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COP30

Retrato da destruição: Dependência e subordinação devoram a natureza no Brasil

Jeferson Choma

outubro 30, 2025

Por: Jeferson Choma |

O Brasil ocupa um lugar de destaque sombrio na crise climática: é historicamente o quarto maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEE) do mundo. No entanto, a origem de nossas emissões revela uma particularidade alarmante: ao contrário de potências industriais como EUA, China e Rússia, o Brasil emite principalmente pela destruição de seus ecossistemas. O desmatamento e a expansão da agropecuária capitalista são os grandes vetores das emissões.

Quase metade de todas as emissões nacionais (48%) vem de queimadas e o desmatamento (mudanças no uso do solo). Logo atrás, a agropecuária responde sozinha por 27% do total, consolidando um modelo de devastação que alimenta o aquecimento global.

Essa é a face ambiental da reprimarização da economia brasileira: um retorno à dependência de commodities. Nossa pauta de exportações se concentra cada vez mais em bens primários — como soja, minério de ferro e cana — enquanto a indústria de bens manufaturados definha. Esse papel subalterno na divisão global do trabalho redefiniu territórios, promove violência contra populações indígenas, quilombolas e camponesas, acelerando a destruição ecológica e o saque dos nossos recursos naturais.

Perdemos uma Bolívia em 30 anos

Os números da devastação são chocantes. Entre 1985 e 2023, o país perdeu mais de 110 milhões de hectares de áreas naturais — uma extensão equivalente a todo o território da Bolívia.

As consequências já batem à porta, e a crise hídrica lidera o cenário de emergência. Em 2024, o Brasil enfrentou a maior seca de sua história, intensificando um ciclo perverso: a estiagem alimenta as queimadas realizadas por grandes fazendeiros, que, por sua vez, avançam sobre terras públicas, expandindo a fronteira agrícola. Só no ano passado, a área queimada no país aumentou 150%, com a Amazônia sozinha respondendo por mais da metade (51%) desse total.

No centro desse colapso anunciado está o Cerrado, a “caixa d’água” do Brasil, onde nascem rios fundamentais para o abastecimento nacional. Em três décadas, o bioma perdeu quase metade de sua cobertura original (46%), com 26,5 milhões de hectares devastados entre 1985 e 2020. Seu relevo plano, que favorece a agricultura mecanizada de grãos, tornou-o alvo de uma destruição sem freios — e sem proteção legal efetiva.

Brasil está secando

O resultado é um país que está literalmente secando. Desde 1985, o Brasil já perdeu 30,8% de seus corpos hídricos naturais. E o pior está por vir: diante da catástrofe climática em curso, cientistas projetam que, entre 2071 e 2100, as temperaturas podem subir entre 4,5°C e 6°C, enquanto as chuvas podem cair pela metade em regiões críticas como Norte, Nordeste e Sudeste. O cenário é de emergência. Enormes áreas do território brasileiro, inclusive onde estão localizadas as grandes metrópoles do país, podem ficar inabitáveis até o final do século.

Máquina de Destruição

Como o Estado brasileiro alimenta a devastação do agronegócio

A devastação ambiental no Brasil é impulsionada pelo Estado brasileiro, por diferentes governos dos últimos 30 anos, que investiram massivamente na expansão do agronegócio, modelo que associa o grande capital agroindustrial à grande propriedade fundiária.

Nos últimos 30 anos, diferentes governos (de FHC a Lula 3, passando por Dilma, Temer e Bolsonaro) investiram massivamente na expansão do agronegócio por meio de créditos públicos — hoje centralizados no Plano Safra, como mostra o gráfico abaixo.

Esse financiamento público subsidia a abertura de novas fronteiras agrícolas, onde o desmatamento, as queimadas e a técnica destrutiva do “correntão” avançam sobre biomas como o Cerrado e a Amazônia. O objetivo declarado é gerar superávit comercial: garantir a entrada de dólares no país por meio das exportações de commodities para, em última instância, remunerar o sistema financeiro com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública.

Esse modelo explica por que a destruição ambiental no Brasil está intrinsecamente ligada a conflitos agrários, grilagem de terras públicas e violência contra comunidades tradicionais e povos indígenas.

Além disso, o Estado brasileiro promove uma série de obras de infraestrutura para beneficiar o agronegócio, facilitando o escoamento de suas safras — como é o caso da construção de portos ou da expansão rodoviária, a exemplo da BR-319 (leia ao lado) — ou permitindo maior oferta de energia, tal como foi o desastre representado pela construção de Belo Monte, obra promovida pelos governos de Lula e Dilma.

