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quinta-feira, março 28, 2024

América Latina: o avanço da dominação imperialista (Parte 3)

Nesta terceira parte do artigo, analisaremos outros aspectos da dominação imperialista na América Latina: o controle dos mercados financeiros e as consequências políticas, como a presença militar direta e a renúncia à soberania jurídica.

Por: Alejandro Iturbe

Já nos referimos ao significado da dívida externa/pública, do seu refinanciamento e de suas novas emissões. No entanto, o controle do sistema financeiro-bancário dos países também é exercido “de dentro”. Um controle que excede o número de instituições bancárias estrangeiras (cuja proporção sobre o total de bancos aumentou) e até mesmo o volume de depósitos ou créditos internos que administram. De conteúdo, os sistemas bancários dos países latino-americanos são controlados pelo capital financeiro imperialista, às vezes muito nitidamente, e outras não tão evidentes.

Na Argentina, por exemplo, houve uma redução acentuada no número de bancos, que passou de 167 entidades em 1991 para 66 em 2010. Em 1997, os bancos públicos totalizavam 35 (entre federais, estaduais e municipais), em 2010 havia apenas 10. Os outros foram privatizados ou fechados. Os bancos privados com capital nacional foram reduzidos de 104 para 33. Os bancos estrangeiros passaram de 31 para 21, principalmente devido a fusões entre eles, ao mesmo tempo em que adquiriram vários bancos nacionais. Ou seja, passaram de 18.6% das entidades bancárias para 32% delas [1].

Mas, como já dissemos a questão central não é o número de instituições, mas “o papel cada vez mais importante que desempenham na dinâmica do mercado financeiro argentino e o papel negativo que exercem em tempos de crise financeira, como ocorreu em 2001-2002” [2] quando houve fuga de dólares do país, que tinham sido depositados pelos seus clientes e eles restituíram menos de 1/3 desses dólares.

Um papel que vem crescendo com sua posição de intermediário para a venda dos títulos da dívida externa emitidos pelo governo de Mauricio Macri desde 2015 (denominado LEBAC). Para completar o quadro, o FMI instalou um escritório no próprio Banco Central para monitorar o acordo assinado com o governo e controlar sua política monetária.

No Brasil, a presença dos bancos estrangeiros não aparece tão exposta, exceto pela grande expansão do Santander após comprar o antigo Banespa (Banco do Estado de São Paulo). Contudo, seu peso no mercado financeiro nacional é enorme. Durante os dois governos de Lula (2002-2010), o presidente do Banco Central foi Henrique Meirelles, com uma longa carreira nos bancos internacionais: foi presidente regional do Bank of Boston e membro do Conselho do Lloyd britânico. A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, nomeou Joaquim Levi como ministro da Fazenda, economista formado na Universidade de Chicago e ex-colaborador do FMI e do Banco Central Europeu. Meirelles retornou após os primeiros planos e foi até recentemente ministro de Finanças do governo de Michel Temer.

Se as próximas eleições fossem ganhas pelo ultradireitista Jair Bolsonaro, nada mudaria: seu principal ideólogo econômico é o banqueiro Paulo Guedes (Banco Pactual), que já anunciou que a equipe econômico-financeira de um governo Bolsonaro seria Alexandre Bettamio, atual presidente executivo para América Latina do Bank of America e um representante do mais alto nível do Banco Santander no país [3].

Além desse domínio dos cargos de governo, existe outro mecanismo do mercado financeiro e sua dinâmica: a licitação dos títulos da dívida pública. Um seleto grupo de bancos e empresas nacionais e estrangeiras são “escolhidos” pelo Banco Central para participar dos “leilões” e comprar os títulos: Banco do Brasil, Bank of America, Merry Lynch, Banco Múltiplo AS, Bradesco, Banco Pactual, Credit Suisse, Santander, Caixa Econômica Federal, Goldman Sachs, Itaú, Renascença DTVM, Tuller Pebron Brasil, Corret Valores Cambio, XP Investimentos (adquirido pelo Itaú).

