Uncategorized
Nahuel Moreno, um militante pela classe operária, pelo socialismo e o internacionalismo
janeiro 26, 2012
Na calorenta tarde de verão do sábado, 26 de janeiro de 1987, uma compacta coluna de mais de dez mil pessoas marcha do centro de Buenos Aires até o cemitério do bairro de Chacarita, acompanhando os restos de Nahuel Moreno. Portando numerosas bandeiras vermelhas, há operários industriais, professores, jovens estudantes e famílias inteiras provenientes dos bairros mais populares da Grande Buenos Aires.
Alguns passaram toda a noite no velório realizado na sede central do MAS (Movimento ao Socialismo), outros chegaram de manhã, incluindo as delegações do interior. Os companheiros de Neuquén (na longínqua cordilheira patagônica) viajaram mais de 24 horas em ônibus para estar presentes.
Sob um sol implacável, a tristeza dos participantes não podia ser ocultada: até nos rostos mais duros e curtidos veem-se lágrimas. No entanto, a coluna, ao mesmo tempo em que avança a passo lento, canta: “Vamos recordá-lo, vamos recordá-lo, ao companheiro Moreno, construindo o MAS e a Internacional”.
Os jornais de Buenos Aires informam perplexos a numerosa homenagem a um dirigente que era quase desconhecido publicamente. A estranheza aumenta ao saber que há várias delegações internacionais presentes e que de muitos locais do mundo chegaram condolências, incluindo as de centrais sindicais da Bolívia, Brasil, Colômbia e Espanha.
Em uma carta, o conhecido dirigente trotskista belga Ernest Mandel diz: “Com ele desaparece um dos últimos representantes do grupo de quadros dirigentes que, após a Segunda Guerra Mundial, mantiveram a continuidade da luta de Leon Trotsky em condições difíceis…”. Por sua vez, Hugo Blanco, que foi um grande dirigente dos camponeses de Cuzco, no Peru, expressa: "Reconheço nele o meu maior mestre do marxismo”.
Muitos anos após sua morte, Nahuel Moreno segue presente na vida política de importantes setores da esquerda latino-americana e mundial. Ao cumprir-se 20 anos do seu falecimento, o PSTU organizou em São Paulo, Brasil, um ato com cerca de 3.000 pessoas, entre as quais se contavam várias delegações internacionais. Atualmente, numerosas organizações políticas da América Latina e Europa reivindicam-se “morenistas”. Ao mesmo tempo, outras organizações trotskistas e de esquerda conformam o seu perfil político criticando (e às vezes falsificando) suas posições.
Quem foi, então, Nahuel Moreno, para merecer aquela homenagem de 1987 e esta presença política atual? Tentaremos responder a esta pergunta neste artigo. O nosso objetivo não é escrever uma biografia, nem sequer um esboço biográfico tradicional. Já existem trabalhos neste sentido e, em todo o caso, uma biografia completa ainda está por ser escrita. Apresentaremos o que consideramos os principais elementos de sua longa trajetória militante e alguns critérios centrais que, desde o nosso ponto de vista, conformam o “morenismo” como uma corrente específica na esquerda em geral e no trotskismo em particular.
Uma terceira via
Começaremos pelo mais evidente. Hugo Bressano Capacete nasceu em 1924, em um pequeno povoado da província de Buenos Aires, Argentina. Muito jovem, aos 15 anos iniciou sua militância revolucionária nas fileiras do trotskismo e permaneceu nelas até sua morte. Nos seus quase 50 anos de militância fundou, construiu ou orientou numerosas organizações na Argentina, América Latina e outros países, e também teve uma destacada militância internacional.
No entanto, este brevíssimo resumo não explica o significado nem a característica própria dessa militância. Para fazê-lo, vamos abordar os fatos de dois ângulos. O primeiro refere-se ao processo vivido pelo movimento trotskista e pela IV Internacional no segundo pós-guerra e a localização de Moreno nesse contexto.
O pequeno núcleo de quadros e militantes trotskistas agrupados na IV, após o fim da Segunda Guerra Mundial, viu-se submetido a duras pressões e provas, com uma direção muito débil e inexperiente. E sem a presença de Trotsky e sua grande experiência revolucionária acumulada.
Por um lado, a guerra produziu, de acordo aos prognósticos prévios de Trotsky, um grande ascenso revolucionário na Europa e outras regiões do mundo e o surgimento de novos Estados operários que se somavam à URSS. Mas, por outro, contra aqueles prognósticos, a IV não ganhou influência de massas e incidência nesses processos, mas continuou sendo um pequeno núcleo. Ao contrário, foi o stalinismo que os dirigiu. Algo que, somado ao papel da URSS na derrota do nazifascismo, converteu-o na direção indiscutível do movimento operário e de massas mundial.
