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Pandemia

Senegal: Faltava a fagulha para pegar fogo

março 11, 2021

Introdução:

O mês de março começou com mais um país dizendo alto e bom som: essa crise capitalista mundial, suas consequências e a pandemia são insuportáveis. Os trabalhadores, os jovens e o povo pobre saíram às ruas do Senegal para dizer um basta. A grande imprensa diz que é por causa da prisão do líder oposicionista Ousmane Sonko. Nós acreditamos que o caso Sonko foi uma fagulha que reacendeu o fogo das lutas sociais.

Por: Ligue Populaire Sénégalaise

Agora, no mês de março, o fogo das lutas se transformou em incêndio, na mesma chama dos levantes vistos em Angola contra o autoritarismo do governo de João Lourenço do MPLA e na Nigéria insurreta à polícia especial do governo de Buhari, a sanguinária SARS (Esquadrão Especial Anti-Roubo). Vários dias de enfrentamentos com a polícia, saques e incêndios de supermercados, destruição de postos de gasolina de propriedade francesa. Março começou com uma clara demonstração de ser contra o governo de Macky Sall e contra a dominação francesa em seus novos formatos. Para os ativistas, seus cinco mortos não foram em vão.

A situação da classe trabalhadora e do povo pobre

Em pouco mais de trinta anos a qualidade de vida do povo senegalês caiu espantosamente. Em 1990 o Índice de Desenvolvimento Humano do Senegal o colocava na 126ª posição. Em 2019, em um processo de queda constante, o país se encontra na 168ª posição desse índice calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas (ONU). Quase 80% da população não tem acesso a médicos, a expectativa de vida é de 60 anos e a grande causa das mortes são: a malária, doenças gastrointestinais e partos prematuros.

A moderna invasão francesa:

Formalmente, a colonização francesa à República do Senegal acabou na década de 1960. A independência não afetou a propriedade da burguesia local ou da burguesia imperialista, mas vemos até hoje vestígios da dominação francesa, sob o manto do neocolonialismo, modificam a exploração racista aos povos africanos como no Senegal. Ao contrário, o Senegal seguiu fazendo parte do sistema monetário  francês. Uma situação típica das que descrevia Karl Marx: “uma revolução parcial, meramente política, que deixa de pé os pilares do edifício”

Então poderíamos exemplificar o novo modelo de colonização senegalesa a partir de quatro grandes fatos: a) ausência de moeda própria; b) acordo da pesca; c) monopolização da distribuição de alimentos e d) a política petroleira.

* Ausência de moeda: Passados sessenta anos da Independência, o Senegal e outros sete países francófonos seguem usando o franco francês como desde os tempos coloniais. A moeda está atrelada ao euro, e os países que a usam são obrigados a manter 50% de suas reservas cambiais em uma conta do tesouro francês.

* Acordo da Pesca: roubo de riquezas, trabalho e alimentos. Assinado em outubro de 2020 o acordo permite que grandes barcos da União Europeia pesquem por sucção nas águas territoriais senegalesas. Esse alto nível tecnológico do ato de pescar impede que os pescadores artesanais possam seguir pescando, assim os pescadores e suas cooperativas perdem essa fonte de trabalho. Ao não haver pesca artesanal escasseia e encarece esse importante alimento na mesa senegalesa.

* Monopolização da distribuição de alimentos: A empresa francesa Auchan se instalou no Senegal em 2014. Desde então construiu 32 lojas, tem 1.700 funcionários e se transformou em líder no mercado varejista de alimentos. A Auchan atua em 17 países, têm 350.000 empregados e é a 11ª maior distribuidora de alimentos no mundo. O faturamento total do grupo em 2016 foi de 51,7 bilhões de euros. O PIB do Senegal em 2019 foi de 21,1 bilhões de euros. Isto quer dizer, o faturamento do grupo Auchan é duas vezes e meia maior que o PIB senegalês. Nessas condições de poder econômico Auchan pode manipular preços, derrotar e quebrar os pequenos negócios e finalmente determinar os preços dos alimentos.

 * Descoberta do petróleo: Desde 2014, quando a empresa CAIRN Energy do Reino Unido descobriu o primeiro poço de petróleo em águas profundas, o país vem se adaptando para essa nova exploração colonial. Primeiro a burguesia apostou suas fichas em Macky Sall, engenheiro geólogo formado pelo Instituto Francês do Petróleo, o qual recebeu financiamento da petroleira francesa Total. Chega ser imoral o fato de que o Banco Mundial, em 2017, tenha emprestado US $29 milhões para ajudar a fortalecer os negócios com as empresas petroleiras. Além de imoral, esse e outros empréstimos serviram para aumentar a dívida pública e favorecer os interesses das transnacionais.

Em uma economia completamente dependente do imperialismo europeu e do francês em particular, sem indústria para gerar empregos, com o comércio altamente automatizado por empresas estrangeiras que também não geram emprego, com a pesca artesanal destruída pela grandes empresas europeias, aos jovens não resta outra alternativa: é imigrar ou morrer de fome.