Na compra desses títulos, o Banco Central compromete-se a pagar uma taxa de juros superior à chamada “taxa Selic” (taxa de referência, hoje em 6,5%). Depois, vendem esses títulos a outros bancos e especuladores pagando a taxa Selic. Só por essa “troca de mão”, os membros do “clube dos 15” embolsam a diferença entre as taxas de juros, que depois reemprestam no mercado varejista com taxas muito mais altas. Um negócio redondo com altos lucros garantidos, sem qualquer risco [4].

No caso do México, desde a década de 1990 existe um processo de estrangeirização dos bancos. Houve um crescimento e expansão através de compra de instituições nacionais privadas do BBVA, do Citigroup, do Santander, do  HSBC e do Scotiabank [5]. Em uma conferência realizada há alguns anos, Claudia Achatan, diretora do escritório regional da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, que atua no âmbito da ONU), citou um estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos) que indica que as filiais que os bancos estrangeiros têm no México são as que apresentam maiores taxas de lucro reportadas às suas matrizes, dentre todas as filiais que possuem no mundo [6].

O caso de México é, de certo modo, mais profundo que o da Argentina ou do Brasil: o Banco do México (que reúne as funções de banco emissor e  de controle monetário com a instituição estatal comercial e de crédito) tem “autonomia”, desde 1994. Isto significa que “o Banco não pode ser obrigado a emprestar dinheiro ao Governo, no qual opera com independência orçamental e de gestão e em que ele mesmo determina as suas políticas e instrumentos para atingir o seu objetivo prioritário de manutenção da estabilidade de preços, bem como desempenhar suas outras funções” [7].

O imperialismo procura impor esse tipo de funcionamento “autônomo” dos bancos centrais dos países latino-americanos porque lhe permite eliminar “intermediários” (governos e parlamentos) para implementar suas políticas. Basta dizer que o atual presidente do Banco do México (nomeado por Enrique Peña Nieto em 2017) é Alejandro Díaz de León Carrillo, formado com um mestrado em Administração Pública e Privada na Escola de Administração da Universidade de Yale (integrante da elite universitária do imperialismo norte-americano). Antes, ele havia sido Diretor Geral do Bancomext (Banco Mexicano de Comércio Exterior, estatal) encarregado de implementar os acordos do NAFTA. López Obrador já anunciou que não modificará nada desta realidade: “Em matéria econômica, a autonomia do Banco de México será respeitada; o novo presidente manterá disciplina financeira e fiscal; os compromissos contraídos com empresas e bancos nacionais e estrangeiros serão reconhecidos.” [8].

Em alguns países, as coisas estão ainda mais avançadas, porque adotaram diretamente como moeda o dólar: El Salvador, Panamá e Equador. Já é um elemento de tipo colonial, porque esses países renunciaram completamente a qualquer soberania financeira ou política monetária própria (mesmo que seja muito limitada, como naqueles que preservam sua própria moeda).

Renúncia à soberania jurídica

A soberania jurídica é o poder de um Estado para ter seu próprio sistema judicial regido por sua própria legislação e para resolver dentro desse contexto institucional os processos que se originam em eventos que ocorrerem em seu território. Uma colônia não tem soberania judicial porque os dois elementos do sistema (tribunais e legislação) são determinados pela metrópole.

A verdade é que, nas últimas décadas, os países latino-americanos renunciaram permanentemente à sua soberania jurídica, em vários casos. Ou seja, as diferenças ou processos que surgem são resolvidas em tribunais estrangeiros, especialmente em Nova York, porque existem cláusulas específicas sobre esse ponto.

O primeiro caso é o dos títulos da dívida externa. Vejamos um exemplo: em 2004, o governo argentino de Néstor Kirchner negociou com a maioria dos credores uma redução do valor nominal dos títulos [9]. Um pequeno setor, os chamados “fundos abutres” (que representava 1% do total da dívida nominal), recusaram-se a entrar nesse acordo: tinham comprado seus títulos no mercado (a um preço muito menor que o nominal) e queriam obter um lucro especulativo maior. Portanto, eles utilizaram a cláusula específica e recorreram aos tribunais de Nova York para exigir um pagamento maior. Finalmente, após um longo processo, o juiz Thomas Griesa decidiu em favor dos “abutres” [10]. Essa decisão custou à Argentina 5.4 bilhões de dólares [11].

