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Especial Palestina

Resolução da ONU é sinal verde ao genocídio e limpeza étnica na Palestina

Soraya Misleh

novembro 26, 2025

A Organização das Nações Unidas (ONU) mostra mais uma vez a que veio e quem manda nela. Em uma vergonhosa votação no seu Conselho de Segurança, foi aprovada no último dia 17 de novembro a Resolução 2.803, que cria a denominada “Força Internacional de Estabilização em Gaza” e prevê o desarmamento da resistência palestina. Avaliza, assim, a tutela estrangeira do território palestino, sob a chefia de Trump. Um sinal verde à continuidade do genocídio e limpeza étnica na Palestina.

Com a resistência refutando corretamente essa resolução indecente e inaceitável, Israel encontra agora a desculpa ideal para seguir em sua busca de solução final de extermínio do povo palestino na continua Nakba – catástrofe cuja pedra fundamental é a formação violenta desse estado racista e colonial em 78% da Palestina histórica em 15 de maio de 1948.

Emblemático que a Resolução 2.803 tenha sido aprovada no mesmo mês de duas iniciativas que avalizaram o projeto racista e colonial sionista – como agora, sem consulta aos habitantes originários, os árabe-palestinos, alijados de seu próprio destino. A primeira foi a Declaração Balfour, em que no dia 2 de novembro de 1917 a Grã-Bretanha, imperialismo do momento que ficaria com o mandato sobre a Palestina após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), se declarava favorável à constituição de um lar nacional judeu na Palestina. A segunda se deu na primeira Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro de 1947, que recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu (56%) e um árabe (43%).

Apesar de reunir um rico repositório de documentos que servem para denunciar o genocídio, a limpeza étnica, o apartheid e a colonização da Palestina, bem como um corpo de especialistas sérios em seus comitês e organismos, como a relatora de direitos humanos para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, da ONU não virá a paz com libertação e justiça, mas tão somente a paz dos cemitérios.

Seu papel é manter a ordem imperialista, fazendo jus ao legado da Liga das Nações, surgida no bojo do Tratado de Versalhes no pós-Primeira Guerra Mundial. Dando lugar a esta organização, a ONU veio a ser criada formalmente em 24 de outubro de 1945, após a Segunda Guerra (1939-1945), sob a mesma égide. O tempo das ilusões, portanto, precisa ter fim.

O grande financiador da ONU são os Estados Unidos, respondendo, segundo informação oficial, por 22% do orçamento regular total, seguidos por China, 20%; Rússia, 2%; Reino Unido, 3,9%; e França, 3,85%. Justamente os cinco países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm poder de veto sobre os temas de paz e segurança.

A mentira do cessar-fogo

A Resolução 2.803 se refere ao andamento do chamado “Plano Abrangente dos Estados Unidos para o Fim do Conflito em Gaza”, destinando-se a avançar na segunda fase do falacioso cessar-fogo. Uma piada de mau gosto, já que Israel é o enclave militar do imperialismo. Os EUA que se apresentam como arautos da paz fornecem bilhões de dólares e as armas para o genocídio e a limpeza étnica, ao lado das potências europeias.

Se a pausa nos bombardeios massivos representou algum alívio ao povo palestino em Gaza diante de um verdadeiro holocausto, por outro lado, revela-se o que Francesca Albanese caracterizava já ao início: no dicionário israelense, cessar-fogo significa “you cease, I fire” – em português, vocês [palestinos] cessam, eu atiro.

Desde que a primeira etapa de troca de prisioneiros foi implementada em 10 de outubro último, Israel já violou o tal cessar-fogo cerca de 500 vezes, matando mais de 340 palestinos e ferindo mais de 800, a maioria mulheres, crianças e idosos. A imposição da fome por Israel e a total falta de condições de vida continua, com o estado genocida avançando na linha que infelizmente a resistência se viu forçada a acatar como temporária de controle direto de 53% do território de Gaza. Persiste a criminosa restrição de entrada de ajuda humanitária, sejam alimentos, suprimentos e equipamentos médicos, sejam moradias temporárias até a reconstrução diante de destruição massiva. Mais de 288 mil famílias vivem nas ruas ou em barracas precárias e improvisadas em meio agora a inverno e chuva rigorosos, diante de cerca de 90% da infraestrutura destruída pelos bombardeios sionistas, enquanto Israel segue a bloquear o ingresso inclusive de tendas e casas móveis.

