Bélgica
Greve geral para o país
dezembro 15, 2014
A greve geral organizada pelas 3 centrais sindicais da Bélgica, a FGTB (ligada à socialdemocracia), a CSC (ligada à democracia cristã) e a CGSLB (ligada aos liberais) parou o país, nesta segunda-feira 15/12. Nós participamos dela desde Bruxelas, a capital.
A greve começou na noite do dia anterior quando cerca de 80 pessoas entre ativistas sindicais, membros de partidos de esquerda da Bélgica e membros da LIT-QI da Corriente Roja (Estado Espanhol), ISL (Grã Bretanha) e PSTU (Brasil) fizeram uma ocupação simbólica do Centro Operacional da Gare du Midi, a principal estação de trens de Bruxelas.
No Centro Operacional, os ativistas fizeram a contagem regressiva “10, 9, 8,…, 3, 2, 1” nos 10 segundos finais da troca do turno dos operadores. Alguém gritou “aperta o botão” e os trens que estavam nas plataformas não mais sairiam, pois o turno que estava presente abandonou seus postos e não havia ninguém para substituí-los. O turno seguinte não compareceu. O enorme painel do Centro Operacional mostrava uma linha de luzes vermelhas para cada plataforma, indicando que todos os trens estavam parados. A primeira greve geral na Bélgica em 28 anos começava.
Segundo a BBC, a greve parou os transportes aéreos, com o cancelamento de cerca de 600 voos, ferroviário, com a paralisação de todas as viagens e transporte de cargas por trem e o transporte rodoviário. O porto de Antuérpia também não operou.
A primeira grande reação dos trabalhadores ao plano de austeridade do governo de direita do primeiro-ministro Charles Michels mostra que a resistência será grande. Esta ação havia sido precedida por greves regionais e um ato nacional com cerca de 120 mil pessoas em 06/11. Não é para menos. O pacote econômico do governo quer cortar 11 bilhões de euros nos próximos 5 anos.
Segundo um boletim da CGTB dirigido aos indecisos, intitulado ironicamente “Eu não faço greve”, as perdas para os trabalhadores serão enormes:
- Perda de 720 euros/ano devido à desindexação salarial pela inflação no próximo ano;
- Congelamento salarial por dois anos;
- Aumento da idade de aposentadoria para 67 anos;
- Redução das aposentadorias entre15 e 20%;
- Redução dos impostos pagos pelas empresas;
- Cortes dos serviços públicos; entre outros ataques.
Outra ameaça é a privatização do transporte ferroviário, que atualmente é a principal estatal da Bélgica, e com setor de trabalhadores mais combativo. Uma mostra disso pôde ser vista na ocupação do centro operacional.
Manhã do dia 15/12: Bruxelas
Os piquetes na Gare du Midi começaram cedo. O objetivo era impedir o trabalho no prédio administrativo da estatal. Em todas as entradas havia ativistas que bloqueavam não apenas as portas do edifício, mas também suas ruas de acesso. Isto impedia que todo o trânsito local passasse por ali.
Durante toda a manhã os piqueteiros ficaram postados, enfrentando o início do inverno europeu, mas aquecidos por fogueiras que eram acesas em tambores ou no próprio asfalto. A principal função era orientar motoristas que queriam saber como chegar aos seus destinos devido ao bloqueio das ruas ou impedir que alguns mais afoitos tentassem quebrar o bloqueio. Durante todo o período apenas um motorista avançou sua pick-up e trombou com um dos tambores de lixo colocados no meio da rua, atravessando o piquete.
A polícia passava pelos locais dos piquetes, mas em nenhum momento tentou tirar os obstáculos colocados no meio das ruas. A única exceção foi quando uma “bikeata” de apoio à greve aproximou-se e os policiais pediram para desbloquearmos a rua e darmos passagem aos ciclistas. Pelo menos uma centena deles, enfrentando a garoa que caia naquele momento, passou por nós saudando a todos e recebendo aplausos dos piqueteiros e pararam no próximo piquete onde havia uma grande barraca e música. Um clima de festa se instalou.
Nenhum ônibus do transporte público passou pelas ruas em volta à Gare du Midi e a informação que tivemos foi que o metrô também estava 100% parado. No metrô dois piquetes foram formados, o dos metroviários e o dos trabalhadores da limpeza do metrô. Este último era formado por ativistas em greve há 3 meses, devido à demissão de seus delegados sindicais por uma das empresas de limpeza terceirizadas. Mas o trânsito de automóveis não aumentou por causa disso. Ao contrário, estava ainda menos movimentado que nos dias normais de trabalho. Uma indicação do sucesso da greve.
Um funcionário da prefeitura que mora perto da Gare du Midi passa pelo piquete e informa que sua “comuna” [uma das 19 prefeituras de Bruxelas] estava parada. Certamente todas as demais comunas de Bruxelas seguiram seu exemplo.
Era cerca de meio-dia quando os piqueteiros, satisfeitos com o sucesso da greve, começaram a preparar um churrasco de linguiça e frango, aproveitando o carvão formado pelas fogueiras. No país que produz uma das melhores cervejas do mundo, este acompanhamento não poderia ficar de fora, e cada um de nós se permitiu tomar uma “long-neck” com um sanduíche.
Manifestações na parte da tarde
As centrais sindicais não convocaram nenhuma manifestação para o dia da greve. Se o tivessem feito, reuniriam milhares de trabalhadores no centro da cidade.
Mas os ativistas organizaram um ato pelas redes sociais em frente ao parlamento de Bruxelas, onde se concentraram cerca de 500 pessoas e, em seguida, em frente à sede do partido de direita N-VA, que faz parte da coalizão no governo comandada pelo partido do primeiro-ministro, o MR (Movimento Reformador).
Aí ocorreu a primeira ação da polícia. Após a passagem de uma coluna de ativistas, rapidamente um bloqueio com uma cerca de arames foi formado e, atrás dele, a tropa de choque se postou para impedir a aproximação à sede do partido governista. Após cantos de palavras de ordem contra a ação policial, que davam conta de se tratar de uma polícia e justiça de classe, uma chuva de ovos foi disparada, que acertaram a rua, os prédios, os capacetes, escudos e roupas dos policiais. Alguns diziam que foram comprados 60 dúzias de ovos para a ação. Aparentemente é uma “tradição” por aqui.
O dia estava completo, a greve geral havia sido um sucesso, com a capital e, provavelmente, todo o país parados.
No fim da tarde rumamos para uma reunião com ativistas sindicais chamada pela LCT (Liga Comunista dos Trabalhadores), seção belga da LIT-QI. Nela, seriam trocadas informações sobre as lutas dos trabalhadores na Bélgica, Estado Espanhol e Inglaterra contra os ataques dos patrões e seus governos nesta guerra social que se instalou na Europa desde o início da crise econômica mundial. Se a tarefa dos ativistas sindicais estava completa com o sucesso da greve, podemos dizer que nesta reunião começava nossa tarefa de revolucionários internacionalistas: ajudar na construção do partido revolucionário na Bélgica.