ser considerados equivalentes. Por exemplo, na Argentina e no Brasil, a vacinação contra determinadas doenças (em especial as chamadas “infantis”) é obrigatória, deve ser garantida gratuitamente pelo Estado, e as crianças não podem ser matriculadas nas escolas se suas famílias não apresentarem a “carteira de vacinação”. Também é obrigatória a aplicação da vacina antitetânica quando se é atendido em um centro médico devido a um acidente ou com ferimentos por corte.
Mas este “passe sanitário” que os diversos governos burgueses começam a aplicar é, por um lado, profundamente hipócrita já que, ao mesmo tempo em que encorajou o funcionamento “normal” das concentrações nos centros de trabalho, aceitou que os trabalhadores viajassem em transportes públicos lotados e voltassem a trabalhar sem atestado médico depois de contagiados ou com possibilidades de estar; aplica em eventos esportivos, locais de lazer ou viagens de maior distância. Ou seja, é um “passe” que não garante a propagação da pandemia enquanto medida isolada (por exemplo, na Itália o “passe base” nem sequer exige a vacina, só testagem, ou na Argentina onde na realidade não é requerido em nenhum lugar, etc), que é utilizado para esconder a falta de aplicação de medidas de conjunto e colocar a responsabilidade do futuro da pandemia sobre o conjunto dos trabalhadores e do povo, escondendo os verdadeiros responsáveis. Por outro, se pretende usá-lo de modo reacionário para dividir a classe operária e atacar suas conquistas.
Nesse contexto, devemos analisar as mobilizações (algumas de certa importância) que aconteceram em vários países europeus contra o “passe sanitário” e o critério da obrigatoriedade da vacinação. Várias delas foram reprimidas pelos governos[21]. Frente a estas mobilizações está colocada a pergunta sobre o que são. Trata-se de mobilizações de setores retrógrados e reacionários e, portanto, devem ser repudiadas? Ou, pelo contrário, são mobilizações que expressam o justo cansaço de faixas da classe trabalhadora e do povo com o capitalismo e seus governos e, nesse marco, expressam a confusão sobre a pandemia e a vacinação à qual nos referimos? No conjunto, estas mobilizações tem um caráter reacionário, capitalizadas por setores de direita, razão pela qual as rechaçamos. Isto não nega que em alguns casos ambos os tipos de ação ocorram de modo simultâneo, e inclusive, às vezes, combinando características em uma mesma mobilização.
Na Bélgica, as manifestações foram convocadas pela extrema direita. Por isso, a organização da LIT-QI no país não chamou a participar delas. Um caráter semelhante teriam as mobilizações da Holanda e Dinamarca. Pelo contrário, os camaradas simpatizantes da LIT-QI na França consideraram que o processo que se deu no país em julho e agosto de 2021, por sua composição social, sua localização geográfica e a raiva crescente do governo Macron, lembravam o dos “coletes amarelos” de janeiro de 2019[22]. Na Itália, ocorreram mobilizações de caráter contraditório. Várias delas foram organizadas diretamente pelos fascistas da Força Nova, com consignas deste setor. Uma delas terminou com o ataque à central sindical CGIL. É evidente que mobilizações deste tipo não podem ser apoiadas nem “disputadas” e devem ser repudiadas. Outras manifestações contra o passe sanitário tiveram outro conteúdo, como a dos operários portuários de Livorno e algumas greves específicas, contra as tentativas de dividir os trabalhadores. Nestas últimas, temos a obrigação de intervir e apoiá-las.
É importante entender que a extrema direita mais reacionária consegue se inserir em setores da classe operária e do povo na medida em que a maioria da esquerda não intervém na realidade da pandemia com uma política revolucionária de luta contra a pandemia, no marco de um combate ao capitalismo e seus governos em todos os aspectos. Aqui está uma tarefa urgente que nós revolucionários devemos encarar para encontrar uma saída à crise da pandemia capitalista.
[1] Ver https://litci.org/pt/omicron-onda-final-ou-pandemia-eterna/
[2] https://www.dw.com/es/novak-djokovic-llega-a-belgrado-tras-ser-expulsado-de-australia/a-60448427
[3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60124170
[4] https://www.dw.com/es/evang%C3%A9licos-en-la-pandemia-del-coronavirus-prefieren-su-religi%C3%B3n-a-la-vacunaci%C3%B3n/a-57279612
[5] https://www.abc.com.py/internacionales/2022/01/23/los-antivacunas-de-eeuu-emulan-a-luther-king-para-reclamar-libertad-medica/
[6] https://br.investing.com/news/stock-market-news/bolsonaro-diz-que-ninguem-pode-obrigar-vacinacao-e-chama-de-imbecil-quem-o-considera-mau-exemplo-814278.
[7] Ver, por ejemplo: https://www.thecommunists.net/home/espa%C3%B1ol/la-contrarrevoluci%C3%B3n-del-covid-19-qu%C3%A9-es-y-c%C3%B3mo-combatirla/
[8] https://www.clarin.com/internacional/covid-pais-elimina-todas-restricciones-convierte-primero-decretar-fin-pandemia_0_yulanTaMyo.html
[9] Ver artigo da nota 1
[10] Ver https://www.vozdeamerica.com/a/biden-anunciara-nuevas-medidas-para-combatir-la-pandemia/6363333.html
[11] https://www.dw.com/es/covid-19-en-alemania-incidencia-r%C3%A9cord-y-vacunaci%C3%B3n-estancada/a-59763271
[12] https://www.elperiodico.com/es/internacional/20211201/lider-antivacunas-italia-arrepentido-ingresado-12930104
[13] https://cnnespanol.cnn.com/2022/01/20/hana-horka-cantante-antivacunas-muerte-covid-trax/
[14] https://www.iberdrola.com/compromiso-social/historia-de-las-vacunas
[15] https://www.huesped.org.ar/noticias/vacuna-contra-covid-personas-con-vih/?gclid=Cj0KCQiAosmPBhCPARIsAHOen-MZCILbptrRInHi_GDqEybXIAZz-7VHjc3xjsiOKjnuh86axboYLjoaAr8yEALw_wcB
[16] https://www.historyofvaccines.org/es/contenido/articulos/desarrollo-pruebas-y-reglamentos-para-las-vacunas
[17] https://litci.org/pt/a-corrida-pela-vacina-contra-a-covid-19/
[18] https://www.nytimes.com/es/2021/08/04/espanol/variante-delta-contagio-jovenes.html
[19] https://www.cronica.com.ar/sociedad/Coronavirus-las-personas-no-vacunadas-tienen-36-veces-mas-riego-de-entrar-en-terapia-intensiva-20220121-0030.html
[20] Ver artigo da nota 1.
[21] Ver, por ejemplo: https://www.lavanguardia.com/internacional/20211122/7878426/protestas-la-haya-bruselas-restricciones.html
[22] Ver https://litci.org/pt/64908-2/
Tradução: Lilian Enck