As mesmas condições aplicam-se no caso de muitas privatizações de empresas estatais que passam para as mãos de empresas imperialistas: “Por exemplo, todas as privatizações incluem cláusulas de cessão de soberania jurídica; ou seja, os litígios envolvendo empresas privatizadas, mesmo com o próprio Estado nacional, são resolvidos nos tribunais de Nova York” [12]. Finalmente, todos os tratados de livre comércio nos quais o imperialismo norte-americano participa contêm cláusulas similares. É o caso do NAFTA (agora mantido no novo tratado com México) e do CAFTA-RD [13].

A presença militar norte-americana

Outro aspecto muito importante desse processo que estamos analisando é a crescente presença permanente de tropas norte-americanas na América Latina.

No processo de constituição da OEA (Organização de Estados Americanos) foi assinado o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) no Rio de Janeiro (1947), que propunha uma ação militar comum e solidária dos países americanos contra “agressões externas”. O tratado foi frequentemente invocado pelos EUA durante a “guerra fria” e a “luta contra o comunismo”. Por exemplo, Cuba foi excluída após a revolução de 1959. De fato, este Tratado eclodiu em 1982, durante a guerra de Malvinas entre Argentina e Grã-Bretanha, já que o governo argentino exigiu sua aplicação, mas o governo de Ronald Reagan recusou este pedido argumentando que Argentina era o agressor e deu seu apoio a Grã-Bretanha. Nesse momento apareceu por completo o caráter do TIAR: só poderia ser aplicado se estivesse a serviço do imperialismo.

Paralelamente ao TIAR e após a sua eclosão, os EUA foi construindo uma rede de bases militares na América Latina. Atualmente, o país do norte possui bases militares permanentes nos seguintes países da região (por ordem alfabética): Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru [14]. A eles, devemos acrescentar a de Guantánamo (Cuba) e a de Porto Rico (país que tem o status de “Estado Associado Livre” com os EUA). E também existe uma base militar britânica nas Ilhas Malvinas (usurpadas da Argentina).

Mas a presença militar não se limita às bases. Também se expressa nas operações periódicas de “treinamento” que são realizadas em diferentes países, sejam bilaterais ou múltiplos, com tropas de várias nações; no patrulhamento conjunto da costa centro-americana; nas operações com a DEA norte-americana, camuflada como “luta contra o narcotráfico”, etc. Tanto as bases permanentes como estas operações são supervisionadas pelo Comando Sul, uma divisão do Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos EUA). Devemos incluir também a assessoria permanente e a venda de tecnologia repressiva que de modo crescente realizam o Estado e as empresas israelenses aos governos latino-americanos.

Esta presença militar está crescendo. Por exemplo, a Argentina não possui bases militares norte-americanos de caráter permanente, mas nos últimos meses, o governo de Mauricio Macri solicitou a presença de oficiais e tropas desse país “para instruir soldados, policiais e agentes de polícia” [15]. Um pequeno contingente dessas tropas foi instalado na região da Patagônia. Essa situação transgride a legislação argentina, pois exigiria autorização do Congresso Nacional (algo que o governo Macri não fez).

O caso do Haiti merece consideração especial. Entre 2004 e 2017, tropas de vários países (camufladas como “missão de paz” da ONU – Minustah) invadiram e ocuparam militarmente o país, criando uma situação colonial ao serviço do imperialismo ianque. O principal contingente dessas tropas (e o comando da Minustah) esteve a cargo do Brasil, mas também participaram tropas de vários países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guatemala, Peru, Paraguai e Uruguai). Este é um dos episódios mais vergonhoso da história latino-americana.

Algumas conclusões

No passado, para defender seus interesses na América Latina, quando os considerava ameaçados, o imperialismo norte-americano não hesitou em recorrer a golpes de Estado sangrentos e invasões militares (a chamada política do “grande porrete”). A lista de eventos originados nesta política é muita longa. Mas depois de sua derrota na Guerra do Vietnã (1963-1975) viu-se forçado a mudar de táticas políticas e passar a utilizar outros métodos: pactos, negociações, e instituições da democracia burguesa. Usando a imagem do burro que pode avançar na direção que se quer através do porrete ou de uma cenoura colocada a sua frente, ele priorizou a cenoura (diplomacia) sobre o garrote.