Neste contexto, a maioria da nova direção da IV não passou pela prova da luta de classes. Ante essa realidade, as organizações trotskistas tenderam a dividir-se em duas grandes correntes. Uma delas, que assumiu a direção da IV – encabeçada por Michel Pablo e Ernest Mandel – adotou um curso oportunista. No seu afã de intervir nos processos revolucionários em curso e unir-se a eles, capitulou às suas direções burocráticas e pequeno-burguesas. Primeiro ao stalinismo, depois ao titoísmo (Iugoslávia), posteriormente aos movimentos nacionalistas burgueses, ao castrismo, etc. Em função dessa capitulação, criava "teorias justificativas" e abandonava os princípios e a estratégia. Chegaram ao cúmulo de se recusar a defender a retirada do Exército Vermelho quando explodiram as revoluções políticas em Berlim Oriental (1953) e na Hungria (1956).
A outra corrente tomou um curso sectário: como os processos não seguiam os prognósticos de Trotsky, não eram consideradas revoluções nem novos Estados operários. Ao não os reconhecer, incapacitavam-se para intervir nesses novos processos revolucionários e se refugiaram em uma defesa propagandística do programa, da estratégia e dos princípios. Posteriormente, várias destas organizações (especialmente o healismo inglês e o lambertismo francês) separaram-se da construção centralizada da IV, transformando-se no que Moreno denominava nacional-trotskismo. No melhor dos casos, construíram débeis organizações internacionais colaterais.
O SWP, então o partido trotskista mais forte e o que contava com os quadros mais experimentados (vários deles educados pelo próprio Trotsky) apesar de que teve posições semelhantes às de Moreno em relação tanto à defesa das revoluções políticas na Hungria e Alemanha Oriental como no reconhecimento dos novos Estados operários deformados no Leste e em Cuba, padecia de um desvio que o levaria a jogar um papel extremamente negativo na crise da IV. O SWP nunca assumiu a tarefa central de construir uma direção da IV, que lhe correspondia por seu peso e experiência. Os seus dirigentes não viam como sua grande tarefa ser o eixo de construção da Internacional e, de fato, viam a IV como uma federação de partidos e não uma direção internacional centralizada. Dessa forma, esse partido foi responsável por omissão pela crise vivida por esta organização. E essa concepção, finalmente, levou-o a revisar o próprio trotskismo e a se transformar em grandes capituladores ao stalinismo e ao castrismo nos anos 80.
Nesse contexto, Moreno tentou construir, por assim o dizer, uma “terceira via”. Manteve uma defesa intransigente dos princípios e da estratégia. Mas, ao mesmo tempo, procurou elaborar explicações marxistas para os novos fenômenos e realizou as necessárias atualizações programáticas. Ao mesmo tempo, teve sempre a obsessão de que as organizações trotskistas, especialmente as que ele dirigia, interviessem e se construíssem nos processos concretos da luta das massas, aproveitando as oportunidades e superando a marginalidade que as caracterizava.
Uma obsessão pela intervenção e inserção no movimento operário
Em sua longa trajetória, Moreno mostrou-se um “mestre” na arte de elaborar e propor táticas concretas para intervir na realidade, aproveitar as oportunidades que esta oferecia e construir organizações no seio do movimento de massas, especialmente na classe operária. Provavelmente esta característica seja fruto de sua militância na Argentina; a necessidade de superar, ao mesmo tempo, a esterilidade do “trotskismo de café” imperante no seu país nessa época e o obstáculo que o peronismo, um dos movimentos nacionalistas burgueses mais fortes da história, representava ao objetivo de difundir as ideias revolucionárias entre a classe operária.
Baseado em análises rigorosas das diferentes situações da Argentina e de outros países, as numerosas táticas propostas, “possíveis” e “aplicáveis”, conformam, no seu conjunto, um verdadeiro “catálogo” de construção revolucionária. Abrange desde as intervenções nos processos eleitorais e o aproveitamento da legalidade até a militância na mais absoluta clandestinidade ou a luta armada contra as ditaduras, passando pela participação nas lutas e a organização sindical dos trabalhadores.
Seria muito longo enumerar todas elas. Queremos destacar principalmente aqueles momentos em que as organizações orientadas por Moreno conseguiram “romper o cerco” da marginalidade e serem partícipes destacadas de importantes processos da luta de classes.