O futuro da juventude: imigrar e morrer. E se conseguir sobreviver, ainda poderá ser deportado.

A juventude tem duas grandes disjuntivas. A primeira é imigrar ou morrer de fome. A segunda é imigrar e  morrer nas águas do Atlântico rumo às Ilhas Canárias e outros portos de acolhida. No mês de outubro do ano passado, em um único naufrágio morreram afogadas ao menos 140 pessoas em um único acidente. A segunda morte se dá quando entram no território europeu e são tratados com racismo, xenofobia, desemprego e a consequente desesperança frente a vida.

O governo central da Espanha tem acordos de devolução de imigrantes com Marrocos, Senegal e Mauritânia. Até o primeiro trimestre de 2020, se realizavam voos regulares de deportação a esses países. Depois de mais de seis meses parados, esses voos de deportação foram retomados em setembro de 2020.

O humor das massas:

Há alguns meses as massas senegalesas vêm demonstrando que seu humor está mudando.

Em janeiro, quando o presidente Macky Sall, decretou toque de recolher por conta do COVID 19 sem qualquer garantia de auxílio econômico à população, a reação veio com as primeiras mobilizações de jovens e moradores de bairros se enfrentando com as forças de segurança, em Dakar. A população queimou pneus e ergueu barricadas enquanto a polícia lançava gás lacrimogêneo[1]. Os principais confrontos ocorreram no distrito de Ngor, enquanto outros incidentes foram relatados nas áreas de Medina e Yoff e nos subúrbios de Pikine, Guediawaye e Thiaroye.

Em fevereiro houveram novas manifestações contra o presidente Macky Sall que tentava utilizar os organismos do Estado para criminalizar o oposicionista Sonko em uma controversa acusação de assédio sexual. Dezenas de manifestantes cercaram a casa de Sonko e jogaram pedras na polícia que respondeu com gás lacrimogêneo. Seria um protesto pacífico que terminou com enfrentamentos com a polícia.  “Estamos aqui hoje para enviar uma mensagem forte ao presidente Macky Sall. Para dizer a ele que não aceitaremos que Sonko seja sacrificado hoje como fizemos com os outros oponentes”, disse o manifestante Moustapha Diop[2].

O mês de março marcou um novo período de mobilizações. Foram três dias de lutas nas ruas, nas universidades e nos bairros populares. De quarta-feira (03.03) à sexta-feira (05.03) o Senegal viveu uma explosão de protesto como há décadas não se via.

A burguesia ficou realmente assustada. O sempre sisudo New York Times fez uma longa matéria onde explica que o motivo da faísca foi a prisão de um líder opositor, mas que as massas foram às ruas manifestar-se contra o presidente Macky Sall.

“Senegal explode em protestos. A faísca foi uma acusação de estupro. Depois que uma importante figura da oposição, Ousmane Sonko, foi acusado de estupro, manifestantes em um dos países mais estáveis ​​da África Ocidental foram às ruas para expressar suas reclamações ao presidente”[3].

Uma parte importante da grande imprensa explicou a onda de protestos por causa da prisão de Ousmane. Nós consideramos que essa é uma visão parcial. Vários carros foram incendiados e delegacias de polícia foram invadidas, destruídas e incendiadas.  Mas uma questão que chama muito a questão: consciente ou inconsciente muitas ações estavam estreitamente vinculadas as atividades econômicas do imperialismo francês no Senegal.

  1. a) Os pescadores: no início deste texto falamos do Acordo da Pesca e o tanto que é lesivo para os pescadores como para os consumidores. Em Ngor, que é uma vila de pescadores, os manifestantes tomaram as ruas, construíram barricadas e fizeram fogueiras com pneus e a fumaça era visível em várias partes de Dakar.
  2. b) A Rede de supermercado Auchan também pagou seu tributo pela monopolização da distribuição de alimentos e por sua origem imperialista. Dos seus 32 supermercados, 14 foram invadidos, saqueados e queimados. No sábado ainda se podiam ver pessoas vasculhando a loja incendiada no dia anterior à procura de alguma coisa útil.
  3. c) A questão petroleira: A rede de postos de gasolina tem uma forte presença da TOTAL francesa. E foi essa rede de postos que mais sofreu ataques, destruição e incêndios.

Pelos três pontos acima vemos que o centro dos irados ataques das massas senegalesas foi contra empresas francesas ou consequência da exploração como no caso da pesca.

As manifestações também tiveram um sentimento contra o governo de Macky Sall, acusado de ser ditador e utilizar os órgãos do Estado para afastar concorrentes eleitorais. Na eleição de 2019 ele já tinha utilizado esse mecanismo para excluir dois candidatos presidenciais. Agora para a eleição que se avizinha ele tentou fazer o mesmo com Ousmane Sonko. Uma das principais palavras de ordem gritadas era: Trop c’est trop , que significa basta é basta. O jornal LeSoleil e a rádio RFM pró governamental foram atacados e destruídos.

