sáb jul 27, 2024
sábado, julho 27, 2024

A “consulta cidadã” no México: uma farsa para prolongar a impunidade

Os resultados da consulta cidadã de 1° de agosto passado, que alguns chamaram de “popular”, confirmam plenamente o que denunciamos antes de sua realização. López Obrador montou uma farsa, por um lado para cumprir o pacto de impunidade, em particular com o PRI e em geral, com o velho e podre regime. E por outro lado, para simular “não ser fachada de ninguém” e considerar como “cumprido” o mandato de milhões, que em 2018 votaram para que fossem investigados e punidos aqueles que estiveram à frente do Estado mexicano e de “altos” cargos do governo durante longas décadas de infâmia. Todos eles são responsáveis por crimes de lesa humanidade e violações aos direitos humanos para favorecer o saque colonial do país e impor a miséria ao seu povo trabalhador. Na realidade, e isso é o mais indignante, esta farsa da “Quarta Transformação” visava prolongar a impunidade e perpetuar essencialmente os grandes delitos produzidos.

Por: CST – México

Uma série interminável de manobras retóricas e ambiguidades por parte do presidente antes, durante e depois da “consulta”, foi o condimento cotidiano e matinal para a montagem desta farsa (ver artigo em https://litci.org/pt/mexico-milhoes-exigem-punicao-para-os-ex-presidentes-amlo-monta-uma-farsa/ )

Os resultados e as diversas interpretações

Em 3 de agosto, o Instituto Nacional Eleitoral (INE) publicou os resultados definitivos da Consulta Popular, que contou com a presença de 6 milhões e 600 mil eleitores.  Ou seja, votou 7,11% do eleitorado de um total de 93,5 milhões de eleitores. Significa que cerca de 87 milhões de pessoas não foram votar, 92,3 % do padrão eleitoral não participou. Lembremos que, pela própria lei de consultas, recentemente promulgada em instâncias de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), é necessária uma participação mínima de 40% do padrão para que o resultado seja vinculativo (válido juridicamente, ndt,). Era necessário superar os 37,5 milhões de votantes e compareceram 6,6 milhões. Mas também é importante destacar que 97,72% deles –6 milhões 511mil 835 cidadãos– se manifestaram pelo SIM. Enquanto que 1,54 % –102 mil 945– pelo NÃO e 48 mil 878 votos foram declarados nulos.

A partir destes dados, é interessante conhecer as mais diversas interpretações. Comecemos pela conclusão do atual presidente, autor intelectual desta farsa‘‘Foi um triunfo’’. AMLO, paradoxalmente concordou com a opinião do titular do INE, Lorenzo Córdova: “A consulta foi um êxito, não apenas por se tratar da primeira que é realizada a nível nacional sob um marco legal, mas pela participação de 6.6 milhões de cidadãos e foi desenvolvida em paz”. Em seguida, ambos trocaram críticas. AMLO, sua esposa Beatriz Gutiérrez e todo o aparato Morena, com o jornal La Jornada à frente da mídia governista, acusaram o INE de boicote, por supostas deficiências informativas e organizativas. As acusações ao INE, na realidade, eram muitas desde antes da votação. E o INE, se defendeu denunciando: “Para além das inéditas tentativas de desqualificação, ataques reiterados por aqueles que não conseguem digerir o fato de que no INE a autonomia e independência de interesses políticos e partidários são exercidas, reafirmou que não trabalha mais do que com a sociedade. Por isso, a despeito deles, o INE permanecerá existindo”.

Por outro lado, os ex – presidentes, duramente apontados pelos seus crimes durante a campanha prévia, se manifestaram – de uma forma bem diferente – satisfeitos pela participação baixíssima, como se tivessem recebido um certificado de “inocência” ou tivessem sido “absolvidos” pelos seus crimes. Os do PAN – Fox e Calderón – expressando júbilo e os do PRI – Salinas de Gortari, Zedillo e Peña Nieto– em discreto silêncio.

“Um fracasso retumbante”?

A maioria dos opositores do governo, que são parte do mesmo regime burguês neocolonial mexicano, baseando-se no minúsculo 7,11% de participação eleitoral, falam de “rotundo fracasso” e simulam interpretar que a esmagadora maioria não se prestou a “favorecer a vingança do governo contra eles” ou que o povo não quer “ser distraído dos problemas atuais discutindo os do passado”. Embora os problemas atuais, em meio ao genocídio da pandemia e da crise de subsistência do povo trabalhador sejam muito graves, nem esses próprios opositores acreditam em suas interpretações sobre a consulta.