Saiba mais

Como funciona o moinho satânico da destruição ambiental no Brasil

1- O governo brasileiro oferece créditos públicos ao agronegócio, que financia a expansão da agricultura sobre biomas como o Cerrado e a Amazônia.

2 – Esse modelo garante a alta das exportações de commodities.

3 – Gera-se um superávit na balança comercial (exporta-se mais do que importa).

4 – Com isso, o país arrecada mais dólares, moeda usada pelo governo para pagar os juros e amortizar a dívida pública.

Planejando a catástrofe

Governo Lula aprofunda catástrofe ambiental

A extrema direita bolsonarista é inimiga declarada do meio ambiente. Sua plataforma defende abertamente a invasão de terras indígenas e o desmonte da legislação ambiental, com um claro projeto de “passar a boiada” se retornarem ao governo.

Por outro lado, o governo Lula não vem combatendo a destruição ambiental. Na verdade, para além de discursos em que cobra dos países ricos responsabilidade na crise climática, seu governo, na prática, aprofunda a catástrofe ambiental.

Ao apoiar políticas que funcionam como verdadeiras bombas climáticas e aceleram a destruição da Amazônia, o governo perpetua um modelo extrativista que há décadas devasta o país e entrega nossos recursos ao imperialismo.

Um exemplo claro disso são as negociações com o governo Trump, nas quais o tema da exploração de minerais críticos e terras raras tem sido incluído na pauta. Paralelamente, o governo busca atrair a instalação de data centers no Brasil e já assinou uma medida provisória para conceder isenção fiscal ao setor – cujo impacto ambiental é brutal, especialmente pelo consumo intensivo de água e energia, sem trazer benefícios reais para o país. O grau de submissão é tamanho que o próprio Lula chegou a dizer que durante as conversas com Trump “não pintou química, pintou uma indústria petroquímica”.

Como se não bastasse, o governo não enfrenta as pautas de destruição ambiental aprovadas pelo Congresso – inimigo do povo e do meio ambiente. Ao contrário, a postura do governo é de negociar e até viabilizar alguns ataques, como, por exemplo, a flexibilização da legislação ambiental para grandes empreendimentos.

Vejamos algumas das pautas defendidas pelo governo que aprofundam a catástrofe ambiental e aumentam nossa dependência econômica.

Petróleo na Amazônia: a contradição climática

Lula tornou-se um dos maiores entusiastas da exploração de petróleo na Margem Equatorial, fronteira marítima que se estende pela costa amazônica. Os números dessa aposta são perigosos: caso todo o petróleo da região seja extraído e queimado, serão lançadas na atmosfera entre 4 e 13 bilhões de toneladas de CO₂ – volume equivalente às emissões somadas de Estados Unidos e China em 2020.

O risco, porém, não se resume às mudanças climáticas. Um eventual vazamento ameaçaria a chamada Amazônia Azul, região de manguezais mais extensa do planeta, vital para pescadores e comunidades tradicionais. Um detalhe: os manguezais têm capacidade de absorver o dobro de carbono que uma floresta tropical.

A exploração do petróleo na região só vai servir às grandes petroleiras internacionais e aos acionistas estrangeiros da Petrobras, que embolsam a renda petrolífera do país.

BR-319: asfaltando a destruição

No coração da Amazônia, o governo insiste no asfaltamento da BR-319, rodovia que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). A história já mostrou que estradas na região funcionam como artérias de desmatamento, abrindo caminho para grileiros, madeireiros e pecuaristas. E os efeitos já são mensuráveis: após a defesa pública da obra por Lula, o desmatamento no entorno da estrada aumentou 85,2% entre setembro e dezembro de 2024, na comparação com igual período de 2023.

Hidrovias: os rios entregues ao mercado

No dia 29 de setembro, o governo publicou decreto concedendo à iniciativa privada as hidrovias dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós – três dos mais importantes cursos d’água da Amazônia. A medida tende a acelerar o assoreamento, a poluição hídrica e o impacto sobre comunidades ribeirinhas, transformando rios em corredores de commodity.

Ferrogrão: o trem do agronegócio

Apresentada como solução logística, a Ferrogrão – ferrovia que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA) – é, na visão de especialistas, um vetor de devastação. O traço ferroviário deve pressionar terras indígenas, unidades de conservação e ampliar o desmatamento em regiões críticas, além de causar erosão e poluição generalizada.

Enquanto o Brasil chega aos fóruns globais vestindo o manto ambiental, a prática continua sendo de políticas atreladas a um modelo extrativista que ignora a ciência e aprofunda a dependência do país.

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