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Crise climática e ambiental

Capitalismo e crise ecológica global – Parte 2

agosto 31, 2019
  1. Movimento operário e meio ambiente

Muitos sindicalistas desconfiam dos ecologistas por vê-los como inimigos de muitos postos de trabalho. Por sua vez muitos ecologistas olham com desconfiança para os sindicalistas por considerá-los produtivistas que só se preocupam com os postos de trabalho, sem levar em conta o meio ambiente. Não poucas vezes vimos conflitos entre estas duas visões. Será verdade que há uma contradição irreconciliável entre os interesses da classe trabalhadora e a conservação do meio ambiente? Comecemos com um pouco de história.

Leia a primeira parte deste artigo em: https://litci.org/pt/especiais/crise-climatica-e-ambiental/capitalismo-e-crise-ecologica-global/

Por: Juan Parodi Jr.

O começo do movimento operário e socialista

No começo do movimento socialista já temos alguns exemplos interessantes de como entendiam aqueles pioneiros a relação dos trabalhadores com a natureza. William Morris foi um militante socialista do século XIX e, também, escritor. Sua novela mais famosa foi “Noticias de nenhuma parte” (1890), que usou para descrever como imaginava a sociedade comunista. O protagonista da novela é William Guest que depois de voltar de uma reunião da Liga Socialista dorme e acorda no ano 2101, muito depois do triunfo da revolução mundial. Na Londres em que se encontra depois de acordar não existem distintas classes sociais, a propriedade é comunitária e controlada democraticamente. A relação com a natureza é muito distinta, cidade e natureza se confundem e integram em uma relação equilibrada e respeitosa. A educação das crianças passa por expedições ao bosque. Ah! E o parlamento serve para guardar esterco! William Morris imaginava que a revolução mudaria a maneira em que os trabalhadores se relacionam com seu meio natural. Ele imaginou o comunismo como uma sociedade pastoral, onde as cidades e a civilização se dissolviam na natureza, tornando-se uma coisa só.

Ainda no século XIX podemos encontrar inúmeras mobilizações operarias contra as condições de contaminação e insalubridade nos postos de trabalho. Em 1888, por exemplo, nas minas de Riotinto (Andaluzia) aconteceu um forte conflito social por este motivo. Naquele tempo o mineral era calcinado ao ar livre nos chamados fornos. Estes fornos emitiam gases sulfurosos que envenenavam os mineiros e as terras agrícolas da região. A companhia mineira inglesa e as autoridades locais, alarmadas com a magnitude do conflito, fizeram vir tropas ao povoado. Em 4 de Fevereiro uma multidão se reuniu em uma manifestação na praça central do povoado e as tropas abriram fogo indiscriminadamente contra a multidão, matando centenas de pessoas. Aquele ano longínquo ainda segue sendo conhecido na região como “o ano dos tiros”.

Imagem 5: Ilustração da matança em Riotinto.

Em 1880, Sergei Podolinsky, um militante socialista que lutou contra o império do tzar russo, publicou “O socialismo e a unidade das forças físicas”, no qual estudava a economia e sua relação com a energia. Partindo da segunda lei da termodinâmica estabeleceu que o trabalho era uma forma de acumular energia, sendo o pioneiro na pesquisa da antropologia energética social. Conheceu Marx e lhe enviou sua obra. Não sabemos se Marx respondeu, mas há sim o registro de uma carta em que Engels escreve a Marx a respeito da obra de Podolinsky, apontando a dificuldade de calcular com exatidão as transferências energéticas que acontecem na economia.

Marx e Engels foram pessoas que sempre acompanharam os avanços da ciência de seu tempo. Não é por casualidade que Engels, em seu discurso ante a tumba de Marx, disse que “Para Marx a ciência era uma força histórica motriz, uma força revolucionaria”. Ambos mostraram uma preocupação com os elementos de crise ecológica que já se expressavam em seu tempo, como o empobrecimento dos solos da agricultura. No tomo III do “O Capital” Marx escreveu: “Todo o espírito da produção capitalista, orientada para o lucro monetário imediato, se encontra em contradição com a agricultura, que tem de levar em conta o conjunto permanente das condições de vida das sucessivas gerações humanas que vão se encadeando”.