Especialistas da ONU têm repetidamente condenado essas violações, afirmando que ameaçam o “frágil cessar-fogo” – um cessar-fogo que na verdade serve à continuidade por Israel do genocídio de forma disfarçada, já que não houve um único dia sem novos assassinatos de palestinos em Gaza e sem que se contenha a acelerada limpeza étnica na Cisjordânia – territórios palestinos remanescentes após a Nakba de 1948, ocupados militarmente por Israel em 1967.

Resolução da vergonha

Esse quadro não constrangeu a aprovação pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas da Resolução 2.803, que representa, vale enfatizar, um sinal verde para a retomada do genocídio massivo em Gaza a qualquer momento, o que bombardeios cada vez mais frequentes que matam dezenas de palestinos em um único dia não deixam dúvidas.

A resolução em questão foi aprovada por 13 votos e duas abstenções – da China e Rússia, que tinham poder de veto, mas não o fizeram.

Dois dias antes, conforme notícias, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversaram por telefone sobre o andamento do acordo de cessar-fogo mediado por Trump. Ambos são alvo de mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra, respectivamente na Ucrânia e em Gaza. Crimes que seguem a ser cometidos, impunemente.

A Rússia chegou a apresentar um plano alternativo ao de Trump, afirmando que o texto da resolução aprovada não avançava na criação de um Estado palestino. Mas nada fez de fato para impedir que o plano Trump passasse, o que evidencia que sua preocupação era apenas se posicionar diferentemente como parte do jogo de narrativas na disputa imperialista, não impedir o extermínio do povo palestino. Já a China, um dos principais parceiros comerciais de Israel, reclamou da resolução, mas igualmente lavou as mãos.

Nenhuma surpresa com o papel nefasto dos diversos regimes árabes em apoiar a resolução e mesmo da gerente da ocupação, a Autoridade Palestina (AP), que vergonhosamente saudou o plano Trump para Gaza. Conferiu, desse modo, uma tintura palestina para a cumplicidade internacional com a tentativa de solução final por Israel na contínua Nakba.

A AP, surgida nos auspícios dos desastrosos acordos de Oslo em 1993, que almeja ser o parceiro confiável destes inimigos para administrar Gaza futuramente, comanda a Cisjordânia sem nenhuma autonomia e com dependência econômica integral de Israel no repasse de taxas. Tem sido eficaz em colaborar com a ocupação sionista e facilitar a expansão colonial agressiva, mantendo mesmo em meio ao genocídio e limpeza étnica acelerada em curso cooperação de “segurança” com o estado racista de Israel. A repressão a protestos e à resistência, com prisões de palestinos e mesmo sua entrega para Israel, é velha prática conhecida, que leva à falta de credibilidade e popularidade da AP junto à maioria dos palestinos.

O resultado, segundo pesquisa realizada na Cisjordânia e em Gaza entre 22 e 25 de outubro último pelo Centro Palestino de Pesquisa Política e Opinião Pública (PCPSR, na sigla em inglês), é “uma profunda insatisfação contínua com o presidente Mahmoud Abbas [da Autoridade Palestina], com três quartos da população desaprovando seu desempenho e 80% desejando sua renúncia”.

Para além do papel reservado à ONU, que segue a insistir na falsa solução de dois estados, tudo isso demonstra que os inimigos da causa palestina identificados pelo revolucionário Ghassan Kanafani, mesmo que ressignificados, seguem atuais. São eles: imperialismo/sionismo, regimes árabes e elite reacionária árabe-palestina.

Fortalecer a solidariedade

Os inimigos são poderosos, mas a crise imposta a eles pela solidariedade internacional ao povo palestino em níveis sem precedentes em meio ao holocausto palestino mostra que não são invencíveis.

Esta crise explica também a maquiagem de “cessar-fogo” para dar continuidade ao genocídio disfarçadamente e, como parte disso, a aprovação da vergonhosa resolução na ONU de tutela estrangeira.

Contra tudo isso, as ações chamadas globalmente em 28 e 29 de novembro – Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino – ganham sentido de urgência. Além de avançar na campanha central de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) a Israel para isolar internacionalmente o estado genocida e afetar, portanto, as bases materiais que o sustentam, essas datas devem servir à retomada das mobilizações de modo a abalar o imperialismo e derrotar o sionismo, garantindo ao povo palestino melhores condições de resistir.

Impedir a solução final na continua Nakba não passa pela ONU, mas pelo engajamento à causa palestina, diante de sua centralidade na luta internacionalista, anti-imperialista e anticolonial. Como ensinou Kanafani, “a causa palestina não é apenas uma causa dos palestinos, mas dos revolucionários, das massas oprimidas e exploradas na nossa era”. Portanto, às ruas, até a Palestina livre do rio ao mar.

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