Isto significa que, para defender seus interesses, operou com diferentes tipos de governos burgueses nos países latino-americanos. Alguns se diziam de “direita”, outros de “esquerda”. Alguns destes últimos, inclusive exerceram alguma resistência (vamos analisar no próximo artigo desta série). Mas todos acabaram indo na direção que o imperialismo queria e aceitando o aprofundamento do domínio imperialista.

Um aprofundamento que leva ao surgimento de características coloniais: presença militar permanente, renúncia da soberania jurídica, supervisão rígida da política econômica e monetária, etc. É por isso que alguns autores falam de um “processo de recolonização” ou de uma situação “neocolonial”.

A verdade é que os governos e os regimes políticos dos países latino-americanos não são mais expressão da “independência política nacional” à qual Lenin se referia, e tendem, cada vez mais, a expressar instituições políticas, jurídicas e militares completamente subordinadas ao imperialismo. Além da categoria com a qual denominamos essa situação (e o grau de avanço que se tenha dado em cada país), existe uma contradição antagônica entre os interesses e necessidades dos trabalhadores e dos povos dos países latino-americanos e desses governos e regimes (sejam autoritários ou eleitos pelo voto). Algo que se expressa, de forma combinada, tanto em suas crises como nas lutas populares contra eles. No último artigo desta série, vamos desenvolver o programa que os socialistas revolucionários apresentam para resolver esta contradição antagônica.

Notas

[1] Dados extraídos do site do Banco Central da República Argentina (BCRA) em http://www.bcra.gov.ar/

[2] BURACHIK, Gustavo Martín. “A estrangeirização das grandes empresas na Argentina”, Problemas de Desenvolvimento vol. 41 nº 160, México, janeiro-março de 2010, em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0301-70362010000100006

[3] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/bolsonaro-ja-busca-executivos-do-setor-privado-para-governo-e-estatais.shtml

[4] Extraído do Jornal Opinião Socialista 561 sobre dados, em www.tesouro.fazenda.gov.br/dealers

[5] Dados retirados do artigo “Os bancos estrangeiros no México” de Javier González e Pablo Peña, publicado em Estudos Econômicos CNBV, vol. 1, 2012, em https://www.cnbv.gob.mx/CNBV/Estudios-de-la-CNBV/Estudios%20de%20investigacion/Banca_extranjera_en_M%C3%A9xico.pdf

[6]http://www.jornada.com.mx/2006/08/24/index.php?section=economia&article=026n1eco

[7] http://www.anterior.banxico.org.mx/preguntas-frecuentes/

[8] https://lopezobrador.org.mx/2018/07/02/palabras-amlo-con-motivo-del-triunfo-electoral-del-1-de-julio/

[9] Uma análise do significado profundo dessa redução no valor nominal da dívida externa da Argentina será feita no próximo artigo desta série.

[10] https://www.lanacion.com.ar/1717132-el-fallo-del-juez-thomas-griesa-la-situacion-de-la-argentina-y-las-consecuencias-para-el-mundo

[11] https://negocios.elpais.com.uy/noticias/griesa-fallo-ordeno-argentina-pague-us-acreedores.html

[12] PETRAS, James; América Latina: imperialismo, recolonização e resistência, p. 48, em: https://books.google.com.br

[13] DÁVALOS, Pablo; “Os Acordos de Livre Comércio e a Privatização da Soberania Política”, em: https://www.alainet.org/es/active/25505

[14] Os dados extraídos de https://www.hispantv.com/noticias/ee-uu-/368879/bases-militares-amenaza-paises-latinos e https://distintaslatitudes.net/bases-militares-de-estados-unidos-en-america-latina

[15] https://www.hispantv.com/noticias/argentina/382462/tropas-estados-unidos-orden-macri-controversia

Tradução: Rosangela Botelho

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