No tomo I encontramos outra passagem reveladora: “A produção capitalista não só destrói a saúde física dos operários, senão que ainda altera os intercâmbios naturais entre o homem e a terra… todo progresso na agricultura capitalista é também um avanço a arte de esgotar o solo”.

É significativo o enlace e a correlação que Marx estabelece entre a exploração dos trabalhadores e do solo, assim como sua noção de “progresso econômico” destrutivo do meio ambiente.

Marx afirmou nos “Manuscritos de Paris” que a humanidade vive e morre na natureza. Para ele, seguindo o tomo III do “O Capital”, o socialismo deveria restabelecer o ciclo material como “lei reguladora da produção” e mediante a apropriação coletiva dos meios de produção, gerir os recursos e a economia para “regular racionalmente seu metabolismo com a natureza”, em vez de ser arrastado pelo mecanismo cego da busca do lucro individual e privado.

Marx estabelece que:

“Nem sequer toda uma sociedade, uma nação, todas as sociedades contemporâneas de conjunto são proprietárias da terra. São só seus ocupantes, seus usufrutuários e devem, como boni patres famílias, legá-la melhorada para as gerações futuras”.

Walter Benjamin é outro pensador marxista destacado que se ocupou da crítica ecológica ao capitalismo. Em sua obra “Rua de sentido único” (1928) escrevia que a sociedade capitalista “rouba” os dons da terra, empobrecendo-a e provocando que dê colheitas ruins. Nesta obra escreveu, por exemplo, “que ao receber o que a natureza nos oferece evitemos o gesto da cobiça. Dado que não pode presentear nada a nossa mãe terra. Portanto convém que mostremos reverencia ao tomar, devolvendo à mãe terra uma parte do que recebemos antes de nos apoderarmos daquilo que nos corresponde”. Sua perspectiva de socialismo se reflete em sua obra “Paris, capital do século XIX (1938), na qual o trabalho perderia seu caráter de exploração da natureza pelo homem, instaurando-se uma harmonia que melhoraria a partir desse momento a relação humanidade-natureza.

Mais adiante no tempo floresceram diversos autores marxistas que incorporaram as questões ambientais em suas preocupações. Na bibliografia deste texto se encontram algumas recomendações. Não obstante, nos damos o direito de destacar Nahuel Moreno, dirigente trotskista argentino. Em 1980 Moreno escreveu “Atualização do Programa de Transição”, programa este cujo original foi redigido por Trotsky para a fundação da IV Internacional. Com ele pretendia reorganizar essa mesma IV Internacional e o texto teve um papel central para desenvolver o programa da Liga Internacional dos Trabalhadores (da qual o PSTU brasileiro e o autor deste texto fazemos parte).

A penúltima tese desta “Atualização do Programa de Transição” está justamente dedicada à crise ecológica. Moreno reformula a famosa tese atribuída a Rosa Luxemburgo sobre “socialismo ou barbárie” mas, desta vez, colocando o “holocausto” como horizonte em caso de derrota da revolução. Moreno escreve que os poderosos meios de destruição desenvolvidos colocavam na ordem do dia o perigo a guerra nuclear e a destruição da natureza, especialmente o esgotamento das fontes de energia.

A tese termina colocando que a revolução não só poderá evitar isso senão que colocaria na ordem do dia um desenvolvimento tecnológico nunca antes visto pela humanidade, ao aproveitar construtiva e positivamente a tecnologia hoje existente, que poderá dar um novo salto ao se libertar do capitalismo.