Entre 1956 e 1958, o pequeno POR argentino edita, com ativistas operários peronistas combativos, o jornal Palavra Operária, do qual se vendiam milhares de números. Sua influência nas fábricas permitiu que o POR tivesse um peso muito importante nas principais greves desses anos e codirigisse a Resistência Peronista contra a ditadura militar.
Nos primeiros anos da década de 1960, Hugo Blanco (estudante peruano captado na Argentina pelo grupo de Moreno) volta ao Peru onde organiza e dirige os sindicatos e a luta dos camponeses de Cuzco pela reforma agrária. Transforma-se assim, segundo palavras do próprio Moreno, no “mais importante dirigente de massas trotskista após Trotsky”.
Em 1979, o PST da Colômbia organiza a formação da Brigada Simón Bolívar que vai combater na Nicarágua contra a ditadura de Anastasio Somoza, junto às forças da FSLN. Nos combates, a Brigada tem três mortos e vários feridos. Desta forma, militantes e simpatizantes trotskistas têm o orgulho de intervir diretamente em um grande processo revolucionário e na derrubada de um dos mais sangrentos ditadores do continente latino-americano.
Nesse mesmo ano, os militantes da Convergência Socialista chamam a construção de um Partido dos Trabalhadores no Brasil. No IX Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, em Lins, José Maria de Almeida propõe um manifesto que propõe que "todos os trabalhadores brasileiros a unam-se na construção do seu partido, o Partido dos Trabalhadores". A moção é aprovada, apesar da posição de Lula naquele momento: participar no MDB, uma frente burguesa de oposição à ditadura. Também foi levantada pelos morenistas a política de construir uma nova central, a CUT, para derrubar os burocratas pelegos. Assim, estiveram na vanguarda da construção de um dos maiores partidos operários do mundo e da nova central, uma das mais dinâmicas e democráticas do mundo em sua origem. Graças a isso foi possível forjar uma sólida inserção dos morenistas brasileiros na classe operária.
A partir de 1982, aproveitando as condições de legalidade eleitoral, sua participação nas lutas operárias e sua intervenção nas chapas sindicais antiburocráticas, o MAS argentino iria transformar-se no partido mais importante da esquerda do seu país e no maior partido trotskista do mundo.
Independentemente do curso posterior destas experiências, elas ficam como importantes ensinamentos de que, com uma política correta e audaz, o trotskismo pode dar importantes saltos na sua construção, inclusive em momentos aparentemente muito difíceis.
Um conselho muito profundo
O segundo ângulo de abordagem para interpretar o significado de Moreno e o morenismo refere-se a um conselho que ele dava às organizações que orientava, especialmente em momentos de crise. Ele dizia que deviam tentar ser “mais operárias, mais marxistas e mais internacionalistas que nunca”. Nessa curta frase, resumia uma verdadeira orientação para a construção dessas organizações.
Em relação a ser “mais operárias” foi algo que começou a aplicar desde o início de sua militância, quando rompe com o “trotskismo boêmio” e muda-se, com o pequeno grupo de adolescentes que formava o GOM, para a Vila Pobladora, no coração mais operário e industrial da Argentina da época.
Para ele, construir organizações trotskistas na classe operária (embora pudessem e devessem aproveitar conjunturas de construção em outros setores, mas sempre para voltar depois com essas forças à classe operária) surgia de duas razões muito profundas. A primeira é que, embora outros setores sociais pudessem ser mais dinâmicos e explosivos nas suas lutas, a classe operária era bem mais sólida e consequente em seu combate ao capitalismo. Por isso, o partido que criasse fortes raízes na classe operária seria também bem mais sólido e consequente, muito menos sujeito aos vaivéns conjunturais.
A segunda razão é profundamente estratégica. Ele assinalava que o nosso modelo de revolução socialista só poderia ser levado adiante com a mobilização autodeterminada e permanente da classe operária. Embora demorássemos mais tempo, ali devíamos construir-nos e impulsionar esse processo. Não se podia enganar a história procurando atalhos e nos construindo como uma corrente camponesa ou plebeia urbana, porque isso nos levaria, inevitavelmente, a profundos desvios da nossa estratégia.
Em relação a ser “mais marxistas”, Moreno referia-se, por um lado, à necessidade de estudar com profundidade, baseados nas ferramentas teóricas do marxismo, os novos fenômenos e processos que não se enquadravam nos velhos esquemas e, se necessário, corrigir essas ferramentas teóricas para que respondessem às novas realidades. Por outro lado, tratava-se de estudar com profundidade as situações do mundo e de cada país para, a partir daí, elaborar as políticas e orientações corretas. Ele assinalava que se devia fazer política revolucionária como um bom médico, que só indica um tratamento após realizar os exames necessários e elaborar um cuidadoso diagnóstico. Várias vezes criticou dirigentes nacionais da sua corrente e qualificou-os “curandeiros” por não cumprir este requisito e trabalhar só em base a intuições e golpes de vista que, inevitavelmente, ficavam sujeitos às pressões, modas ou falsas aparências da realidade.
Em relação a ser “mais internacionalista”, no livro Conversando com Moreno (1985), ele assinala que o centro das preocupações de sua extensa atividade foi a intervenção nas diferentes organizações internacionais nas quais militou. Assim como Trotsky, ele considerava não haver militância ou organização trotskista nacional se não fosse desenvolvida como parte da construção de uma organização internacional. E desde 1948, ano em que participa como delegado do POR no II Congresso da IV Internacional, foi fiel a este princípio.
Esteve em minoria nessas organizações durante longos períodos. Assim ocorreu na IV Internacional até 1953, no Comitê Internacional até 1963 e no SU entre 1963 e 1979. Mas nunca abandonou essa militância internacional nem deixou de participar ativamente das polêmicas e debates que surgiam. Em 1979, começa a construção da sua própria corrente internacional: primeiro a Fração Bolchevique (FB) e, a partir de 1982, a LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores).
Ao mesmo tempo, apesar da LIT-QI haver se transformado na corrente trotskista internacional de maior desenvolvimento e mais dinâmica, nunca caiu na tentação de autoproclamá-la “a IV”. Ao contrário, sempre pôs esse desenvolvimento a serviço da reconstrução da IV Internacional como alternativa de direção revolucionária para as massas, fato expresso em seus estatutos.
Seus escritos
Deter-nos-emos um pouco nos escritos de Moreno. A maioria dos seus trabalhos está destinada a analisar, caracterizar e orientar processos políticos concretos ou gerais e é neles onde desenvolve as questões teóricas ou conceituais. Façamos uma revisão, seguramente incompleta, deles.
Há dois que se destacam, escritos na forma de polêmica, contra as posições de Ernest Mandel. O primeiro é O Partido e a Revolução (também conhecido como “O Morenazo”), de 1973, que discute os desvios guerrilheirista, ultraesquerdista e vanguardista de Mandel. Alguns dos seus capítulos, como Partido Leninista ou Partido Mandelista, com sua análise da relação entre ação, experiência e consciência, o método para elaborar palavras de ordem e sua relação com o programa, educaram toda uma geração de quadros.
O segundo é A Ditadura Revolucionária do Proletariado onde critica um novo desvio de Mandel: a tentativa de adaptar o conceito de ditadura do proletariado ao conteúdo da democracia burguesa. Com uma clara sistematização do conceito de ditadura do proletariado e suas diferentes variantes, Moreno faz um prognóstico: se o SU aprofundar-se nesse caminho, acabará abandonando o campo do trotskismo e dos revolucionários para passar ao do reformismo. O prognóstico lamentavelmente foi cumprido.
Seus trabalhos sobre a revolução boliviana de 1952, a revolução portuguesa de 1974 e os textos de ruptura com o lambertismo (que contêm importantes elaborações sobre a frente popular e a teoria dos “campos”) também estão escritos de forma polêmica.
Seguramente, o seu trabalho mais ambicioso foi Atualização do Programa de Transição (1980) no qual Moreno procura realizar uma sistematização da análise dos novos fenômenos e processos surgidos no segundo pós-guerra e o seu reflexo no programa escrito por Trotsky em 1938.
Outros textos, particularmente os de seus últimos anos, adotam uma forma pedagógica, como As Revoluções do Século XX, Conceitos Políticos Elementares e Problemas de Organização. Refletiam a necessidade de formar e educar toda uma nova geração de milhares de quadros e militantes que ingressava no MAS e na LIT-QI.
Em relação aos trabalhados mais afastados da política concreta, cabe mencionar dois de caráter teórico-histórico. Quatro teses sobre a colonização espanhola e portuguesa na América (1948) combate a caracterização do stalinismo e outras correntes de que a colonização era feudal e não capitalista. Em Bases para a interpretação científica da história argentina sistematiza as etapas do desenvolvimento econômico e social do país e, ao mesmo tempo, realiza contribuições ao sistema de categorias para a classificação dos países. No campo puramente teórico, encontramos Lógica marxista e ciências modernas, escrito inicialmente como prefácio a um livro do norte-americano George Novack (Introdução à Lógica Dialética) e depois publicado como brochura independente. Nas suas densas páginas, Moreno reivindica a influência de Hegel em Marx, expõe brevemente as leis da dialética, apresenta uma história das lógicas e, entre elas, destaca a lógica hipotético-dedutiva descoberta por Jean Piaget, a qual considera um sistema análogo ao da lógica marxista.
Finalmente, cabe assinalar que, embora nunca tenha escrito um trabalho específico sobre economia, diferentes escritos, como Atualização ou as Teses de Fundação e o Manifesto da LIT-QI de 1984, contêm elaborações imprescindíveis para compreender a atual crise econômica.
A capacidade de autocrítica
Outro traço que queremos destacar de Nahuel Moreno é a sua capacidade de autocrítica. Todos os que o conhecemos na militância, recordamos como, dias, meses ou anos após ter defendido apaixonadamente uma posição, aparecia e dizia, ou escrevia, que tinha se equivocado e que devia corrigi-la.
Em várias ocasiões, desde a sua juventude, expressou que estava cansado de conviver com “gênios trotskistas”, dirigentes para os quais bastava construir um grupo ou partido de algumas dezenas ou centenas de militantes para reivindicar o direito de serem considerados os legítimos sucessores de Lênin ou Trotsky.
Seguramente, a principal imagem que surgia na sua mente era a de J. Posadas, primeiro dirigente autocrático do pablismo na América Latina (o seu apelido era o “vice-rei”) e depois dirigente da sua própria, em realidade bastante pequena, corrente internacional. Posadas pontificava nos seus artigos sobre “o humano e o divino”. Sem chegar a tais extremos, Mandel, a quem Moreno considerava um ser humano bem mais amável, jamais escreveu uma autocrítica, apesar de ter feito giros de 180º nas suas posições por inúmeras vezes.
Moreno, ao contrário, fez da autocrítica uma ferramenta de militância. Na polêmica sobre a revolução portuguesa, por exemplo, defendia que o essencial para a construção de um partido nos processos revolucionários era um núcleo fundacional e uma política correta. Mandel e a direção do SWP responderam-lhe que os ritmos de construção do partido revolucionário estavam limitados e condicionados pela quantidade de quadros que se conseguisse captar e educar. Anos depois, em Problemas de Organização, Moreno reconheceu seu equívoco sem nenhuma ambigüidade e o acerto de Mandel e do SWP. Ou quando sempre contava que uma das grandes linhas implementadas durante a Resistência Peronista (a tomada de fábricas com reféns) surgiu da proposta de um companheiro operário de base à qual ele era contrário inicialmente.
Chegou a elaborar, embora nunca tenha escrito, uma história da corrente morenista na Argentina, na qual as diferentes etapas de construção eram analisadas, não com base nos acertos e avanços (que em quase todos os períodos existiam), mas com base nos desvios de cada uma delas: nacional-trotskismo entre 1944 e 1948, obreirismo raivoso até 1952, movimentismo entre 1952 e 1959, desvio pró-castrista até 1967, sectarismo contra a esquerda peronista no PST, etc.
Em um momento no qual a esquerda continua povoada de “pequenos gênios” (trotskistas ou não), queremos reivindicar esta característica de Moreno, utilizada por ele como uma ferramenta de aprendizagem e construção.
Algumas considerações finais
O movimento trotskista que Moreno conheceu e no qual militou (ao qual definiu como “uma corrente ou movimento independente dos aparelhos burocráticos, embora sem unidade organizativa”) já não existe como tal. Num verdadeiro “vendaval oportunista”, setores importantes desse movimento cruzaram “a fronteira” e abandonaram o campo revolucionário, transformando-se em correias de transmissão (e vivendo à custa) da democracia burguesa e parlamentar, dos fundos do Estado ou de aparelhos burocráticos sindicais.
Várias organizações nacional-trotskistas e também numerosas seitas, em geral bastante estéreis, que se reivindicam “trotskistas”, continuam existindo. Mas é impossível esperar que delas surja a reconstrução da IV Internacional.
A LIT-QI também sofreu as consequências do “vendaval oportunista” e, após a morte de Nahuel Moreno, passou por uma profunda crise que quase levou ao seu desaparecimento. Mas, tentando seguir os seus conselhos, superou essa crise e seguiu em frente. Hoje, no quadro da pior crise econômica internacional desde 1929, que desmente claramente o triunfo ou a superioridade do capitalismo, suas seções e militantes procuram intervir ativamente nos processos reais da luta de classes.
O legado de Moreno e sua principal construção – a LIT-QI – está de pé e em combate. Mas, tal como ele nos ensinou, não se “autoproclama” a IV. A LIT deve estar a serviço da reconstrução da IV Internacional como alternativa de direção revolucionária para as massas, em momentos em que isto é cada vez mais necessário.
* Alejandro Iturbe é editor da revista da LIT-QI Correio Internacional