México
“Quiseram nos enterrar, não sabiam que éramos semente”
dezembro 2, 2014
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Chego à estação de metrô Hidalgo, uns 2km de distância do Zócalo, concentração principal dentre tantos lugares que os manifestantes se encontram. Muita gente por ali, mas ainda não é possível saber se estão lá pela marcha ou é um dia normal numa zona conurbada (Cidade do México e cidades vizinhas) de 20 milhões de pessoas.
Aos poucos percebo que sim, é a marcha. Há muita euforia, tensão e angústia para apenas uma passagem sem objetivos pelo centro. Quando chego à superfície ouço vozes muito fortes, cantando em um bloco de 200 pessoas, cercados por um cordão para não perderem-se. São jovens de 15 ou 16 anos, muito obstinados, sérios e bem organizados. Pertencem ao ‘prepa 9’ escola secundária por aqui. Quando passo por eles estão cantando “Alerta, alerta, alerta que camina: la lucha estudantil por América Latina!”.
Saio correndo porque já estou atrasada para meu encontro com camaradas da velha guarda trotskista mexicana. Pelo caminho, encontro muitos outros grupos parecidos ao ‘prepa 9’, são estudantes da cidade e de outras vizinhas, todos em cordões. As referências à América Latina aparecem em todos os grupos “Por que, por que, por que me asesina, se soy la esperanza de América Latina?”. Encontro o grupo que me aguardava, ali também estavam maoístas e dirigentes sindicais. Muitas bandeiras vermelhas, carros das centrais sindicais e uma música que conheço e gosto há muito tempo “Hasta siempre (comandante Che Guevara)”.
Dirijo-me ao Zócalo, local da saída da manifestação. Muitos contingentes pelo caminho, indo e voltando. A organização do ato conta com um pequeno carro de som como vários outros pelo centro, o que gera muita dispersão. Nesse caminho até o Zócalo encontro os primeiros cordões que não são estudantis, principalmente de professores, mas também de profissionais de saúde, vestindo seus jalecos, ou outros trabalhadores que terminam o expediente e vão para a Marcha. Algumas bandeiras de todas as cores são alçadas em busca de membros desgarrados do grupo. A confusão e o número de pessoas aumentam agora, vários cantos se misturam, várias orientações divergem. Um cartaz, porém, toma conta da Marcha. É o “Fuera Peña!” ao lado de uma imensa fotografia do presidente.
No preparo para a saída a orientação mais atendida é a dos pais dos normalistas. Antes, porém, um canto de esperança que todos seguem com muita força: “Ahora, ahora se hace indispensable, presentación con vida y castigo a los culpables!”. Sigo mais rápido que a Marcha, iria novamente encontrar os “compas”. No caminho, mais contingentes e uma música que novamente eu conhecia e gostava. Esperei chegar mais perto para reconhecer, era tocada por um senhor com idade bastante avançada, mas firme no sopro do saxofone. A Internacional.
Chego novamente ao encontro de meus camaradas. Por ali há uma disputa dos cartazes, todos querem o “Fuera Peña!”, já não havia mais. A Marcha começa e nosso ‘bloco’ decide esperá-la passar, decido gravar. Agora sim é possível ver sua magnitude: gravei 10, 20, 30, 40, 50 minutos e a Marcha continuou passando, minha bateria acabou.
Desde a saída do metrô, por diversas vezes, estive muito emocionada. Nada foi mais forte, porém, do que o garotinho – se muito com seus 4, 5 anos – chamando o coro a segui-lo: “Vivo se los llevaron”, gritou o mais forte que pode e a multidão atrás respondeu: “Vivos los queremos!”. Um sentimento coletivo transbordava de todos os grupos, velhos e jovens, ‘estamos fazendo algo muito importante, não vamos deixar a luta’. A seriedade nos muito jovens e a esperança nos muito velhos deixava transparecer. As mulheres, de vozes mais altas e fortes – verdadeiros megafones – puxavam a maioria das consignas. Junto com os temas educacionais, e América Latina (esse sentimento que infelizmente pouco temos como consciência coletiva!), ‘Renuncia /Fuera Peña Nieto!’ foi ganhando espaço e tomando conta de cada grupo.
Já era noite, quase 4 horas depois do início, a Marcha segue pela avenida Reforma. No caminho todos os monumentos públicos (são vários) e pontos de ônibus ou propaganda em geral trazem a marca das marchas anteriores: são pichações, desenhos e cartazes sobre Ayotzinapa (sempre com o número 43 em destaque), os presos políticos e “Fuera Peña. São marcas que provavelmente não estariam ali se não fosse o momento político do país. Quem se atreveria a apagá-las?
Finalmente estamos chegando ao nosso destino, o “Ángel de la Independencia”. No entanto, para nosso grupo não é possível chegar mais próximo do que 1km de distância, as pessoas à frente são muitas. Olho para um último cartaz de uma frase já muito conhecida por mim, mas que agora ganha um novo e imenso significado “Quisieron enterrarnos pero no sabian que eramos semilla”*. Um dia inesquecível para mim, uma nova demonstração de força do povo mexicano.