O stalinismo

A ruptura entre meio ambiente e socialismo tem data. Stalin impôs a partir do governo da URSS a política de “Socialismo em um só país”, quer dizer, de “coexistência pacifica com o imperialismo”. A partir deste momento renunciou a impulsionar a revolução internacional e situou sua concorrência com os países imperialistas no terreno das corridas econômica e armamentista. Khruschev enunciou o objetivo de tentar superar a economia dos Estados Unidos. Mas os países do socialismo real partiam de uma situação de atraso e dependência dos países imperialistas, o que os levou a “apertar o acelerador produtivo” ao máximo. Era a época do stakanovismo[1], que teve um balanço ambiental lamentável. Na época da queda do muro, Tchecoslováquia[2] e a República Democrática Alemã (RDA) superavam os Estados Unidos, Canadá ou Austrália em suas emissões de dióxido de carbono por habitante. Dois dos maiores desastres ecológicos da história moderna aconteceram em países do socialismo real: o acidente de Chernobyl e a dessecação do Mar de Aral (processo que continuou também depois da queda da URSS, seja dito de passagem). Isto divorciou por décadas o movimento socialista mundial, dirigido pelo stalinismo, da preocupação ecológica, abrindo espaço para hegemonia de colocações antisocialistas que ainda perduram no movimento ecologista.

Imagem 6: Barco encalhado no antigo Mar de Aral

Sindicalismo e ecologismo

A partir dos anos 70 se recuperam – com o pulso de um novo ascenso revolucionário que começa a se desapegar de sua camisa de força stalinista – algumas tradições que vale a pena destacar, como a das “proibições verdes”. Esta iniciativa foi tomada pela primeira vez pelo sindicato de trabalhadores da construção de Nova Gales do Sul (Austrália), depois de uma onda de lutas vitoriosas. Uma “proibição verde” consistia em colocar em greve os trabalhadores da construção, não por uma reivindicação trabalhista senão para impedir a construção de edifícios destinados a gentrificar uma região (deslocar a população pobre local para revalorizar a zona, em benefício dos donos dos edifícios ou dos terrenos) ou para impedir a destruição de um espaço verde. Essa iniciativa se estendeu a nível nacional, por exemplo em 1976, pelas mãos da União dos Sindicatos australianos contra a mineração, o processamento e a exportação de urânio.

Outro exemplo mundialmente conhecido de “sindicalismo verde” é o de Chico Mendes, dirigente dos trabalhadores da borracha na Amazônia Brasileira, assassinado pelos latifundiários. Também devemos mencionar a revolta turca, iniciada em 2013 contra a destruição do Parque Gezi ou o caso da Revolução Egípcia, no qual a população bloqueou um porto no Mediterrâneo até que o governo abandonou a ideia de criar uma fábrica de fertilizantes na região e acabou inclusive fechando a que já existia.

Imagem 7: Manifestação em Sidney. Na faixa se lê “Apoio às proibições verdes do Sindicato de operários da Construção”

É possível conciliar o emprego e a conservação ambiental?

Uma vez terminado este resumo histórico, queremos tentar responder a esta pergunta chave. Apesar das contradições que inevitavelmente surgem, pensamos que sim. Na realidade contradições parecidas acontecem em muitos outros terrenos, inclusive dentro da própria classe trabalhadora. Muitas vezes, por exemplo, distintos grupos de trabalhadores competem e se enfrentam entre eles pelo emprego; os nativos contra os imigrantes, ou os de um povo contra os do lado. Para estas contradições é fundamental não perder a perspectiva do interesse geral do conjunto da classe trabalhadora.

Diz o Manifesto Comunista:

[Os comunistas] destacam e reivindicam sempre, em todas e cada uma das ações nacionais proletárias os interesses comuns e peculiares de todo o proletariado, independentemente de sua nacionalidade e que, qualquer que seja a etapa histórica em que se mova a luta entre o proletariado e a burguesia, mantêm sempre o interesse do movimento focado em seu conjunto.

Quer dizer, nós sempre enfocamos nossas políticas a partir da ótica do interesse geral de classe, na busca da revolução e da tomada do poder. No caso da concorrência entre operários pelo emprego dizemos ao operário nativo: “é certo que os trabalhadores imigrantes vêm concorrer contigo pelos postos de trabalho. Mas se te enfrentas com eles, a classe trabalhadora estará dividida e nunca poderá enfrentar os patrões. Tua tarefa não é rechaçar o trabalhador imigrante senão se unir a ele para enfrentar o inimigo comum”.