O presidente insiste em que o “triunfo” do 1° de agosto não consiste em se chegou a ser vinculativo, mas em que “agora já se sabe que não há intocáveis”. E que “a democracia está avançando”, porque “é a primeira vez na história” em que, formal e legalmente, tantas pessoas são consultadas porque “essa é a democracia participativa”  que ele promove.  E insiste em que os que não foram votar foi porque não tem consciência democrática, que é questão de um exercício constante de “consultar o povo”. E que o boicote do INE e da “imprensa conservadora” foram um importante obstáculo a esse avanço.

Entretanto, se falarmos em “consciência democrática” e  “boicote”, devemos analisar a conduta do próprio presidente. Começou afirmando que não ia julgar os presidentes e que não iria votar, mas…que se deveria “consultar o povo, que o povo decidirá e não o presidente”. Depois, a partir das sondagens, que anunciavam escassa participação e poucos dias antes da consulta, disse que sim iria participar porque era um direito e um dever democrático de todos. Mas que votaria pelo NÃO. Entretanto…chegado o dia 1° de agosto, AMLO foi “supervisionar a construção de rodovias em Nayarit”,  em cima de um helicóptero e não votou. Dado que ele pretende ser um guia para a ação de milhões, é evidente que não tinha a mínima intenção, que mais de 37 milhões fossem decidir “Sim ao julgamento e punição!”. Ou como pode ser qualificado este comportamento, se não como manobra de boicote a qualquer decisão que ameace ou desnude o pacto de impunidade? É evidente que, entre o pacto de impunidade com os ex – presidentes do regime e suas promessas eleitorais optou pelo pacto.

AMLO já não fala mais sobre o julgamento e punição aos ex – presidentes

Agora López Obrador só fala em abstrato das vantagens de votar em consultas. E já anuncia a próxima para março de 2022, que será sobre revogar ou não antecipadamente o mandato presidencial. Não poucos oportunistas se desfazem em explicações diante deste vergonhoso silêncio diante da questão central: os ex – governantes criminosos serão julgados e punidos? Por isso agora buscam alguma “saída elegante”, falando em formar uma “Comissão da verdade” e um “Tribunal dos povos”… Tudo aponta para um novo labirinto para uma justiça inalcançável dentro dos marcos deste regime.

Quando qualificamos a consulta de 1° de agosto como farsa, nos referimos a isso. O presidente falou do boicote do INE e da imprensa opositora. Não confiamos em absoluto em nenhuma dessas instituições do velho regime, nem nas reformadas pela 4T. Entretanto, AMLO não fala em seu próprio e decisivo boicote. Isso demonstra que o regime político não mudou. Isso demonstra que mais do que assistir ao “rotundo fracasso” de uma farsa, assistimos a um golpe, a uma traição à exigência de milhões de mexicanos: julgamento e punição dos criminosos que governaram este país, muitos dos quais são parte do atual governo e porta-bandeiras da 4T. E também os que encabeçam órgãos judiciais como a FGR, encarregados de investigar crimes ou das Forças Armadas, envolvidas em graves violações aos direitos humanos.

A quem serão revertidos os prejuízos produzidos por esses crimes?

Porém as graves consequências para o México e seu povo explorado ainda ficam pendentes. E se almejamos conseguir defender nossa subsistência num futuro próximo, não podemos omitir que o saque colonial de recursos naturais e energéticos foi consagrado constitucionalmente e se comprometeu a soberania nacional e o despojo territorial. Essa submissão obrigou dezenas de milhões a emigrar para vender sua força de trabalho e sustentar suas famílias. E até hoje esses conterrâneos, alimentam a economia mexicana com suas remessas – que superam os 40 bilhões de dólares anuais – e servem para esconder os parasitas, beneficiários desses crimes que são mantidos na sombra: a oligarquia gerada e alimentada pela mão desses crimes de Estado e associada com as corporações imperialistas. Aí estão os Slim, Salinas Pliego, Larrea, Bailleres… Magnatas que compraram sua impunidade vitalícia e hereditária “a preços de leilão”. Porque embora AMLO diga que “agora não há intocáveis”, estes oligarcas até agora não foram tocados por ninguém!

E não será AMLO nem futuros farsantes que organizarão as “consultas” indispensáveis e urgentes. Seremos nós os trabalhadores do campo e da cidade mobilizados e organizados, os que tomaremos as decisões soberanas e revolucionárias: devolver a Telmex ao Estado e ao povo mexicano. Renacionalizar toda a indústria do petróleo, do gás e da mineração. Renacionalizar os Bancos, Televisa e TV Azteca. Suspender o pagamento da fraudulenta dívida externa e interna…Tribunais populares para julgar e levar à prisão os responsáveis pelos crimes de lesa humanidade e com vínculos com o narcotráfico e tráfico de pessoas.

Tradução: Lilian Enck

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares