Chamado à solidariedade pela causa dos presos políticos de 11 de julho em Cuba. O caso do jovem artista Abel Lescay
Reproduzimos a seguir o Chamado à solidariedade pela causa dos presos políticos de 11 de julho em Cuba. O caso do jovem artista Abel Lescay de Lisbeth Moya González, escritor e jornalista cubano pela causa dos presos políticos na ilha. A partir da LIT-QI temos impulsionado uma forte campanha exigindo a liberdade imediata de todos os presos políticos em Cuba e o fim da repressão do regime de ditadura capitalista de Díaz-Canel.
As manifestações de 11 de julho significaram uma grande mudança para Cuba. Pela primeira vez, desde 1959, os cubanos foram às ruas para se manifestar em diferentes províncias do país por diversos motivos, mas, sobretudo pelo descontentamento popular gerado pela crise econômica e pela gestão da burocracia.
Por: Lisbeth Moya González, escritora e jornalista cubana
Se bem é verdade que as sanções do governo dos Estados Unidos atingiram a economia, ao se analisar Cuba, o fenômeno da burocracia e da falta de participação popular na política não pode ser ignorado. A dissidência é fortemente punida e o governo mostrou isso em 11 de julho.
A reação do governo ao 11J e a todos os tipos de dissidência, inclusive da esquerda, é rotular os cidadãos de contrarrevolucionários, pessoas politicamente confusas ou “mercenárias” pagas pelo governo dos Estados Unidos.
O fenômeno “Arquipélago” foi um exemplo disso. É uma plataforma que, a partir dos acontecimentos de 11J, procurou estabelecer um diálogo nacional, para além das ideologias, e que convocou a uma marcha pacífica para o dia 15 de novembro. Esse projeto político foi dando sinais de um giro à direita, por meio de projeções públicas e posicionamento de alguns de seus integrantes.
O que é notável em si mesmo, no caso desta análise, não é o Arquipélago, mas o tratamento que o governo deu a este tipo de dissidência. Mais uma vez, os meios de comunicação foram utilizados sem direito de resposta, para desmerecer os principais organizadores de todas as formas possíveis e para tentar provar as suas ligações com o governo dos Estados Unidos. A manifestação foi desautorizada pelo governo, com a alegação de que o socialismo é constitucionalmente irrevogável e que as intenções desse protesto eram derrubá-lo.
No entanto, uma das questões mais preocupantes é que no fim de semana em que ocorreria a manifestação, se repetiu em massa em Cuba , de forma massiva, um dos capítulos mais sombrios de sua história: voltaram os “atos de repúdio”, eventos organizados pelo poder político, para com gritos, palavrões e todo tipo de violência verbal, atacar o espaço mais privado de quem discorda: a família, o lar. Imagine acordar com uma multidão na frente de sua casa gritando “contrarrevolucionário” e mais, com um ato político organizado na sua porta, no seu bairro, na frente de seus filhos e pais. Esse é um ato de repúdio, algo comum e constrangedor em Cuba nos anos 80, do que já se falou muitas vezes, algo de que muitos cubanos se envergonham, se repete hoje, com a estridência das redes sociais divulgando.
Nesse contexto, é notável que Cuba se abra para a liberalização de uma economia centrada no Estado. O ordenamento monetário, medida já anunciada para enfrentar a crise, que desde antes da Covid 19 era notável, surgiu em um momento de escassez e com nuances que não eram vantajosas para o povo. É, de fato, uma medida de segregação econômica que tem levado os cubanos ao desespero, pela falta de produtos básicos e pela inflação. O ordenamento eliminou o CUC, a emergente “moeda forte” que circulava em Cuba desde 1994, pleno período especial, para dar lugar à Moeda Livre Conversível (MLC), bem como qualquer moeda internacional muito cotada no mercado negro.
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Ao anunciar a medida do ordenamento econômico, o ministro da Economia, Alejandro Gil, garantiu que junto com as lojas da MLC, as demais lojas continuariam a vender todos os tipos de produtos necessários em pesos cubanos e que justamente essas lojas da MLC tinham como objetivo arrecadar moeda estrangeira para abastecer o resto dos comércios em pesos cubanos. Na prática, isso não aconteceu. As lojas às quais os cubanos têm acesso, que não possuem MLC estão desabastecidas e diminuem a cada dia. A obtenção de produtos básicos em Cuba é uma odisseia e, apesar do aumento dos salários, o dinheiro não é suficiente porque o processo inflacionário é enorme.
Não é de estranhar, então, que diante de tal situação, agravada pela Covid-19, a impossibilidade de dissidência e participação popular; e o discurso político repetitivo que os líderes cubanos usam de forma tosca na mídia para “legitimar” o processo revolucionário cubano, as pessoas foram às ruas.