Na questão ambiental temos que ter um critério parecido: buscar sempre o interesse geral da classe trabalhadora e da revolução. Vou me permitir dar dois exemplos reais nas quais minha organização, Corriente Roja, tivemos que tomar uma posição.

A primeira foi o possível fechamento de uma central nuclear velha e perigosa, a de Garoña. O governo espanhol queria mantê-la aberta devido a que é uma máquina de fazer dinheiro para as grandes companhias elétricas, mas há uma grande mobilização por seu fechamento. Aqui alguns sindicatos tomaram uma posição contrária ao fechamento, argumentando a defesa dos postos de trabalho da planta da central nuclear. Nós da Corriente Roja estamos a favor do fechamento: alguns postos de trabalho não podem justificar alinhar-se com o governo e patronal colocando em grave risco a população da região. Isso sim, esse posicionamento deve ser acompanhado da exigência de não perder nenhum posto de trabalho e exigir, por exemplo, um plano de instalação de energias renováveis na comarca.

O segundo exemplo é a luta dos mineiros em 2012. Aqui [no Estado Espanhol] houve grupos ecologistas que se posicionaram a favor do fechamento das minas de carbono, já que são muito poluentes. E realmente o são, mas não era isso o que estava em discussão. O plano do governo não era o fechamento das minas de carbono para impulsionar uma alternativa sustentável. Era o fechamento das minas de carbono para comprar carbono mais barato de outros países onde os trabalhadores têm menos direitos; era isso o que se discutia (além da própria estabilidade do governo, golpeado pela greve mineira). Por isso a Corriente Roja foi parte da luta dos mineiros contra o fechamento das minas.

A favor do fechamento da central nuclear de Garoña e contra o fechamento das minas de carvão? Não é contraditório? Não, porque ambas posições nascem da defesa dos interesses gerais da classe trabalhadora. Uma posição sindicalista que em nome da defesa de alguns postos de trabalho coloque em risco as condições de vida do conjunto da classe trabalhadora é unilateral e míope. Uma posição ecologista que sistematicamente seja favorável ao fechamento de qualquer atividade econômica poluente sem analisar se esse fechamento tem um conteúdo ecologista ou é só uma manobra patronal para aumentar os lucros é igualmente unilateral e míope.

  1. O impossível capitalismo verde

 A crise ecológica como sintoma do esgotamento histórico do capitalismo

O capitalismo está em decadência, é um sistema esgotado. Cada dia que passa asfixia mais, aumenta a destruição e não o progresso. Mas … como é isso?

Vimos novos avanços nos últimos anos, como por exemplo, a revolução da informática. Agora, muitos temos um celular e um computador, algo impensável há não muitos anos. Não é o capitalismo o que aumenta estas melhoras?

Para responder temos que entender o que são as “forças de produção”. Marx e Engels explicaram que o surgimento do capitalismo foi um fenômeno progressivo já que superou o velho modo de produção feudal e essa mudança permitiu avanços espetaculares, não só no bem estar da burguesia senão também no dos trabalhadores. Elementos tão básicos como a nutrição ou a medicina avançaram e a vida dos trabalhadores foi a partir de então mais longa e satisfatória. No entanto, chegado um momento, a destruição que o capitalismo produzia era cada vez maior que os progressos que conhecia. Lênin fixou como demonstração definitiva desta mudança a Primeira Guerra Mundial. As distintas potências imperialistas cometiam um massacre em escala industrial para disputar os mercados e poder seguir crescendo. Pouco depois a maior crise do capitalismo foi superada e se estabeleceu uma época de prosperidade através da Segunda Guerra Mundial, ao custo de dezenas de milhões de mortos. A reconstrução dos países que tinham sido literalmente devastados e a revolução tecnológica produzida pelo enfrentamento militar permitiram que os capitalistas tivessem investimentos produtivos a fazer.

Desde então não houve nenhuma guerra de proporções similares. No entanto, o avanço da economia capitalista está deixando um rastro de destruição do principal meio de produção: a natureza. A crise ecológica global é a principal marca atual do esgotamento histórico do capitalismo, de sua capacidade para produzir mais do que destrói. Por cada passo adiante que dá, retrocede destruindo dois.

A velocidade do capitalismo e a velocidade da natureza

O nó do sistema econômico capitalista é que os agentes econômicos guiam sua atividade pela busca do lucro privado de seus donos, os capitalistas. Uma empresa produz de tal ou qual forma em função do que maximize os lucros de seus acionistas. Os bancos movem seu dinheiro e investem sempre buscando repartir os máximos dividendos em seu conselho de administração. O dono da terra ou de um edifício tenta que sua renda seja a maior possível. Escreveu Marx no primeiro tomo de “O Capital”:

“A circulação do dinheiro como capital é (…) um fim em si, pois a valorização do valor existe unicamente no marco deste movimento renovado sem cessar. O movimento do capital, enfim, é carente de medida. (…) Nunca, pois, deve se considerar o valor de uso como fim direto do capitalista. Tampouco o lucro isolado, senão o movimento infatigável da produção de lucros”.

Antes de continuar, tem que esclarecer que isto não é uma escolha individual de cada capitalista. Não pode existir um capitalismo moral e humano, que além de cuidar dos lucros dos capitalistas cuide também das condições de vida dos trabalhadores. No caso de que um capitalista individual subisse o salário de seus trabalhadores, concorreria com os demais com um lastro. Seus lucros seriam menores ou seus preços mais altos. Sua empresa tende inevitavelmente a desaparecer, mais cedo que tarde, engolida pela concorrência do mercado capitalista.

Na busca de maximizar os lucros dos capitalistas, a economia capitalista mantém constantes várias tendências. Uma delas é a tendência de tratar de acelerar ao máximo possível o ciclo de reprodução de capital. Quer dizer, um capitalista investe um dinheiro em uma indústria. Então, a fábrica em que investiu produz mercadorias que são vendidas. Depois de pagar o salário a seus trabalhadores e de ter comprado as matérias primas necessárias, o capitalista recebe mais dinheiro do que investiu. Quanto mais rápido este ciclo se repita, mais capital irá acumulando o capitalista. O capitalismo é um sistema que trata de acelerar constantemente a velocidade da economia. Engels escreveu no “Do socialismo utópico ao socialismo científico” a seguinte passagem reveladora:

“Paulatinamente, a marcha se acelera, o passo de caminhada se transforma no trote, o trote industrial em galope e, por último em corrida desenfreada, em bater sinos da indústria, do comercio, do credito e da especulação, para terminar finalmente, depois dos saltos mais arriscados, na fossa de um crack. E assim, uma e outra vez”.

Esta busca permanente para maximizar os lucros, quer dizer, a produção, é incompatível com os limites do planeta. O capitalismo tem um ritmo distinto que o dos ciclos naturais. A indústria madeireira não se regula em função da velocidade de crescimento das novas arvores senão pela necessidade desesperada do investidor de receber os lucros com os quais enche sua carteira. As petrolíferas não regulam sua atividade em função da quantidade de CO² que a atmosfera é capaz de assimilar, nem a agricultura funciona deixando que o solo se recupere.

Os custos da produção e a conservação da natureza

Para maximizar seus lucros o capitalista necessita investir pouco e vender os produtos o mais caro possível. Há um investimento que é fixo, cujo preço o capitalista não pode fazer baixar. Mas há outra variável, que sim pode tentar baixar. O salário dos trabalhadores, por exemplo, pode ser algo mais alto ou mais baixo. Se o preço do produto no mercado é o mesmo, quanto menos salários paguem aos trabalhadores, maior margem de lucro terão.