A prisão de Sonko é a gota de água que fez transbordar o vaso. A pandemia de Covid-19 é a razão de impacto para o fluxo da economia nacional. O Senegal afundou-se na fome, desemprego juvenil e pobreza devido à crise de toda a economia mundial, mas também à apropriação indevida de bilhões liberados para ajudar as famílias durante a pandemia,  desviados pelas autoridades responsáveis pelo seu gerenciamento, sem estarem preocupados ou envergonhados pela sua aproximação ao presidente.

A prisão de Ousmane Sonko:

A prisão de Ousmane levou a indignação e a consequente explosão das massas senegalesas. A indignação se deve ao fato de Macky Sall usar o aparato de Estado para afastar seus concorrentes. Neste sentido, métodos ditatoriais de Sell devem ser denunciados e enfrentados nas ruas.

Por outro lado, há uma acusação de estupro contra Sonko e defendemos a mais profunda e séria investigação. O resultado pode ser absolvição ou condenação, mas o mais importante é não deixar passar em branco uma acusação de violência sexual. Defendemos investigações independentes de Sell e de Sonko.

Só a liberdade de Sonko acalmou temporariamente a situação de momento, mas ele está sob controle judicial para permitir que a investigação determine se as acusações são reais ou falsas. Assim, a mobilização está em alerta, pois também exige a libertação de todos os presos políticos que são quase uma centena de pessoas.

Sonko não é alternativa para os trabalhadores

Ousmane Sonko iniciou sua militância quando fundou o Sindicato Autônomo dos Agentes de Impostos e Mobiliários, do qual foi secretário geral de 2005 à 2012. Em janeiro de 2014 criou e é o Presidente do partido PASTEF – Les Patriotes: Patriotes du Sénégal pour l’Éthique, le Travail et la Fraternité (PASTEF – Los Patriotas: “Patriotas do Senegal pela Ética, Trabalho e Fraternidade). Foi eleito deputado em 2017 e em 2019 foi candidato a presidente da República, obteve 16% da votação e ficou em terceiro lugar.

O Pastef – Os Patriotas é um partido composto por jovens pequenos burgueses, profissionais liberais e alguns dirigentes sindicais. O seu programa é bastante limitado. Por exemplo, parte das elaborações sobre a política petroleira estão explicitadas no livro “Pétrole et gaz au Sénégal: Chronique d’une spoliation” em que o centro do debate é em torno aos negócios da Sall e sem questionar o caráter imperialista da concessão petroleira. É um livro contra a corrupção. A denúncia é forte e bem sustentada contra o presidente e seu irmão. Mas nada que questione o imperialismo, aliás ao contrário, os EUA e a Inglaterra vêem com bons olhos essas denúncias contra Sall, o aliado do imperialismo francês. O próprio Sonho afirmou: “Eu próprio fui recebido duas vezes aqui na Embaixada dos Estados Unidos e fui amplamente ouvido pelo Procurador que esteve acompanhando o assunto”[4].

O programa do Pastef – Os Patriotas, afirma que a “globalização é uma oportunidade se soubermos explorar suas imensas possibilidades, porque pode encurtar o tempo de renascimento (do país). Será uma tumba se não formos capazes de nos adaptar aos seus imensos desafios, porque pode acelerar o tempo de declínio”. Simplificando, em uma época dominada pelo capitalismo imperialista. O Pastef – Os Patriotas – defendem que a globalização é uma oportunidade de sair do atraso. Defender a pátria em tempos de globalização não pode ser chamado de patriota.

Construir uma alternativa operária e socialista

A classe trabalhadora necessita construir sua própria alternativa. É preciso construir uma organização enraizada na classe trabalhadora, nos desempregados, nos pescadores e no povo pobre. Precisamos de uma organização proletária.  Mas não basta que seja proletária é preciso que tenha um programa e uma direção que caminhe rumo à nacionalização das riquezas naturais, expropriação da burguesia comercial, financeira de origem nacional e estrangeira. Ou seja, um programa e uma direção que tenha como horizonte a construção de uma sociedade socialista, sem patrões nacionais ou estrangeiros.

* Fora Macky Sall e seu grupo de agentes do imperialismo francês!

* Fim da perseguição a Sonko e investigação independente das acusações de estupro

* Fora Auchan. Fora Total. Ruptura do Acordo da Pesca. Senegal para os senegaleses!

* Por um governo dos trabalhadores e do povo pobre!

[1] https://www.africanews.com/2021/01/07/protests-erupt-in-senegal-over-new-covid-19-measures//

[2] https://www.africanews.com/2021/02/08/clashes-in-senegal-after-opposition-leader-sonko-accused-of-rape/

[3] https://www.nytimes.com/2021/03/05/world/africa/senegal-protests-rape-charge.html

[4] https://www.pressafrik.com/Graves-revelations-dans-son-livre-sur-le-petrole-senegalais-Ousmane-Sonko-suivi-de-pres-par-les-Americains_a177151.html

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