Em Cuba, a palavra esquerda é tabu. Grande parte da população assume como socialismo ou esquerda esse discurso e essas práticas que o governo sustenta. Trata-se de uma cidadania insatisfeita, com pouquíssimo preparo político, visto que os planos de estudos, desde muito cedo, estão voltados para a doutrinação política na conveniência do poder e não no desenvolvimento do conhecimento e do raciocínio, em condições de liberdade.
Não foi por acaso, então, que no dia 11 de julho as pessoas foram às ruas. Não eram mercenários, não eram seres confusos. Eram pessoas exaustas respondendo a contradições objetivas.
Naquele dia boa parte da direita foi às ruas sim, mas também foram os trabalhadores e marginalizados, as pessoas que a esquerda deveria representar, as bases sociais que a esquerda deveria alcançar. Naquele dia também foram às ruas defensores do governo, jovens da chamada esquerda oficial, pessoas privilegiadas pelo sistema em sua maioria.
Em meio ao caos, a violência de ambos os lados veio à tona. Eram manifestantes desarmados contra todos os órgãos repressivos do Estado e esses outros privilegiados ou velhos defensores acríticos da revolução cubana, armados com paus e apoiados pela polícia.
O governo cubano enfrentou uma grande crise de governabilidade e seria injusto não levar em conta nesta análise, a exaustiva propaganda anticomunista norte-americana, que a partir das redes sociais penetrou fundo no imaginário cubano. Mas as causas internas da eclosão social estão aí, latentes no cotidiano das mulheres e dos homens cubanos. Essas causas permanecem sem solução e estão piorando a cada dia, devido ao que significou para os manifestantes e suas famílias o dia 11 de julho.
Até o momento, o grupo de trabalho sobre prisões por motivos políticos da plataforma da sociedade civil cubana Justicia 11J documentou 1.271 detenções em relação à explosão social de 11J. Dessas pessoas, pelo menos 659 permanecem detidas. Verificou-se que 42 foram condenados à pena privativa de liberdade em julgamentos sumários e 8 em julgamentos ordinários. Já é conhecida a petição fiscal de 269 pessoas que aguardam entre 1 e 30 anos de sanção. A figura da sedição tem sido utilizada para impor sanções a, pelo menos, 122 pessoas, segundo a referida plataforma que se responsabilizou de contabilizar e expor a situação dos envolvidos, por não existir cifras oficiais disponíveis.
O 11 de julho foi o auge da repressão à dissidência em Cuba. Historicamente, existia assédio sistemático por parte dos órgãos de segurança do Estado a quem discordava em todo o espectro político; existiam também casos de expulsões de centros de estudo ou trabalho por motivos ideológicos e muitas outras manifestações do tipo. Porém, em 11 de julho, foi realizada a repressão ao corpo dos manifestantes.
É o caso do jovem músico e poeta Abel Lescay, que após uma manifestação na cidade de Bejucal foi preso durante a noite em sua casa. Esse processo é particular, pois ele foi levado para a delegacia de polícia nu e sofreu Covid 19 durante a prisão.
Abel foi manifestar-se como qualquer outro cidadão, não atentou contra nenhum tipo de propriedade e o Ministério Público o acusa de: desacato à figura básica, desacato à figura agravada e desordem pública, pelas quais lhe pedem sete anos de prisão.
Além disso, Lescay é aluno do Instituto Superior de Arte (ISA) e pode perder seu curso se for condenado. Será julgado nos dias 5 e 6 de dezembro no Tribunal Provincial de Mayabeque.
Casos como este acontecem em Cuba atualmente, casos absurdos e inconcebíveis. Quando falo sobre essas questões com membros da esquerda em outros países, é surpreendente que a alguém seja exigido tais sentenças por sair para exercer o direito de se manifestar. “Se fosse assim, estaríamos todos na prisão para sempre”, disse-me um amigo argentino.
Escrevo estas linhas, com muito medo, mesmo sabendo o que significam em termos de repercussão para um militante de esquerda alternativa que vive e trabalha em Cuba. Escrevo estas linhas porque a principal dicotomia de uma militante de esquerda em Cuba é ter nítido quem ela está enfrentando e em que contexto. Embora nós, como socialistas, tenhamos a missão de lutar contra o imperialismo no mundo, embora essas palavras possam ser exploradas por outras causas, em Cuba não podemos mais ficar calados, porque se trata da vida de muitas e de muitos. É sobre o direito de discordar e existir com dignidade. Apelo à militância de esquerda internacional e aos leitores deste texto que não hesitem em investigar e apoiar a causa dos presos políticos em Cuba. Apelo à solidariedade internacional com Abel Lescay, porque só então seremos ouvidos. A esquerda deve ser considerada como uma só no mundo. Não podemos pensar no opressor apenas como um burguês, a burocracia também oprime. Não me canso de dizer: Socialismo sim, Repressão não.