Os custos de prevenção e reparação ambiental aumentam os custos variáveis de um investimento, quer dizer, diminuem o lucro capitalista. Se uma indústria, por exemplo, tem que depurar a água que usa antes de vertê-la, terá para isso que fazer um investimento em maquinas e trabalhadores. Se uma indústria tem que reparar os danos ambientais causados terá para isso que investir em materiais e trabalhadores.

Para as empresas, investir em prevenção ou reparação ambiental é um custo maior, significa reduzir sua margem de lucros. Por isso o capitalismo se rebela sistematicamente contra qualquer regulação que o obrigue a isso, do mesmo modo que se rebela contra a legislação trabalhista. A legislação ambiental é produto da luta, são conquistas da mesma forma que se ganha um acordo coletivo melhor em uma greve.

A falsa solução da eficiência

Uma corrente de pensamento propõe que a solução para a crise ecologia é uma eficiência maior da indústria. Se provocamos um determinado dano ao produzir uma mercadoria, talvez possamos reduzir o dano se o fazemos de maneira eficiente. É uma armadilha. A eficiência energética e de material é muito importante, mas sob o capitalismo se torna o seu contrário. Coloquemos um exemplo trabalhista para entendê-lo melhor.

A nova tecnologia pode ser aplicada para tornar mais fácil o trabalho dos operários. Mas quando uma empresa capitalista incorpora uma nova máquina ou técnica, essa mudança não resulta em uma maior facilidade no trabalho dos operários. Em vez de reduzir a jornada de trabalho, o que faz o capitalista é demitir uma parte dos trabalhadores e manter ou até aumentar o horário de trabalho dos que ficam. Assim, uma melhora tecnologia ao invés de ajudar acaba sendo um ataque contra os trabalhadores.

Da mesma maneira funciona a eficiência. Uma maior eficiência poderia servir para produzir a mesma coisa usando menos energia e emitindo menos poluição. Mas em uma empresa capitalista é usada apenas para aumentar a margem de lucros da empresa. Se produz mais eficientemente, por exemplo, o custo por mercadoria diminui. Então o patrão pode inundar o mercado com seus produtos e destruir a concorrência, vendendo mais e ganhando mais. Ou pode baixar o preço do produto para destruir os concorrentes e ganhar mais. Mas em nenhum caso vai se contentar com o que já ganha, principalmente porque, se não se apressa, logo um capitalista rival vai conseguir a mesma melhora e usará sua maior eficiência para tentar abarcar o mercado.

É possível uma mudança de modelo produtivo?

Há também os que pensam que é possível que o capitalismo possa se transformar em um sistema econômico capitalista, mas sustentável. Isso suporia mudar todas as fontes energéticas que usufrui. O capitalismo se desenvolve com a chamada “revolução industrial”, com os motores e a eletrificação. Tudo isso funciona queimando combustíveis fosseis. Podemos dizer que o carbono, o petróleo e o gás natural são o sangue que corre pelas veias do capitalismo. Todo o transporte, todas as indústrias, toda a energia é obtida assim.

Um hipotético capitalismo ambientalmente sustentável teria que revolucionar toda a sua base energética. Isso pressupõe um investimento de proporções gigantescas. Os capitalistas renunciariam a seus lucros para altruisticamente salvar o futuro do planeta? Impossível! Recordemos a lei universal do capitalismo: o que orienta sua atividade é a busca de lucros e nenhum outro critério humano, moral ou ambiental.

É verdade que existem setores capitalistas que investem em energias renováveis ou coisas similares. Mas o capitalismo tem hierarquias e setores dominantes. Não tem o mesmo poder os capitalistas das energias renováveis que os das petroleiras. Nem os das “bikes” em relação à indústria automobilística. Nem os da agricultura ecológica em relação à agroindústria.

A ideologia ambiental do capitalismo

Há algo que muitos se perguntam: como pode ser que os capitalistas estejam cegos em relação à crise ecológica? Na realidade, não estão cegos… Mas sim é interessante ver como construíram a ciência econômica dominante de forma a que trate de ocultar a crise ecológica. As palavras economia e ecologia começam iguais, e não é casualidade. O prefixo “eco” vem do grego “oikos”, que significa “casa” No entanto, nas faculdades de economia se costuma ensinar a economia como algo separado da ecologia. Nos manuais se desliga o dinheiro e a produção da natureza em que se baseia, a tal ponto que os bens naturais não tem preço. O que custa um determinado bem natural é o que custa sua extração.

Assim se constrói a ilusão de uma economia eterna, abstrata, separada de qualquer ligação com o mundo físico e natural. A roda da economia poderia seguir girando eternamente sem se chocar nunca com os limites naturais. No entanto, os rios são contaminados, os solos se desertificam e o petróleo acaba. Os custos que produzem esses danos ambientais não são contabilizados. A indústria petroleira não internaliza os custos do derivado do petróleo, como por exemplo, os danos causados pela mudança climática. Quer dizer, os lucros econômicos são privatizados, mas os custos sociais são repartidos.

A ciência econômica ainda está baseada nos clássicos do século XIX, sem ser atualizados frente à crise ecológica. Esta política consciente é parte da construção ideológica capitalista, que trata de ocultar suas próprias contradições repetindo uma cantilena fantasiosa que diz que “tudo vai bem” enquanto se precipita no vazio.

As ONGs ecologistas e o caráter de classe do Estado

A principal corrente ecologista do mundo são as ONGs ambientalistas, como o Greenpeace. Já explicamos anteriormente como o movimento operário e socialista abandonou, desde o stalinismo, qualquer preocupação ambiental, abrindo espaço para essas tendências. Remotamente esta tendência ecologista tem uma origem burguesa e pequeno burguesa. Estas classes sociais, que começaram a desfrutar de viagens à natureza, buscavam conservá-la. Já na idade média, os reis e nobres resguardavam zonas naturais para usá-las para caçadas. Muitos parques naturais da Europa têm essa origem.

Estas ONGs tentam proteger o meio ambiente exigindo legislação ambiental e compromissos das empresas. E, certamente, houve alguns êxitos importantes. De novo, vamos usar um similar trabalhista. No terreno trabalhista, em alguns países existem hoje em dia grandes conquistas para os trabalhadores. Se pensarmos que no século XIX as crianças morriam diariamente trabalhando nas minas, ninguém negará que agora isso não acontece. No entanto, essa legislação trabalhista não acabou com a exploração dos trabalhadores. E muitas vezes retrocede. Na crise econômica atual, por exemplo, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras sofreram um duro ataque. Em momentos históricos mais extremos, voltaram a aparecer condições tão ruins como do início do capitalismo, ou inclusive piores. Na Alemanha nazista, voltaram a recuperar de maneira massiva o trabalho escravo nos campos de concentração. Franco [3] também implantou a escravidão generalizada depois da Guerra Civil Espanhola.

Com a proteção ambiental acontece algo parecido. As lutas conseguiram forçar alguns avanços, que ainda que sejam importantes não alteraram a realidade fundamental da exploração da natureza pelo capitalismo. Os estados capitalistas protegem fundamentalmente os interesses da classe capitalista, apesar de que reflitam as lutas e cheguem a incorporar legislações trabalhistas ou restrições ambientais. É uma ilusão pensar que os governos capitalistas ou as próprias empresas vão tomar uma posição definitiva de proteção dos trabalhadores e da natureza.

Um bom exemplo disto é o protocolo de Kyoto. Apesar de existirem alguns avanços tímidos, apesar de toda a parafernália, das dezenas de grandes metas internacionais, as emissões de CO² seguem sendo absolutamente excessivas, e hoje, com Kyoto oficialmente caducado e fracassado, os governos do mundo nem sequer foram capazes de estabelecer um novo objetivo.

Para terminar, lhes proponho uma prova: entrar na web de distintas companhias petrolíferas. Possivelmente a maioria delas apresentem fotos de paisagens bucólicas e trabalhadores felizes, uma vez que remarcam sua profunda preocupação com a proteção ambiental e os direitos dos trabalhadores.

O decrescimento

A outra grande tendência do ecologismo atual é chamado “decrescimento”. Sob este guarda-chuva encontramos uma multiplicidade de propostas que tentam construir uma alternativa econômica e social sob o capitalismo, de modo que pouco a pouco o substituam. Neste terreno, podemos encontrar muitos movimentos de agricultura ecológica, de banco ético, de artesanato, de troca e moedas alternativas, inclusive as chamadas “cooperativas integrais”, que tentam oferecer todos os serviços que uma pessoa possa necessitar sem ter que recorrer às empresas capitalistas.

O problema desta proposta é que o capitalismo já “preenche” o mundo, não deixa espaço para que uma economia alternativa se desenvolva. As hortas ecológicas, por exemplo, podem fornecer alimentos a pequenos círculos. Mas se tentar satisfazer as necessidades de grandes camadas da população necessitará de terra, muita terra. No entanto, a terra tem donos: os latifundiários capitalistas. Como conseguir a terra dos latifundiários? Poderíamos pensar em comprá-la, mas para isso se necessita de muito capital, quer dizer, é necessário que um capitalista faça um investimento capitalista. Mas, já dissemos que as leis do mercado capitalista conspiram contra um capitalismo “verde”… os produtos ecológicos necessitam de uma mão de obra mais intensiva, são mais caros de produzir, de um ponto de vista capitalista. A única opção que resta é ocupar a terra, quer dizer, fazer a revolução e destruir o poder dos capitalistas.

A mesma coisa acontece com o resto dos setores da economia, inclusive de modo mais acentuado. Como organizar uma nova forma de se mover de forma sustentável sem ter o controle das empresas energéticas e da indústria automobilística? Como construir casa para milhões sem ter o controle das grandes construtoras? Como produzir energia para a população sem expropriar as grandes companhias elétricas? É simplesmente impossível. Quer dizer, não se pode construir uma nova economia sem destruir a que existe hoje. Ao menos não [é possível] se não nos contentamos em atender ecologicamente as necessidades de pequeníssimos [setores].

Estas experiências de contra poder são muito antigas, ainda que tenham formas novas. Em suas propostas são uma repetição do socialismo utópico e do anarquismo.

Definitivamente, é uma ilusão pensar em um “capitalismo verde”. O único horizonte possível para uma economia e uma sociedade sustentáveis é acabar com a economia capitalista, que sacrifica a natureza e os trabalhadores no altar do lucro econômico dos capitalistas. E, para acabar com a economia capitalista, tem que acabar com o poder político dos capitalistas, quer dizer, fazer a revolução socialista.

  1. Bibliografia
  • IPCC (2014). Climate Change. Synthesis Report.
  • WWF (2014). Informe Paneta Vivo.
  • Jesús Castillo (2011). Migraciones ambientales. Huyendo de la crisis ecológica en el Siglo XXI. Virus editorial.
  • Jesús Castillo (2012). Trabajadores y medio ambiente. La lucha contra la degradación ambiental desde los centros de trabajo. Editorial Atrapasueños.
  • Daniel Tanuro (2011). El imposible capitalismo verde. Editorial La Oveja Roja.
  • Michael Löwy (2012). La alternativa radical a la catástrofe ecológica capitalista. Editorial Biblioteca nueva.

 [1] Movimento nascido na ex-URSS e que deve sua denominação a um mineiro chamado Stakanov que bateu o recorde de extração de carbono, que impulsionava um sistema de trabalho que tentava incentivar e aumentar o rendimento do operário sem lhe dar compensação alguma, uma vez que apelava a suas convicções revolucionarias. O stakanovismo foi aplicado na União Soviética a partir de 1935.

[2] Até sua divisão em República Tcheca e Eslováquia, ocorrida em 1993

[3] Francisco Franco (1892-1975). Ditador militar, conhecido como “o Generalíssimo”, que depois da derrota da Segunda Republica e a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) implantou em toda a Espanha um regime fascista que produziu centenas de milhares de vitimas mortais que pereceram em campos de concentração, execuções extrajudiciais ou na prisão. Foi chefe de Estado da Espanha de 1936 até sua morte.

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